sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A Mulher Mais Bonita do Mundo

 

estás tão bonita hoje. quando digo que nasceram
flores novas na terra do jardim, quero dizer
que estás bonita.

entro na casa, entro no quarto, abro o armário,
abro uma gaveta, abro uma caixa onde está o teu fio
de ouro.

entre os dedos, seguro o teu fino fio de ouro, como
se tocasse a pele do teu pescoço.

há o céu, a casa, o quarto, e tu estás dentro de mim.

estás tão bonita hoje.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

estás dentro de algo que está dentro de todas as
coisas, a minha voz nomeia-te para descrever
a beleza.

os teus cabelos, a testa, os olhos, o nariz, os lábios.

de encontro ao silêncio, dentro do mundo,
estás tão bonita é aquilo que quero dizer.

José Luís Peixoto


Soberba dança



Força natura emergente
compassos de grande pujança
efeitos que saem da gente
por entre tão frondosa dança

Pelo ensaio redobrado
e seu exímio representar
depois se viu aprovado
em exibição de encantar

Esquema repleto de fulgor
apesar d’entrada ligeira
mas acompanhada de vigor

Foi demonstração de primeira
elevada a grande rigor
e sem a mínima asneira

António MR Martins

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

O Silêncio

 
 
Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade

Íntimos momentos


Entre uma página
Desfolhada
E outra que aparece
O imaginário
De te sentir
Nas palavras lidas

Parece que leio
Mas não

Parei de súbito
Pensando em ti
Num meditar intenso
E afoito ao que me rodeia

Alguns momentos depois
Expresso um leve sorriso
E após um rápido piscar de olhos
Regresso à leitura

Mas questiono-me

Não sei porque parei
E porque a tua imagem
Me envolveu a mente
Como um feliz sonho
De belas sensações
Desejadas por intermináveis

Será por ter lido a palavra amor?

 
António MR Martins

domingo, 16 de setembro de 2012

Ah, chulos de merda

 

Essa essência por quem me tomais
cheira-me a esterco.
Ah, palheiro maldito
que vos arde na goela,
o estrume, a quem vos vendeis.

Prefiro ser puta desejada,
daquelas, que se fodem
a troco de nada.

Essa essência por quem me tomais
sabe-me a censura.
Ah, chulos de merda
que vos enche os quadris,
a seiva, de quem bem vos fode.

Prefiro ser a puta que apedrejais
do que a vendida,
aquela, que se vende aos cães,
a troco de lambedura.

Matem-me!
Apedrejem-me!
ainda assim
gritarei,
liberdade


Conceição Bernardino

Azar ou sorte aziaga



Por entre a nesga se furtou
ao pobre conflito da morte
que já anunciada ficou
desfraldada ao vento norte

nessa morte de tanto jazer
num sofrimento implacável
em angustiado fenecer
pela forma mais deplorável

entre o morrer e renascer
onde se orquestram trejeitos
dum oprimir a acontecer

só resta além dos defeitos
tudo que nos faz entristecer
e a isso estamos sujeitos

 
António MR Martins

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

plus pleurer

 

 
ela desapertou a cabeça com uma chave estrela. enfiou-a depois num caixote de papel forrado a jornal. com o caixote ao pescoço foi rua acima em passo lento, braços à frente do corpo. chegada à esquina, braços primeiro, sentou-se junto ao passeio. nunca soube para que lado da vida se foge quando o amor dói.
 
 
Margarete da Silva

à espera de um abraço



entre o chocalhar das tensões
na espera que as embala
se sentem as manifestações
de fluídos em larga escala

vem mais uma unha ruída
entre um coçar repetente
naquela ânsia abatida
no imaginar do poente

um movimento incessante
e tanta imagem filtrada
num desespero cativante

grata saudade mutilada
num abraço tão delirante
pela espera compensada

 

António MR Martins

 

sábado, 8 de setembro de 2012

2

 

Que aos poetas seja interdito

Engraxar a Lua

Fazer cócegas ao coração

E desenterrar a Saudade.

Agora o poema tem de ser grito

Arma, bandeira, hino de rua

Que explode nos lábios da multidão

E incendeia a cidade.


Prates Miguel


in livro "Marés Vivas", I, edição do Autor, 1979

Falsidades intrigantes

 
Hong Kong, by Gonçalo Lobo Pinheiro.


Urdindo as falsas pelejas
de finais algo duvidosos
onde recitais de invejas
deixaram muitos furiosos

intrigas e maledicências
inflamaram os ambientes
e cobiça e indecências
contagiaram tantas mentes

rebuscada muita má língua
nas blasfémias mais sonantes
os semblantes desvaneceram

fica tanta gente à míngua
nada vigora como dantes
e outros se fortaleceram

 
António MR Martins

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Soneto de Inês

 

Dos olhos corre a água do Mondego
os cabelos parecem os choupais
Inês! Inês! Rainha sem sossego
dum rei que por amor não pode mais.

Amor imenso que também é cego
amor que torna os homens imortais.
Inês! Inês! Distância a que não chego
morta tão cedo  por viver demais.

Os teus gestos são verdes  os teus braços
são gaivotas poisadas no regaço
dum mar azul turquesa  intemporal.

As andorinhas seguem os teus passos
e tu morrendo com os olhos baços
Inês! Inês! Inês de Portugal.

José Carlos Ary dos Santos

sonhos e magia

 
Foto do espectáculo de Abertura dos Jogos Paralímpicos, Londres 2012,
by Gonçalo Lobo Pinheiro.
 
 

oiço
o estalar da caruma
pisada pelos passos teus
à chegada da lua
na sua fase companheira

sobressai o semblante
em que assentas
teu corpo
perante deslumbrante luar
que te ilumina a fronte

na noite
a plataforma do entendimento
na mistura dos sentidos
pelo cheiro
que os provoca

sorris
pertinente e sedutora
entre a magia que vem dos céus
e na aureola que é tua
numa imagem derradeira

retenho-me caminhante
no trilho me acalentas
rastreio
de um pleno brindar
ao longínquo horizonte

em ti
poderoso elemento
para um abraço contido
e um afago matreiro
para o prazer que se evoca

a caruma se desprende
a lua nos observa
o horizonte não se entende
e o luar nos reserva

sublimam-se tantos travos
o suor nos sacia
no beijo das descobertas
que nos eleva o rubor

fantasia de um sonho
na magia de uma noite

 
António MR Martins

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Versos de Cor 1

 

(sorriso)

Frio,
está frio na estrada,
...
nos pés descalços
do menino
que sorri:
um sorriso triste,
simples,
distante...

(terá vindo com a neve?)

... mas quente!

E... já não neva!...

Joaquim do Carmo

Desacertada palavra

 
João Patrício Gomes, um Templário do nosso tempo...
 
 

Há um sentido profundo
na palavra embargada
e um apelo ao mundo
com mensagem apagada

calada a voz da razão
por não a ouvirem falar
não lhe tomam mais atenção
assim tudo vai descambar

neste secreto domínio
junta-se força medonha
onde não há vaticínio

nas amarras da peçonha
se perdeu tanto fascínio
já não cora a vergonha

 
António MR Martins

terça-feira, 4 de setembro de 2012

ama-me

 
 
 

Ama-me
Traz rosas mornas em teu peito
Deixa que se moldem à minha mão
Declama o poema a que tenho direito
Provoca em meu corpo, erupção
 
Ama-me
Sem vestes, sem destino ou razão
Com o olhar, com os lábios e a pele
Porque o amor não pede explicação
Pede sim uma paixão a dois, fiel
 
Ama-me
Entre as rochas, entre as ondas e o cais
Grita comigo os búzios à praia rasgada
Desperta em nós o chilrear dos pardais
Em pétalas abertas pela madrugada
 
Ama-me
Enfeita-me com lírios puros sem pressa
Rompe o sol no pretérito mais-que-perfeito
Onde se une o puzzle numa só peça
Rumamos ao céu do nosso íntimo jeito
 
Ama-me
Pelo fogo da noite ao ventre desperta
Pelas estrelas acocoradas ao luar
No laço qu’em teu pescoço nos aperta
E em tranças ousa o coração completar
 
Ama-me
No castelo rubro da tua fantasia
Assim mesmo, despudoradamente
Onde habita só a nossa maresia
Peço-te, ama-me simplesmente!
 
 
Jessica Neves

in livro "(Sem) Papel e Caneta, (Com) Alma e Coração", páginas 52 e 53, Chiado Editora, 2012

entre vida e morte

 
A minha jovem laranjeira com a sua primeira flor e a antevisão do seu primeiro fruto... "...minha laranja, amarga e doce, meu poema..." (excerto de um belo poema de Ary dos Santos, musicado por Fernando Tordo. Umas das mais belas canções que participaram em Festivais RTP da Canção. (minha foto).
 
 

abre-se a terra
a cada passagem
das árvores quietas

destilam as poeiras
que incendeiam
as serenas chamas da secura

a terra devolve
a semente
de todos os hálitos
no conforto desalinhado
de cada chão

os movimentos
se empolgam
regurgitando novos perfumes

o cenário
restabelece as previsões
e define os desígnios
em brevíssimas precisões

de nós
a devolução à terra
que um dia
nos fez florescer

 
António MR Martins