sábado, 30 de janeiro de 2016

MANUEL ALEGRE






O MELRO

 
Está poisado no cedro e canta apenas
as penas e alegrias nupciais.
Amor e adeus. Encontro e despedida.
Por isso são de luto as suas penas
e o que ele diz está antes das vogais.
Onde o poeta falha ele não erra
só ele sabe a sílaba proibida
só ele canta o código da terra.

Manuel Alegre, in “Livro do português Errante”, página 37, edições Publicações Dom Quixote, 2.ª edição, Março de 2001.  

terça-feira, 26 de janeiro de 2016

Conceição Oliveira







Celebrar a paixão

As mãos agitam-se na penumbra
como se buscassem
do espaço solitário
o devaneio
inusitado.

Águas enremoinhadas
clareiam espumas
na noite quebrada.

Espantados sons roucos assistem
à cadência das marés em partos esperados.

Tocam-se corpos e almas
dedilhando cordas ao compasso da lua cheia.

Pela madrugada

desejos saciados
em juras de amor inscritas
nos beijos cúmplices cobertos de areia.

Conceição Oliveira, in “Da Raiz (transparências)”, página 32, edições Palimage, Coimbra – 2014. 

Dependências


Imagem da net, em: www.entremares.blogs.sapo.pt



Demorei a chegar a mim
Neste enredo
Da espera e da vida.

Os anos foram passando
E a inexperiência
Se foi tornando
Experiência por experimentar.

Dentro de mim me entreguei.

Omiti as forças do meu interior
E jamais expeli
Os condimentos da minha memória.

Sempre dependi do berço
Que me viu nascer,
Até ao último desfolhar
De um qualquer malmequer.

António MR Martins

terça-feira, 12 de janeiro de 2016

Clara Maria Barata






Ainda te espero

Ainda te espero junto ao cais
como no tempo
em que trazias o mar dentro dos olhos
nas mãos o ardor do vento nu

vinhas com o fulgor do sol e a intrepidez das marés
a ternura das ondas no sorriso
nos dedos estremecidos o segredo das conchas e dos búzios

espero-te
como naquele tempo distante da inocência
quando os sonhos eram pássaros de fogo
o desejo não tinha a mácula da tristeza
e eras água pura para a minha sede

há muito tempo que te espero
sei porque te espero
não sei se chegaste a partir.

Clara Maria Barata, in “No silêncio das luzes e das sombras”, página 36, edições Temas Originais, 2014.

árvore em destruição


Imagem da net, em: www.orgmiraterra.blogspot.com



nesta árvore,
em que habito,
há uma múltipla extensão
de labirínticos desígnios.

cada ala
em que transito
me devolve ao início de cada partida,
consecutivamente.

e o corpo desfaz-se,
cansado e fragilizado,
com o que estas ramificações,
assiduamente,
me vão contemplando.

resta uma loucura
em mim
num pré-estoiro mental,
prestes a eclodir,
sem que hajam
quaisquer calmantes apaziguadores
para esta infinita batalha
contra tantas adversas marés.

António MR Martins