quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Descaminho

 

Imagem na net.


Folgam as costas da memória
num preso sentido das coisas
como num amanhar indecente
pelo proveito desprotegido
sem ter colheitas abonatórias.

 
Gritam frases irrelevantes
aos ventos de tanta discórdia
usurpando os mais sensíveis
na sua carência abundante,
pelas coisas insignificantes
das meras comadres em conflito.
 
Para onde querem seguir?
Depois dos tempos temerosos
duma quimera agoniante
e imensamente redutora,
que a pouco e pouco
já íamos esquecendo.
 
Depois das promessas queridas,
mesmo de pequeno teor,
tudo colide na negação
neste caminho tumultuoso,
que nos quer retirar o sonho
de fugirmos à estagnação.
 
 
António MR Martins

terça-feira, 26 de outubro de 2021

Na natureza daquele carvalho

 

Carvalho-negral. Imagem na net.


Há um bugalho
separado das extremidades
de um ramo desertor
de toda a sua companhia
e de um inolvidável tronco
expressivo, saliente e hirto.
 
Outros bugalhos se plantam
nas pontas esquecidas do preâmbulo
daquele conjunto proeminente
plantado naquele solo
deixado ao livre-arbítrio
onde as silvas se amontoam
e sobem pelo seu expressivo tronco
que naquele ponto se esconde
das suas carências ilimitadas.
 
Um par de outros bugalhos
serve de apoio
à sua inconformação
como porta-estandarte
da sua peculiar evidência.
 
Na fusão de toda aquela imagem
ofusca-se a nitidez
da sua serenidade
e a omissão da limpeza humana
que fez derramar
o seu habitual conceito
de potência inabalável.
 
 
António MR Martins

domingo, 17 de outubro de 2021

Tempo de um pensamento

Imagem na net.

 

No lado exterior do tempo
as horas não são contadas
ou passam despercebidas
pelo tempo passado sem tempo.
 
Naquele lugar do lado de fora
os segundos de cada minuto
são mesquinhos salteadores
ultrajando cada batida do seu ponteiro
num inconsequente caminhar
pelo balanço de cada premeditado sentido.
 
Quando regressamos ao tempo
de outro modo
e ao seu lado interior
quiçá mais sólido e verdadeiro
já tanto, e tanto, acontecer aconteceu.
 
António MR Martins

terça-feira, 12 de outubro de 2021

José Félix

 

Capa do livro "Para um manual de Arqueologia",
de José Félix


ONDULAÇÃO
 
O coração aberto
de afectos e de nódulos
feitos de desencontros
nas fissuras da angústia
é tormento da sede
translúcida de espelhos.
Do outro lado me encontro
a prender as enxárcias
na amurada, da dor
que navega no mar
da cicatriz ferida
e sangra em cada porto
o coração perdido
no tropeção das vagas.
O corpo, mesmo assim
vem sempre à superfície.
 
José Félix, in “ Para um manual de arqueologia”, pág. 171, edições Temas Originais, 2021.