Sou carinho despenteado,
rubor da tua pele,
áurea de felicidade
e carisma de idoneidade
em traço que não gele
um clamor descontrolado.
Sou beijo despoletado,
remetido à boca cheia,
em sentido figurado.
Preso à tua ameia…
o veneno que incendeia
o teu retrato idolatrado.
Sou o sentido que te alheia
e te cobre noutra remessa,
na boca que te nomeia
actriz da minha peça,
punhado de sensações
e partícula de multidões.
Sou o abraço que te afaga,
o sorriso que não contesta,
o ser que te não larga
e o sinal em tua testa.
Por vezes a trave mestra
e outras a matéria que resta.
Sou a envolvência do sentido,
actor em tua festa,
a fuga ao prurido
e o amor que te atesta,
o conto do fiel bandido
que amiúde se detesta.
Sou a vértebra do ciúme
em estrutura cambiante.
No inverno o teu lume
em prisma ofegante.
Também o teu queixume
num verão assaz brilhante.
Sou a réstia da bonança,
degustação do amor,
na paixão a aliança
e o clamor pleno da dor.
O olhar de uma criança
o nosso supremo valor.
Sou suspiro de uma maleita,
a coragem que de ti desperta,
pela nossa paragem estreita
nesta caminhada incerta.
O charme que se aceita
no dealbar da descoberta.
Sou o simples pressuposto,
miragem ou acalento,
de semblante bem disposto
e outras menos atento,
que não foge com o rosto
a simples descontentamento.
Sou o simples batimento
de um coração já cansado,
que omite o lamento
pelo qual é fustigado.
Que tem o maior provento
no sentir-se sempre amado.
Sou a mescla consentida
de uma qualquer existência,
por vezes muito apetecida
outras tida por paciência,
que de forma esbatida
define qualquer vivência.
Sou humana semelhança,
pretexto de decisão
em valiosa pujança,
ou simples contradição,
que na plena exactidão
acentua a sua esperança.
Sou raio de humildade,
fogosidade perdida,
rastreio da capacidade
que alimenta a nossa vida.
Um misto de verdade
numa mentira contida.
Sou homem e tu mulher,
conflito de gerações,
na razão que se tiver
sem desculpas e perdões.
A fraternidade que se quiser
em quaisquer ocasiões.
Sou horizonte profundo,
rio sem ter caudal.
Um habitante do mundo
no país de Portugal,
sujeito a moribundo
deste aperto universal.
António MR Martins