domingo, 27 de julho de 2014

João Morgado




O Pássaro dos Segredos

O “25 de Abril” visto pelos olhos de uma criança (excerto)

“…Não entendia aquelas histórias de gente real, onde não havia nem cavalos nem leões. Mas, apesar de pressentir uma sombra negra nas histórias de meu pai, eu acabava por adormecer na mesma. Adormecia em sonhos no lugar mais seguro do mundo, no entrelaçado dos seus braços, no rochedo meigo do seu peito, com as mãos por dentro da sua camisola interior, branca, sentindo-lhe o calor da pele. Eu dormia no centro do mundo à volta do qual tudo girava em silêncio, porque o universo dormia quando eu dormia. Apenas havia duas excepções em todo o cosmos: a água que corria na ribeira ao lado da nossa casa e o Amílcar que trabalhava no forno noite dentro e nos levava o pão quente à janela, antes do meu pai ir trabalhar de madrugada. Tudo o resto dormia. Todas as estrelas. Até os planetas de berlinde emperravam na sua roda-viva.”

 
João Morgado, in “O Pássaro dos Segredos” (O “25 de Abril” visto pelos olhos de uma criança, excerto da página 25, edições Kreamus, com o apoio da vila de Belmonte e das cidades da Covilhã e Fundão, 1ª. Edição em 25 de Abril de 2014.

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