quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Sara Timóteo




III
«Faz coisas boas.»
Sólon 

1.

Semeia nos ventos o teu amor pelas palavras,
respira o mar inicial,
descalça-te e alimenta com teu próprio corpo
a chama da poesia.
Sabe que, afinal, os teus passos
percorrem o solo que te há-de acolher.
 

“Os Passos de Sólon”, página 23.
 

VII
«Faz da razão o teu maior comandante.»
Sólon

4.

Em caso de dúvida, escolhe sempre
a liberdade.
Apenas o apego do coração
te torna escravo,

e a poesia não se compadece
de fogos de artifício.

 
“Os Passos de Sólon”, página 52.

 
Sara Timóteo, in “Os Passos de Sólon”, edições Lua de Marfim Editora, Maio de 2014.

Partículas dum bem-estar vilipendiado


Imagem da net, em: mazelasdojudiciario.blogspot.com



Nas margens intervaladas galgaram
contentamentos sem interrupção
e das raras tréguas se extasiaram
com tamanha dose de satisfação.

Embrenhados por esse desiderato
adornaram levemente um sonho;
de liberdade plena sem desacato
esfumando um pesadelo medonho.

Ali pairou um sentido de homicídio
que nem réstias ficaram de amor
e nas fagulhas nada mais que suicídio.

Nos violados filtros fecundou a dor
dum corpo que jaz naquele presídio
onde o paladar jamais terá sabor.

 
António MR Martins

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Manuel C. Amor





In Memorandum da Cesaltina Amor

 
Em  20 de Julho, terias feito 42 anos de casada
Em 23   de Julho, terias feito 62 anos de idade
Em 25 de Julho fez 39 anos que tombaste, na mina, a caminho de S. Pedro da Barra
Em 27 Julho, Fez 39 anos que desceste à terra.
Para trás ficaram filhos, companheiros, e sonhos.
Valeu a pena, a tua dedicação e entrega????

 

Sim minha irmã que comigo sonhaste
pintar a loucura dos girassóis
iluminar a obscuridade dos bairros periféricos das cidades
bairros de ruelas que cheiravam a mijo e merda
onde as crianças dormiam
no chão
sobre luandos apodrecidos
junto aos mais velhos
que aproveitam o seu sono
e o calor da noite para satisfazerem desejos
mesmo quando indesejáveis

minha irmã, companheira,
amiga certa nas horas mais dolorosas
as horas de incertezas de medos reprimidos
o tempo das lágrimas retidas
para não chorar frente às bestas bruta montes
guardiões de um sistema que se desmoronava de podre

sim minha irmã camarada
que me acompanhaste pelos percursos poeirentos´
dos caminhos do isolamento
mulher
que me ajudaste a construir um jardim de amor
jardim onde nasceram duas flores
que cumpriram o seu destino
também elas se multiplicaram

Mas
a mina assassina no caminho  
que emudeceu o teu riso
a tua alegria de viver
a tua esperança de um caminho melhor
também te fechou os olhos
para que não visses as nove novas flores
fruto do nosso jardim…

 
Manuel C. Amor
2014

sábado, 2 de agosto de 2014

Gonçalo Lobo Pinheiro




Psique

Não te atropelo com desejos vãos.
Pensamentos fúteis que surgem,
por vezes no tempo,
quando estamos perdidos na psique.
O meu princípio de vida é outro,
rebuscado na minha poesia.
Enquanto te vou tolerando a falta de rumo,
a alma do corpo preenche-me.

Gonçalo Lobo Pinheiro, in Tributo a Mário Sá-Carneiro, colecção Sob Epígrafe (vários autores), edições Temas Originais, 2014.

embaraçosa utopia





há uma exponente claridade
entre as brechas
da contemplação inesperada

uma esfera colorida
iluminada
e perturbante
mas inédita ao olhar

o observar culmina
num vislumbre incomparável
mas belo
simplesmente

um desnudar
sem limites
um paralelismo
sem paralelo
um desfecho
impensável
uma luz inconcebível

a plenitude
passou por aqui

António MR Martins