segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Paulo Henriques Britto



Paulo Henriques Britto, imagem da net.



DE VULGARI ELOQUENTIA

A realidade é coisa delicada,
de se pegar com as pontas dos dedos.

Um gesto mais brutal, e pronto: o nada.
A qualquer hora pode advir o fim.
O mais terrível de todos os medos.

Mas, felizmente, não é bem assim.
Há uma saída – falar, falar muito.
São as palavras que suportam o mundo,
não os ombros. Sem o “por quê”, o “sim”,

todos os ombros afundavam juntos.
Basta uma boca aberta (ou um rabisco
num papel) para salvar o universo.
Portanto, meus amigos, eu insisto:
falem sem parar. Mesmo sem assunto.


Paulo Henriques Britto, in “Macau” (Prémio Portugal Telecom de Literatura), página 17, edições Babel, 2010.  

sábado, 2 de dezembro de 2017

Urgências


Imagem da net.




Nessa eupatia blindada,
profusa em tiritares disfarçados,
se aprofunda
o olhamento a tantas dúvidas.

Há tanta barreira paralela
que não ousas ultrapassar
no aquilatar dos teus problemas.

Separam-se as águas
de todas as fontes
e a leveza da tua envolvência
torna-se irrequieta a cada momento.

Tanto ilogismo balança
em tuas mimosas mãos.

 
António MR Martins