quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Ensaio


Ai
esses olhos
que me fulminam
devoram
roubam o ser,
essa boca
que saqueia
sem rodeios
e me mata a sede,
essas mãos
que me descobrem
desnudam
e arranham,
esses braços
que me rodeiam
apertam afrouxam
e voltam a apertar,
esse peito
que roça ao de leve
me electriza
e incendeia,
essas pernas
que me enleiam
desbravam
e desventram.

Ai desse corpo que me ateia!

Ardo.

Alexandra Rosado

Radar da sensibilidade

Tem dias
Sinto-me marginal de ti

Incongruência desmedida
Do pensamento

Outros há
Em que te penetro
Na alma
E os nossos corações se tocam

Tal como se nos manejássemos
De um princípio
A um fim

Intensamente


António MR Martins

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

CEGAR OU VER


não vou se cego o que faço
se ilumino permaneço:
recosto no teu regaço
e de vez em quando esqueço.
de qualquer modo faleço
no corpo do teu traço:
caído assim no teu laço,
passo os dias no meu terço.
se cego não ganho espaço
se ilumino é o começo.

José Félix

Quase tudo se perde



Rasgo o contacto
Que tinha no papel
A palavra daquilo que sinto

Interajo veementemente
Com o rasto deixado
E com tudo o que pressinto

Doutro modo
Fervilha o estado passageiro
Da palavra e sua grandiosa força

Reluz a esperança
Na envolvência semi-contida
Por mais papéis que rasgue e torça

Às vezes a escrita é tão pouco
Quando a palavra é tudo
No reverso do simples encantamento

Outras vezes nada acontece
E então perde-se a carruagem
Que passa na estação em andamento


António MR Martins

Foto by Gonçalo Lobo Pinheiro, Londres (Metro).

sábado, 25 de fevereiro de 2012

UNIVERSO


Universo
esse espaço misterioso
onde as curvas da estrada
são incógnitas.
Onde os elementos
nos confundem
e absorvem.
Onde os versos
se escondem secretos
e as aves voam em desordem,
as folhas soltas
têm sabor a música
de melodia nunca escrita,
os anseios são angustia infinita
e onde adormecemos
na cegueira de conhecer a luz
onde a palavra nunca foi dita
e aí encontrarmos
o cerne da vida.

Lita Lisboa

Porque te escrevo assim

Porque te escrevo assim
Na espera dos meus anseios
Ao início de cada noite
Ao alvorecer do novo dia
Entre o voo de tantas aves

Porque te escrevo assim
À luz da tua sombra
À mesa da sobrevivência
Com aromas vitalícios
Entre o vento que ora passa

Porque te escrevo assim
Neste meu estar sem jeito
Na história que se não conta
Pelo sorriso de uma criança
Entre versos nunca escritos

Porque te escrevo assim
Na demora do tempo breve
Na origem desconhecida
Pelos gestos de magia
Entre as lágrimas vertidas

Porque te escrevo assim
Das memórias que eram nossas
Ao sentido que nos impele
Nas conquistas do nosso mundo
Entre abraços de ternura

Porque te escrevo assim
Sem saber o que dizer
Amando-te sem nada querer
No sentir mais profundo
Entre o passado e o futuro


António MR Martins

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Teus Olhos Entristecem


Teus olhos entristecem
Nem ouves o que digo.
Dormem, sonham esquecem...
Não me ouves, e prossigo.

Digo o que já, de triste,
Te disse tanta vez...
Creio que nunca o ouviste
De tão tua que és.

Olhas-me de repente
De um distante impreciso
Com um olhar ausente.
Começas um sorriso.

Continuo a falar.
Continuas ouvindo
O que estás a pensar,
Já quase não sorrindo.

Até que neste ocioso
Sumir da tarde fútil,
Se esfolha silencioso
O teu sorriso inútil.

Fernando Pessoa

Entre o mar e a lua

Abafam-se as ondas deste mar
e os ruídos da noite escura,
brilhando nas águas o luar
por entre sedutora brandura.

Sonham-se enredos de magia
entre as palavras e os gestos,
suprem-se máculas na nostalgia
e esquecem-se tantos protestos.

Sintonizam-se pelos semblantes
num olhar de mútuo consenso,
vislumbrando doce harmonia.

Brade o mar os sons latejantes
em aromas de puro incenso
e com a lua leva a noite fria.


António MR Martins

[Poeta é aquele que, ao ouvir o uivo do lobo...]




Poeta é aquele que, ao ouvir o uivo do lobo, não segue o seu caminho
Uiva com ele...
O poeta entende as flores e seus vocábulos de pólen
O poeta inventou as ondas do mar porque não conseguia dormir
O poeta é o vento que retira as máscaras das montanhas para lhes beijar os lábios
Um poeta consegue vislumbrar o sexo dos cometas e a marturbação faiscante dos astros
Poeta é aquele que oferece mel aos mortos para que não chorem
Transforma em fogo as lápides do cemitério e os obituários no voo do morcego
Os poetas constroem catacumbas de palavras pela madrugada da cidade
Só os poetas conseguem furtar o canto do bicho-da-seda
E guardá-lo para alguém, sob a forma de uma rosa
O poeta brilha dentro dos olhos do gato pela noite
O poeta é da mesma cor da sinfonia da terra
Poeta são dois sonhos que se encontram num sonho maior
Segredos libertados como poalha fosforescente das crinas do cavalo
Um poeta é o filho pródigo das paisagens, a língua morna do tempo
Um poeta é a frágil porcelana de um sorriso.

Ser poeta é saber morrer quando é preciso.


Pedro Vieira Magalhães

in livro "Imaginários Corvos de Sangue", página 45, edições Edita-me, Porto, 2011. 


Nu da palavra

Amarrado singelo
Despido na plataforma
Desguarnecido da eloquência

Desembainhado no nó
Tosco no melindre
E na nudez da envolvência

Detido a descoberto
Não disfarçado de nada
Patente de toda a proveniência

Apreendido só
Da metáfora desprovido
Destituído de qualquer saliência

Preso na desprotecção
E de toda a alienação
No sentido da conveniência

Algemado ao pó
Da escrita não vestido
A cumprir rude penitência


António MR Martins

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

"neste rio do país das águas"


Invento-te
nas promessas flagrantes do deserto
entre oásis inquietos
lavrados por sumptuosos rios
tranquilos
de desejo.

Na plenitude animal do meu interior
orvalho o teu corpo
de carícias.

As mãos desbravam a fome
e as trevas,
onde a água verte em desespero.

Alvaro Giesta

Mas nunca a subjugação

No apêndice da decência
Seja qual for seu timbre
Ou toda a absorção
Jamais as palavras ofendem
Sendo ditas pela verdade
Ou na razão que se tenha
Mesmo sendo diferente
Daquela de quem ouve
E nesse possível desacordo
Deve assumir-se a contenção
Para não gerar confusão
Em cada discordar de ideias

Mas nunca a subjugação

António MR Martins

domingo, 19 de fevereiro de 2012

O meu livro "Águas de Ternura", a ser lido em Valongo


Maria Laurinda, uma amiga da Profª. Maria Alexandra Garcez (que adquiriu o livro), lendo
"Águas de Ternura", no Salão de Chá do Continente, em Valongo.

Foto por obséquio da Profª. Maria Alexandra Mendonça Garcez. 

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O MENSAGEIRO - EL MENSAJERO


As rugas do teu rosto são as linhas
visíveis da mensagem
lê-se em cada linha
as ruínas da vitória

Com sandálias molhadas pelos rios
com os pés febris, vens de longe
com os olhos, como espelhos
da mensagem

e tocas outras distâncias com o olhar
o coração desocupado, só
a mensagem que carregas
de Maratona é o que importa

Chegas ao teu reino e a tua calma
virá depois da morte.

* Versão portuguesa.

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Las arrugas de tu rostro son las líneas
visibles del mensaje
se lee en cada línea
las ruinas de la victoria

Con sandalias mojadas por los ríos
con los pies febriles, vienes de lejos
con los ojos, como espejos
del mensaje

y tocas otras distancias com el mirar
el corazón desocupado, sólo
el mensaje que traes
de Maratón es lo que importa

Llegas a tu reino y tu sosiego
vendrá tras la muerte.

* Versão castelhana.

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J. T. Parreira

in livro "Encomenda a Stravinsky" - "Encomienda a Stravinsky", págs. 32 e 33, edições El Taller del Poeta S. L., Fernando Luis Pérez Poza, Pontevedra (Espanha), 2011.

Dito e feito ou simples impertinência


Ao calar da noite fria
Se encolhe o rubor
Num aperto consensual

No leito condicional
Onde se aquecem os corpos
Que permanecem
Sujeitos à espera
Da artimanha de novos condimentos
No ecoar de outras vozes

Eis o regresso
Onde os pensamentos
Questionam as mentes

No calor adquirido
E no mútuo emanar
A dimensão de um retorno

O dos sentidos ao rubro
Sem quantificações

Por esse caminhar não estéril
Resulta o apogeu
Da consumação da espécie

António MR Martins

imagem da net

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Apresentação dos livros "Máscara da Luz", de António MR Martins e "Memória das Cidades", de Vítor Cintra, em Guimarães, no Tribunal da Relação, dia 16 de Fevereiro de 2012, pelas 16H30

Caros amigos,

A convite do Presidente do Tribunal da Relação de Guimarães, Dr. António Ribeiro, vimos, deste modo, solicitar-vos o prazer da vossa companhia na sessão de apresentação dos livros “Máscara da Luz”, de António MR Martins e “Memória das Cidades”, de Vítor Cintra, a ter lugar no respectivo Tribunal, Sala de Audiências, sito no Largo João Franco, 248, em Guimarães, no âmbito das festividades de "Guimarães Capital Europeia da Cultura 2012", no próximo dia 16 de Fevereiro, pelas 16H30.

Obras e autores serão apresentados pelo Dr. António Ribeiro e pelo escritor José Ilídio Torres, respectivamente.

Aguardamos a vossa presença nesta salutar sessão de empatia com a palavra e com a poesia.
Tragam mais amigos convosco, todos serão bem vindos.

Agradecemos.

Nosso abraço

António MR Martins e Vítor Cintra


Poeta, minha Poeta!


Tua poesia é um jardim
que me encanta e invade minha alma
e de teu coração saltam palavras
de tua alma vêm flores
com um aroma especial
de grande carinho e amor,
que eu abraço
e meu coração pulsa
como coração poeta
provocando em mim
poemas e mais poemas,
para a Poeta e a Mulher,
que já vivem em meu corpo e alma
e serão momentos de intenso amor
por ti querido, sentido
e por mim desejado
num tempo que é o nosso “mundo”
sonhado, prometido
e agora concretizado!

José Manuel Brazão

* Quando vejo neste “mundo poético” grandes talentos retirarem-se desta vida activa fico triste muito triste e sinto um vazio na minha alma de poeta! *

A utopia do teu existir


Há um traje domingueiro
nas vestes que te adornam,
nesse traço tão ligeiro
que tantas visões afloram.

A quem te visse menina
saltitando campos fora,
te guardaria na retina
desde então até agora.

Ai cachopa, tua alegria
sutura feridas antigas,
teu sorriso é fantasia
princesa das raparigas.

Emerge assim a virtude
no despoletar sensações,
questionando a saúde
pelo bater dos corações.

Teu carisma prevalece
no decurso de cada dia,
desde que tal amanhece
até à noite mais sombria.

Tantos te adoram assim,
graciosa no belo ser
e eu tenho cá para mim:
- Ainda estás por nascer!

São as miragens de sempre
da utopia e da negação,
olhares de tanta gente
quando têm tudo à mão.

António MR Martins

imagem da net

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

VÉNUS ANTIGA


Chamaram-te Vénus
não se percebe por que razão.

O teu rosto é de terra
e dos seios pesados que acaricio
emana o eflúvio esmaecido
das águas de mosto onde vegeta a vida.

Toco-te o ventre
iluminado por tantas promessas
e o teu som é cavo e mudo
como a seiva invadindo as árvores

Mas os homens
lançam sem cessar teu nome escuro
à chama do desejo:
acreditam talvez que,
por fim,
não tenham de regressar
ao útero matricial
que coroa a tua escultura silenciosa

Sara Timóteo

Entre o calor e o frio

No descobrir da tua pele
já nada se tem por igual,
neste âmago que repele
teu caminhar acidental.

Tuas mãos junto às minhas
em afago bem evidente,
a melhor das mezinhas
com efeito previdente.

Neste trilho relevante
donde esqueço moradas,
fica um olhar penetrante
entre as faces rosadas.

São pedaços supremos
num cortejar tão saliente,
pelo gotejar fiquemos
num sentido muito quente.

Tudo por aí se demora
rolando ou saltitando
e por esses tempos fora
felizes vamos andando.

Neste frio que tanto fere
sosseguemos na caminha,
quando o calor confere
retiramos a roupinha.

São gestos de influência
que nos levam a palpitar,
enredos de apetência
e outros de simples sonhar.

São mosaicos desta vida
onde se pintam paisagens,
de uma tela proibida
ou em laivos de miragens.

António MR Martins

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Portugal


Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.

E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:

Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.

Miguel Torga, in 'Diário X'

Efeitos e sentidos do amor

Entre a luz
E o brilho intenso
Há a diferença da cor
E da luminosidade

Aquela que vemos
E a que não conseguimos ver

Tal como na paixão
E no amor
Há a diferença da dor
E da intensidade

Aquela que é intensa
E a que não o sendo
Nos fica para sempre
Apensa

Como tudo o que não temos
Mas que sempre sentimos nosso

Tão nosso como esse tudo

Ou o nada
Que tudo representa


António MR Martins