quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Vítor Cintra





GERMANELO

No topo da colina dominante,
Erguido sobre o rio Rabaçal,
Teus muros, ameados, um garante
De quem ia em labuta para o vale.

Não mais que sentinela vigilante
De quem passava rumo a Ansião
Não sendo, embora, grande ou importante,
Cumpriste, defendendo a região.

Deserto de habitantes, na conquista,
O rei, dando perdão, te povoou
Com quem em Germanelo se acoitou.

Na Crónica dos Godos se regista
Que a linha de defesa do Mondego
Deixou, em todo o reino, mais sossego.

Vítor Cintra, in “Ruínas da História”, página 47, edições Lua de Marfim, Setembro de 2015.

Versos meus


Imagem da net, em: www.oprevisor.blogspot.com



Ai versos meus…
que palpitam a chegada
no ousio da imperfeição,
por entre a perspicaz escalada
do verso para a última canção.

Ai meus versos…
são caules vertiginosos
ougando as mais doiradas parras
e em conceitos espalhafatosos
desfazem todas as amarras.

Ai versos meus…
quejandas satíricas partidas
em inesperadas suaves quezílias,
preceitos de todas as guaridas
aroma das mais variadas tílias.

Ai meus versos…
expressivos incomuns destinos
definições totalmente desfeitas,
comprometimentos versus desatinos
bonança para todas as colheitas!...

 
António MR Martins

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Susana Campos





Junta-te a mim

Segue os meus passos,
Levar-te-ei ao meu imaginário.
Junto da areia, fazemos o castelo da muralha da vida.
Seguimos pelo mar,
Na espuma assentaremos as nossas emoções,
As ondas serão o nosso prazer,
Os salpicos as nossas ilusões!
Passearemos pelo sol até a lua nos sentir,
As ondas continuarão,
E tu repousarás na nuvem,
Do tempo infinito que criei somente para ti,
Sem parar…
De sentir…

Susana Campos, in “Lua Azul”, página 15, edições Temas Originais, 2011.

Sem nada nas mãos


Imagem da net, em: www.hpdeus.blogspot.com



Esta razão que não tenho
Pedaço de vida perdido

Esta raiz do medo
Entre um coração dorido

Asfalto da compensação
Desta via sem destino

Percurso de tantos abraços
De mentes sem ter tino

Este aperto me consome
Na pele em que transpiro
Este sentir que em mim dorme
Pelo ar que aqui respiro

Sei de ti tanto e tão pouco
Nas sobras deste lamento

Um olhar que se transforme
Alimento sem condimento

Neste adeus logo à chegada
Pela partida se consomou

Frágil sentido da vida
Que tudo aqui deixou

 
António MR Martins

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

a última decisão


Foto de Dominique Faget (AFP), retirada da net.



há uma conflitualidade absoluta
entre as díspares opções e a decisão a tomar

o temor enreda a envolvência
e o cerne de todas as questões
por entre tantas avaliações subsequentes

o futuro é interrogatório
e desalinhadamente alinhado

a cada segundo nova notícia
novo modo de agir
nova perturbação
e a unanimidade é escassa

evidencia-se a causa
mas os conceitos são múltiplos
perante tanto bracejar opinativo

a bala circunda o alvo
fere o âmago de tanta gente

mas de outra gente
sem culpa alguma
a vida é ferida até à morte

o desespero sucumbe num autêntico ricochete
e o barulho dos disparos
traz uma momentânea surdez
esfolando todos os pensamentos
e as memórias inerentes a tanto despropósito

a dor surpreende de forma tão vil e rude

e ao virar da esquina
tudo poderá voltar a acontecer
inesperadamente

o terror está instalado num receio sem limites
aguardando-se pela última decisão

António MR Martins





 

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

João Carlos Esteves






A PORTA

Ao ser fechada
a porta lançou um queixume
lancinante
como se soubesse intimamente
que nunca mais iria abrir
encerrando
atrás de si
todas as vidas prometidas
todas as cores do amanhã
todas as luzes por acender
todas as lágrimas por verter

O silêncio conquistou o espaço
outrora ocupado
pela porta aberta

Os lamentos propagam-se no vácuo
mudos
sem existência

João Carlos Esteves, in “Gotas de Silêncio”, página 64, edições temas Originais, 2011.

Saudades do Alentejo


Algures no Alentejo, entre Alandroal e Terena. Foto de António MR Martins



lento
o mover dos ramos
da oliveira

lento
o caminhar nas manhãs
e tardes soalheiras

lenta
a sombra estendida
da azinheira

lento
o crescer da cortiça
nos sobreiros

lento
o findar dos dias
nos meses de verão

lento
o cante na voz
de seus cantadores

lento
o trabalho no campo
e duro na sua concretização

lento
o degustar da tua gastronomia
de paladares únicos

lento
o saborear do teu vinho
cheiro de raiz

lentas
as conversas entre teus pares
nos teus lugares mais típicos

lento
o intenso abraço
das tuas gentes

lenta
a amizade que vem de ti
que sentidamente se alicerça

lento
é o teu sofrer
até se agudizar o padecer

lenta
é a excelente harmonia
enquanto a amizade se fortalece

lento
o visionar da tua paisagem
que dura e perdura na lembrança

é assim o Alentejo

tenho saudades de ti

 
António MR Martins

segunda-feira, 16 de novembro de 2015

Edgardo Xavier





Opostos

Amamo-nos como iguais
No desalinho das auroras
Na sorte uivada da posse apetecida
Boca
Corpo
Sexo
Vida
E esta vontade de ser
No teu sangue
Só o fogo que me queima.

Edgardo Xavier, in “Corpo de Abrigo”, página 15, edições Temas Originais, 2011.

Sessenta e seis


Imagem da net, em: www.penacovaactual.com



Uma porta entreaberta
a entrada e um cumprimento…
a apresentação e a indicação de dados,
com o cartão sobre a mesa
e a certeza de estar na hora certa.

Questionário a responder…
surgindo as respostas em base estruturada
e no seu complementar
a chave para a entrada no gabinete médico.

Depois a palavra da médica
e o respectivo retorquir:
- Sim!…
tenho-me sentido bem!...

Mede-se a hemoglobina,
verifica-se a tensão
e se o peso está em conformidade,
sigo, depois, para a sala onde se procede
à extracção do sangue.

Recebem-me com um sorriso…
sente-se por favor!...
Já tomou o pequeno-almoço?
Quer tirar do braço esquerdo
ou no direito?
Tanto faz,
mas foi do esquerdo, desta vez.

Foi a minha sexagésima sexta dádiva de sangue,
como simples dador benévolo.

Depois disso…
uma força enorme dentro de mim
e uma razão única
para o esplendor da felicidade.

 
António MR Martins

domingo, 8 de novembro de 2015

Donzília Martins





O tempo

Como um rio, ele corre veloz
Para a foz.
Agora mais calmo, vai sem tropelias
Sem vencer montanhas! Débeis agonias!
De vez em quando para, espraia-se em delta
De braço dado à vida! Enlaçado no mesmo fio
Saudoso, olha para trás
Beijando amoroso a estrada do rio.
Porém, como a vida em desafio,
No mesmo laço, num terno abraço se volta a unir.
Assim caudaloso aperta-lhe a mão
Para em união jamais se partir.
Depois, inconsciente
Recorre à nascente
Numa telha de água
Ou fonte ao luar.
E, no cais da partida, de olhos fechados
Já limpo e sem mágoa
Vai espraiar-se no meio do mar.

26/08/04

Donzília Martins, in “Espólio de Saudade”, página 109, edições Lugar da Palavra Editora, Julho de 2015.

sinal de um ímpar driblar


Imagem da net, em: www.sportv.globo.com



é nesta aperreação
a que resiste
a última manobra de cada imo
suportando o revês
e a tenaz do confronto fedorento
por um tal vil estratagema

ante a simples derriça da palavra
tida por vã
que expelida contra a pedra dura
quiçá se transformou
em persistente água
e da mesma forma metafórica
tudo e tanto se foi ludibriando

perante a total  impavidez
a um potente drible de consciências

 
António MR Martins  

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Colisão



Resta-me permanecer
neste porto em que me abrigo,
para onde
sempre debruçaste
o teu subreptício olhar!...

Passará o tempo…
um outro qualquer barco
aqui ancorará
e trará de ti breves notícias.

O tempo será mensageiro
desse confronto!...


 
 
 
António MR Martins