quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Henrique Pedro


Henrique Pedro, imagem da net.





XXV

Arroubos místicos

Muitas vezes me dá para tal
e não é só à hora do crepúsculo

É quando menos espero

Dá-me para me abstrair de tudo
tudo misturando num estranho afecto
envolvente de profunda paixão interior
numa só ideia global sem sombra de mal
que mistura eterno e infinito
verdade e santidade

É uma ânsia interior de explodir em amor
uma imparável vontade de bem fazer
um desejo de me libertar
de ser do tamanho do Universo
e
no reverso
humilde e pequenino
como letrinha verso

São arroubos místicos
que não emanam da terra
nem dimanam do céu

Brotam dentro de mim
e são aquilo que sou

Henrique Pedro, in “Anamnesis”, páginas 69 e 70, edições (Henrique Pedro (prosa y poesia), Janeiro de 2016.  

terça-feira, 29 de janeiro de 2019

palidez mórbida


Imagem da net.




onde deslizam
os afazeres
das vozes incompreendidas
se expõem
as fragilidades das massas comuns
que enveredam
pelo facilitismo nefasto.

a firmeza está arredia
de todas as atitudes
e a verdade
desfaz-se a cada encruzilhada armadilhada.

não há força restante
para tentar
a imposição de um diferente ritmo.

a apatia descrente
e a estabilidade comodista
são estratagemas presentes
enraizados
a cada passar de um tempo novo.

a casuística
torna-se avidamente
incongruente.

António MR Martins

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Carla Furtado Ribeiro


Carla Furtado Ribeiro, imagem da net.




FOSSES UMA DESERTA PRAIA

Fosses uma deserta praia ou uma terra nua
Ou um lago esquecido, uma face da lua
A menos iluminada, a mais crua
Ainda assim, ainda assim…

Fosses um fogo apagado, uma noite fria
Uma pedra disforme, um abismo
Uma lança, uma espada ou uma arma disparada
Ao vazio do céu, à máscara da vida
Ainda assim, ainda assim…

Te tomaria ao nevoeiro da noite, à bruma do dia
E num esgar do tempo ou num recanto
Ainda que imperfeito de harmonia
Eu te amaria, eu te amaria, eu te amaria…

Carla Furtado Ribeiro, in “[Em Silêncio]”, página 36, edições Chiado Editora, Agosto, 2013.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

Simulada sagração


Imagem na net.




As pétalas à tona do teu rio
viajam com aromas de maresia,
num desencadear em corrupio
de mistérios, fulgor e fantasia.

Sobram-te sentidos tão relaxantes
em majestosos acordes tocados,
num mundo de cavaleiros andantes
com tantos destinos desencontrados.

Esse teu rio caminha para um mar
em percursos de intenso desbravar,
catarse dum poema maltratado.

Na água profunda e escura
se reflectem as imagens-bravura
na chegada ao destino traçado.

António MR Martins

Joaquim Pessoa


Joaquim Pessoa, imagem da net.





[A vida está assim]

A vida está assim: por telha aberta
chove o sangue em cima do calçado
fazendo o coração ficar alerta
não vá o mar chegar ao empedrado.

Adormecer num banco de jardim.
Sonhar coisas fugazes e ternas
deixando que alguns ratos de cetim
me subam às varizes pelas pernas.

O tempo (esse animal) sofre de anginas
e já não há sequer zaragatoas,
overdoses, sprays, penicilinas

que troquem coisas más por coisas boas
tal como não se inventam as vacinas
contra o sorrateirismo das pessoas.

Joaquim Pessoa, in “Sonetos Preversos”, página 59, edições Litexa Portugal, 1984.  

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Prelúdio sensual


Imagem da net.





(em rima Jotabé)

Cercas teu corpo quente de amoras,
nesta espera em que te demoras.

Com requinte te perfumas de rosas
trocando todos os versos por prosas,
compondo atitudes melindrosas
incólumes de nuances airosas.

Perante tantos gestos teus, sem nexo,
descobres invulgarmente teu sexo.

Neste anseio vão te enamoras
e num sentido amplo te entrosas
em desígnio vil e desconexo.

António MR Martins

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Ana Paula Lavado


Ana Paula Lavado, imagem da net.





TEMPO

Já não tenho tempo para frustrações
Nem para me torturar com questões
De somenos conveniência.
De ouvir vozes desumanas
Frases feitas de gentes tiranas
Falsos pudores e falsa decência.

De tudo, prefiro ser louca
E deixar que a vida pouca
Me possa tranquilizar a mente.
Até que um dia a sorte
Me leve de encontro à morte
E eu morra serenamente!

Ana Paula Lavado, in “Mentes Perversas e outras conversas”, página 58, edições Edium Editores.

Lúdica reflexologia


Imagem da net.




Abordam-me as terapias
do conhecimento sensorial
num apelo
ao manuseamento infinito.


Os pés saltitam
nos seus trejeitos inconformados
perante a ávida lucidez
das mestras-mãos galopantes.

À medida de cada modelação
as palavras comportam o intimismo
e os ombros de forma desmedida
encolhem-se taciturnos
ao fundo de cada vértice benfeitor.

Tremem as pernas levemente
e a circulação desavinda
instala-se de modo escorreito
numa suavidade moderada.

Já a cabeça não armazena
a pensante areia poeirenta,
filtrando a efervescência
rumo à acalmia constante
e o corpo adormece
serenamente,
conquanto os óleos da esperança
apaziguam todos os conceitos
com a sua pujante essência,
infiltrando-se moderadamente,
num pronuncio eficaz,
por todos os poros submissos.

Finalmente a inesperada leveza
no mais profundo dos sentires.   

António MR Martins