terça-feira, 30 de julho de 2013

Isabel Rosete




Inquietude

 
A angústia do Amor irrequieta-me.
Sofro pelos amores-vividos,
Pelos ainda não-vividos,
Pelos que gostaria de viver.

Quero-os e rejeito-os,
Num só e mesmo instante
De plena inquietude existencial
Que me enleva a Alma,
Atormentada,
Vagueante pelos atalhos
Por onde não vou.

 
Isabel Rosete, in “Entre-Corpos”, página 59, Edições Ecopy, Porto, Outubro de 2011.

Viriato II - Ilações durante o banquete


Imagem da net.


Tudo à volta de Viriato luzia de plena riqueza
entre prata e ouro e uma enorme quantidade de tecidos especiais
imagem a que não ligava
mas certamente desconfiava de tanta abundância
apesar de não o demonstrar pela admiração
somente o olhar de desdém era visível a todos os presentes

Viriato negou-se a sentar àquela mesa abastada
pelo matrimónio que se comemorava
apenas retirou pão e carne suficientes para dar de comer a seus homens
dando ordem para que a noiva entrasse
desfrutando daquele ambiente festivo
por breves momentos

Pouco tempo depois
e após ter feito os habituais rituais Iberos
e os sacrifícios inerentes
aos deuses
indícios de um evento daquele calibre
sentou a noiva na sua égua
e partiu para a montanha onde havia estipulado o seu lar
num ambiente em que se sentia liberto daqueles preceitos

Para Viriato a autarcia era a maior riqueza
e a liberdade a sua pátria
sendo toda a fama conquistada pela sua valentia e pundonor
o bem mais seguro de todos quantos existiam

 
António MR Martins

domingo, 28 de julho de 2013

Vera Sousa Silva




Tempo acabado de um poeta

 
O tempo come-te a carne
e vomita flores perfumadas,
selvaticamente.

Ardem os livros
no inferno da Palavra
e o gosto a mel
percorre-te a língua, ávida.

Queixumes e lágrimas
acordam o Poema sagrado,
que desfaz a iliteracia
e aplaude o Poeta
compassivo do tempo
que come carne
e vomita flores.

Vera Sousa Silva, in ”Bipolaridades”, página 46, edições Lua de Marfim, Póvoa de Santa Iria, Maio de 2012.

Livre solidão




Caído
Sobre a mesa
O chão

O piso
Que não conheces
E tentas desvendar

Mas não sabes como fazê-lo
Não entendes sua composição

Não te queiras enganar

Lá fora
Também há um solo

Uma terra assente
No pressuposto da negação

Por lá
Tudo é mais feroz
Pelo menos
Altera-se a voz

Lá fora
É outro polo

Não o queiras deslindar

E a mesa
É bem diferente
Com muita gente

Uma outra
Sofreguidão
Até à exaustão

Peço-te
Para permaneceres
Nesta solidão

Neste chão
À nossa mesa

Aqui podes prevaricar

 
António MR Martins

sábado, 27 de julho de 2013

Joaquim do Carmo





MENSAGEM AO MEU AMOR

 
Meus olhos, voando, andaram
Com o Sol, para poente
Apagando-se, contente,
Da luz que os teus lhe roubaram.

No céu, com aves cantaram,
Na terra, foram semente,
Só não cuidaram de gente
Que, só de te ver, cuidaram!

Foram dizer-te o que sente
Meu coração e voltaram
Sem o sol – foi meu presente!

Com ele, o calor deixaram
Do meu peito. E, novamente
Ausentes, tristes ficaram!

Joaquim do Carmo, in “Amanhecer pelo fim da tarde”, página 36, edições Lua de Marfim, Póvoa de Santa Iria, Abril de 2013.

Viriato I - Retrato de Viriato


Imagem da net, em: www.paulocesarnunes.com


Reunindo um forte grupo de salteadores
com sua exímia liderança
em que todas as vitórias salpicadas de bravura
tiveram a grande alma e a compleição física
como apanágio demolidor
numa delas o general romano Vetílio feneceu

Era badalado pelos montes
pela sua persistência e valor
autêntica chaga dos romanos e talismã de outro povo
mesmo usufruindo de parca alimentação
a valentia e tenacidade eram suas
que não recorrendo a favores
dos Lusitanos mostrava a pujança

Depois veio um enredo difamador
após um contrato estabelecido com Fábio Máximo
que Cepião não respeitou
engendrando cáustica armadilha

O símbolo maior do povo Lusitano
viu-se envolto numa artimanha sem preconceitos
onde os desacatos passaram a ser elevados
levando-o a afundar-se numa traição sem paralelo
num ultimato onde tudo se perdeu

 
António MR Martins

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Gonçalo Lobo Pinheiro




O nosso vinho

 
Traz-me um copo de vidro fosco,
Como aquele onde bebi, em tua casa.
Entorna nele o vinho que bebemos juntos.
Saboreia, mastiga, absorve.
Envolve a minha pele nesse aroma afrutado.
Torna-me alcoólico, encorpado.
Sei que contigo sou veludo puro,
De cor rubi, sangue vivo,
Quente, maduro, persistente.
A tua casta difere-te.
Cabernet Sauvignon, Aragonês, Trincadeira,
Touriga Nacional, Syrah ou Merlot.
Que importa?
És como o nosso vinho.
Deixas-me tranquilo, fermentado neste corpo,
Suave, intenso, de textura macia.
Chambreia-me com o teu calor.
Torna-me quente, meu amor.

Gonçalo Lobo Pinheiro, in “Sofá das Ilusões”, página 46, edições Temas Originais, Coimbra, 2011.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Fado da vida


Imagem na net, em: angel-back-again.blogspot.com
 


Não me olhes dessa forma amor
por entre a esguelha e o soslaio,
por muito que tal faça sentir dor
nunca serei de ti simples lacaio.

Olha-me, de frente, olhos nos olhos
para que deles possa ver o brilho,
lhes suprirei todos os escolhos
filtrando assim cada sarilho.

Tudo se quer em inteira verdade
e com tempero do salutar amor,
seguindo, unidos, lado a lado.

Cumprindo-se tudo com lealdade
supriremos, uma a uma, cada dor
reinventando, sempre, cada fado.

 
António MR Martins

Luís Ferreira




Raiz do amor

Hoje sim…
Digo que te amo
Dissolvendo todas as lágrimas,
Que rasgam os timbres da emoção.
As palavras,
Impelindo as flores,
No crepúsculo dos sonhos
Que perfumam os teus olhos.
Hoje sim…
Moldamos orgasmos,
Fazendo crescer em nós
Todas as raízes do amor.

Luís Ferreira, in “O céu também tem degraus”, página 40, edições Esfera do Caos, Lisboa, Julho de 2011.

Acatando



Acatei o teu desejo
mesmo pensado por nós,
que permitiu o ensejo
de poder ouvir tua voz.

Acatei tantas presenças
algumas delas daninhas,
esquecendo desavenças
entre caminhos e linhas.

Acatei no teu olhar
um síndrome dos mais belos…
metáfora do despertar
alheado de chinelos.

Acatei esse sorriso
frescura pelas manhãs,
aconchego que preciso
entre camas e divãs.

Acatei no tempo fora
as raízes do teu ser
na auréola que decora
fascículos do meu viver.

Acatei sonhos passados
e tantos outros vividos…
felizes, embriagados
ou tristes e sofridos.

Acatei a saliência
da tua moldura única,
apogeu da evidência
tapado pela túnica.

Acatei o acatado
no recato ou esplendor,
desse ser assombrado
pelo meu simples amor.

 
António MR Martins

quarta-feira, 24 de julho de 2013

3 poemas de Xavier Zarco…





8

É em redor da mesa que os afectos
regressam e se sentam
descendo das paredes dos móveis
das palavras guardadas pela casa
na cadeira vazia que os aguarda

13

Quando te vejo sei daqueles versos
com que  o ary dos santos vestiu a
voz de simone sei que quem faz um
filho da mãe como tu fá-lo por gosto
mãe que hoje sem saberes me adormeces

14

O eugénio de andrade fez do olhar
na fuga uma ave
mas uma ave que se entrega
em cada signo revelado
entre as mãos da criança que se espanta

Xavier Zarco, in “Dizer do Pó”, Prémio de Poesia do XII Concurso Literário “Manuel Maria Barbosa du Bocage”, LASA, 2010.

domingo, 14 de julho de 2013

o sentido das coisas





"Cerejais Power!!!", perto de Alfândega da Fé, Bragança,
por Gonçalo Lobo Pinheiro (telemóvel).


as aves voam-me sobre a cabeça
num céu sem limites
até onde o verde dos campos
quase toca o azul do mar

voam em círculos planantes
na loucura do tempo morto
enquanto as cigarras atropelam
o silêncio
no rouco zumbido de suas vozes
envolvido
pelo destempero de suas asas

há um sentido para tudo
nos caminhos da natureza
onde o ar nos embriaga
e nos auxilia a sorrir

entre o sol e a lua
ficam as árvores do sossego

muitas delas

a casa de cada um de nós

 
António MR Martins

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Palavras Apaladadas – X Conceição Bernardino




Liberdade corrupta

Dou-me ao riso das marionetas
e às carcaças das tartarugas,
sem medo de chuva oblíqua
que permeia o meu corpo solitário.

Deixo a porta aberta.
A algazarra das crianças que brincam na rua
humaniza-me a esperança de outras
que morrem de pistola na mão,
e o pião roda, roda, roda…
o fio queima o olhar
das que fazem tapetes
sem sol, sem noite, sem hora.

Não me acordes amanhã
e se por acaso eu acordar
mente-me, diz que O’Neill
ainda está vivo.

 
Conceição Bernardino

In livro “identidades”, página 22, edições lavra… Boletim de Poesia, Vila Nova de Gaia 2013.

 
Sobre o livro:

Conceição Bernardino “uma” dos melhores autores de poesia de índole social (para mim), sem receios, sem demarcações como que “agarrando o toiro pelos cornos” (como sói dizer-se), sempre, assume nesta obra esse desiderato da melhor forma ou seja, superiorizando-se ao que dela já conheço editado, num grito a plenos pulmões com excelente poesia lado a lado. Estas “identidades” em que se faz acompanhar de seus pseudónimos, com a sensualidade, o amor, o erotismo abrilhantados pela sagacidade de Carlos Val e os mais variados sentires: filosofados, interrogados, acentuados, constatados, fraternizados, respeitados, odiados, amados, ventilados em múltiplos retalhos apresentados em curtas prosas pela sua outra identidade: Mathilde Gonzalez. Este é sem dúvida um livro que recomendo e urge ler sem preconceitos.

O endereço de Conceição Bernardino no facebook:
https://www.facebook.com/conceicao.bernardino?fref=ts

O endereço de Carlos Val no facebook:
https://www.facebook.com/groups/amigos.carlos.val/?fref=ts

O endereço de Mathilde Gonzalez no facebook:
https://www.facebook.com/mathildegonzalezz?fref=ts

 
António MR Martins

terça-feira, 2 de julho de 2013

Do perto ao distante


A partir do Castelo de Quioto, no Japão, por Gonçalo Lobo Pinheiro.


Há um horizonte de ansia
Onde desesperam os condimentos
Uma saudade premente
Repleta de melodias e sons inquietantes

Há um sentido único
Na distância que nos separa
E dois corações que batem por essa saudade
Num atropelo de sensações
E lembranças
Que nos tornam tão pequenos e grandes
De um momento para o outro
E vice-versa

Há uma claridade tamanha
Que limpa a escuridão de um tempo perdido
E vivencia o ganho noutras labutas
Entre tantos sonhos e realidades
De muitas jornadas testemunhadas
Pelas palavras proferidas pelo vento
E onde os pássaros escutam humildes anseios
Cantando-os para consolo da natureza

Há um despertar que vislumbro
Do topo deste castelo
E o alcance do meu olhar
Inunda o horizonte à minha frente
De um vício incontido
Preenchido duma enorme esperança

Eu
Aqui deste lado
Espero ansioso
Crente
E saudoso
Que tudo isso aconteça

 
António MR Martins

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Palavras Apaladadas – IX Emanuel Lomelino




GASTÃO CRUZ

Diz-me em que escarpa ou falésia
está sepultado o pai da poesia
e se as pedras que o cobrem
são xisto leve ou basalto pesado.
Revela-me em que penhasco
posso ver a génese dos poemas
que o tempo iletrado corroeu
e a nossa memória não enxerga.
Conta-me os segredos da verve
ou inicia-me no uso do estro
antes que o equinócio negro
resolva cancelar-me os sentidos.

 
Emanuel Lomelino

In livro “Poetas que Sou”, página 54, edições Lua de Marfim, Póvoa de Santa Iria, Janeiro 2013.

Sobre o livro:

Emanuel Lomelino há muito perdeu a denominação de principiante das palavras, como ele estabeleceu em suas obras anteriores, entre um aprendiz e um amador, embora se estabeleça sempre em aprendizagem, aliás como deverá ser com cada um de nós. Nesse contexto vamos aprendendo, sempre, e tal deveremos assumir. Mas o Emanuel Lomelino nesse continuado aglutinar de conhecimento e nesse interiorizar de outras escritas tem aprendido sobremaneira e está chegado o momento de com ele começarmos a aprender, também. A sua escrita, hoje, alcandora-se a patamares de elevada criação e a sua poética é cada vez mais valorosa e perspicaz. E nesse estatuto quis o poeta identificar-se com os poetas que a ele foram fazendo crescer entre as palavras e homenageá-los com este grandioso livro de poesia “Poetas que Sou”. Este é um significativo marco no seu percurso ascendente, que se presume terá muitas etapas valorosas, de um promissor e exemplar crescimento. Aconselho-vos a lerem esta obra, mas não só: Leiam Emanuel Lomelino!

Endereço da sua página no facebook:
https://www.facebook.com/emanuel.lomelino?fref=ts

Outros lugares das suas palavras:
http://tocaafalardisso.blogspot.pt/
http://amadordoverso.blogspot.pt/

 
António MR Martins

Ao meu país




Que se ganhe a bandeira
aquela que sempre foi nossa
com o que vem de nós
e veio de nossos avós
numa labuta diária
com plena devoção
e contra quem te faz mal
saibamos dizer não

Que se grite bem alto
na voz que vem de nós
nesse sentido supremo
grito de nossos avós
na união de um povo
germinado nesta tez
garantia dum país novo
neste sangue português

 
António MR Martins