domingo, 30 de março de 2014

Diogo Godinho






Quadro à beira-mar

 
Vi o oceano no horizonte, o teu olhar
omnipresente. A maresia mostrava-me
os teus olhos ondulando,
uma mulher de luto nas mãos
um homem de braços enlutados
rostos e vultos à deriva
uma embarcação no mar, naufragada.
Pensei-te neste quadro
em tons negro e vermelho.
Elucidaste-me a razão, a busca
da verdade onde te presenteio.

 
Diogo Godinho, in “Estação Terminal”, página 30, edições Temas Originais, Coimbra, 2011.






O verso de ti


Imagem da net, em: www.pt.dreamstime.com


Se espraia de ti a noite decorada
nessa nudez inquietante e desejosa,
em veios duma doçura embriagada,
empolgante e sadicamente majestosa.

Teus lábios sequiosos quase tudo comportam
e teus tímpanos acolhem o silêncio da voz,
trauteando em ritmos que não abortam
a corrida do teu ínfimo rio para a foz.

Sulcas a montanha do entendimento,
aspiras à globalidade do universo
e omites negações do esquecimento.

Ruborizas a cada gesto desconexo
no palpitar de cada sensual fragmento,
onde aguardas que de ti se escreva o verso.

 
António MR Martins

sexta-feira, 28 de março de 2014

Emanuel Lomelino





O DIA MAIS FELIZ

O dia mais feliz para um poeta
não é quando o poema nasce;
as dores de parto são imensas
e ao sofrê-las tão intensamente
o poeta questiona-se,
coloca-se em dúvida,
recrimina-se e quer desistir.
O dia mais feliz para um poeta
é aquele em que vê orgulhoso
a sua poesia vestida para sair.

Emanuel Lomelino, in “Novo Respirar”, página 34 (Primeira parte), edições Lua de Marfim, Março de 2014.

Por onde anda o poema


Caminhos - Acrílico 1,00 x 1,20, de Sara Livramento.



Sentidos versos, onda de ternura,
escritos pela inspiração do autor,
nos relatos de tanta ventura
entre tristeza, alegria e dor.

Oportuna razão do pensamento
desmascarada de forma singela,
correndo risco de deslumbramento
dum simples olhar pra lá da janela.

E o poema surge docemente
pelo estio ou no rígido inverno,
genial, ágil e consequente.

Saído de entre o céu ou inferno,
áspero, doce, amargo ou prudente,
do ódio rude ao amor eterno.

 
António MR Martins

sexta-feira, 21 de março de 2014

Poesia é vida, alimento e cor





Há um qualquer poeta em mim
e outro mais, em ti também,
mais um outro que é assim…
um poeta de mais alguém!...

A poesia é encanto
vigília compensação,
é versátil e espanto
em generosa sedução,
é rigor tão liberal
contexto e elevação,
dissertar sem ter igual
é terapia e emoção.

Tantos poetas houveram,
tantos há e mais haverão,
tantos nos permaneceram
tantos são inspiração.

Camões que nos descreve
Pessoa que nos ultrapassa
Eugénio que nos harmoniza
O’Neill que nos percebe
Régio que nos devassa
Gedeão que nos imortaliza
Adolfo que nos antecede
Florbela que nos desfaça
Afonso que nos giza
Bocage que nos enxergue
Ary que nos abraça
Natália que nos revitaliza
Sofia que nos conhece
David que nos entrelaça
e a poesia se eterniza.

Tantos foram os poetas
tanta poesia criada,
tantas as palavras certas
entre tantas festejadas…
tanto verso tanta fonte,
tanta métrica estudada,
entre rios e montes
Poesia, és tão amada.

Por entre versos forçados
e outros com alegria,
tantos temas abordados
portanto: viva a poesia!...

António MR Martins

21 de Março de 2014, Dia Mundial da Poesia

quarta-feira, 19 de março de 2014

Vítor Cintra





SÃO PAULO

 
Cidade grande, um mundo de cimento,
Que chega aonde a vista nem alcança.
Qual é a explicação dum crescimento,
Que te levou, no sul, à liderança?

Amálgama de raças e culturas,
Metrópole de crenças e saber,
Brasília tem políticos, mesuras,
Mas tu tens o dinheiro e o poder.

O parque da cidade é um encanto,
Tal como a Catedral e o Mercado
E o largo onde nasceste, no passado.

Mas a Pinacoteca é o recanto
Onde nos deixas ver, emoldurado,
Imenso do que em tela foi pintado.

 
Vítor Cintra, in “Por Terras de Vera Cruz”, página 13, edições Lua de Marfim, Outubro, 2013.

Bandeira duma nação


Imagem da net, em: www.dezinteressante.com



Bandeira hasteada tão tocante
desfraldar propenso à ovação,
colorido rejubilar elegante
entre cada superior abanão.

Passagens elevadas sorrateiras
apregoar denodo cativante,
epílogo tombado pelas asneiras
levantar do caminhar rastejante.

Voz do seu hino em dedicatória,
preceito da melodia aprovado,
simbologia da fecunda memória.

Fundamento para qualquer tratado
valências em engodos da história
glória alheia ao furor ventilado.

 
António MR Martins

terça-feira, 18 de março de 2014

Sara Timóteo


 
O Viajante



Vem de longe e carrega consigo

as mercadorias e os seus bens.

Pelos trilhos celestiais traça as suas rotas,

pela face das pessoas

estabelece as suas raízes.

 

À noite, partilha o céu com a sua mulher

enquanto escuta a vida cá fora.

Distraído, engole a última refeição do dia

enquanto o sol se põe

e o horizonte se veste de negro.

Os mercadores algaraviam numa língua

que ele não compreende.

De madrugada, um aperto no coração,

adormece.

 

A flauta na manhã enevoada

e ele sai da tenda, parte sem mais,

deixa tudo,

nunca mais é visto.

 

Sabe-se que agora é feliz.

 

Sara Timóteo, in “Chama fria ou lucidez”, página 19, edições Papiro Editora, Agosto, 2011.

Incompreensões do imaginário


Imagem da net, em: www.amigodaalma.com.br


Estaticismo de um breu saliente
pelo acorrentar do pensamento,
moderador da paixão deprimente
alterada sem qualquer cabimento.

Ênfase de desconexão surreal
despontado por ideais algo toscos,
intenso num conceito de festival
ante pandemónios e demais gostos.

No rastreio da mente pensadora
se encerram questões mirabolantes
com mensagem assaz perturbadora.

Anseios e interrogações constantes,
completar de tensão apaziguadora
da vida serão sempre estudantes.

 
António MR Martins

segunda-feira, 17 de março de 2014

José Luís Outono





NOS CAMINHOS DO TEU CORPO

 
Nos caminhos do teu corpo…
Sulco falésias de luares felizes
Por entre campos viçosos
Onde brotam sucos amor
Flores odor fruição
Palavras escritas de mãos
E questões constantes…
De respostas únicas…nossas!

No calor do teu corpo
Beijo o infinito do rio desejo
No idílio coral da tua nascente…
De ombros caídos…
Olhos sonhadores
Purifica-se o gotejar corrente
Aninha-se o embalo
Olha-se o “barulhar” enredo
E o vapor cristaliza
Momentos mar (e)terno!

José Luís Outono, in “Da janela do meu (a)Mar”, página 15, edições vieira da silva, Maio de 2011.

Miscelânea de atitudes


Olhos d'Água, Zona Envolvente do Nabão, perto de onde nasce o rio, Ansião.
Foto de António Martins.



Ao caminho ladeado de razões
simples incertezas, novelo final,
apelo a diferentes sugestões
reveladas num contexto desigual.

Suporte enigmático sem rigor
esquadria linear descompensada,
petisco degustado, alvo sabor,
euforia pela palavra usada.

Ensimesmado retomei caminho
desfrutando ar da consolidação
e do rubor passado do bom vinho.

Molestado pelos ecos negação
inveja baixeza do coitadinho,
que da vilanagem não toma lição. 

António MR Martins

domingo, 16 de março de 2014

José Ilídio Torres





poema de amor para uma mulher

 
na janela aberta do teu peito
poisam os pássaros com fulgor
em rubros lençóis de cama
a saudade pegou fogo à dor
essa que vive no leito
de quem sofre e ama

vestiste-te de orvalho fino
cumprimentaste o dia-flor
no teu ventre de mel puro
zumbiam as abelhas sem tino
à procura da memória do amor

nomeaste as coisas para o futuro
terra ar fogo água
e do outro lado deste mundo
a saudade deixou de ser mágoa
e tem-te agora em meu peito fundo

encontrei-te num canteiro
quando a tarde madura tombou
fui apicultor e jardineiro
de um beijo que alguém roubou

José Ilídio Torres, in “O amor é um tema batido”, página41, edições Temas Originais, Coimbra, 2011.

sábado, 15 de março de 2014

Fraterna consistência


Flores de primavera, por António Martins.



Pela magia dos desejos perversos
desencantam-se tantos rumores,
à revelia de conceitos dispersos
se eliminam muitos dissabores.

Dicotomia nos díspares espinhos
lisonjeio de múltiplas emoções,
dito apogeu dos simples caminhos
que fazem emocionar multidões.

Desapego no servir da partilha
consistente valor que há na vida
fora do isolamento na ilha.

Desejo na matéria dividida
carisma duma auréola que brilha
na virtude por alguém concedida.

 
António MR Martins

sexta-feira, 14 de março de 2014

Águas salobras


Imagem da net, em: www.flymazon.com


Esgueiram-se os pruridos pendentes
penhorados na suave podridão,
pelo devaneio dos inteligentes
logo à sua primeira avaliação.

Refrega sem ter apoio potencial
na mordomia de tantos trejeitos,
filtragem num engodo policial
repressor dos mais simples conceitos.

Amarras de qualquer pensamento
que ultrapasse a simples esfera,
onde nada mais tem cabimento.

Ao apodrecer da margem severa
sai rascunho dum qualquer jumento
suprindo tanta palavra sincera.

 
António MR Martins

quinta-feira, 13 de março de 2014

Gisele Wolkoff





Perfume do Tempo

Este cais
em que moram
os meus ventos
que quando te vêem
cessam

porque é tudo
tão somente
teu abraço
e a temperatura
do teu corpo
a me fazer mulher
e oh
me pergunto
se é possível
te ancorares a mim
e eu a ti,
como esta brisa
de que somos morada!

Gisele Wolkoff, in “Rumo ao Sol”, página 51, edições Palimage, Coimbra, 2014.

virtuosismo ou negativismo


Foto tirada no Estoril, por António Martins.



vendo expressivo lesto fulgor
entreaberto no olhar que é teu
irradiante jeito animador
paralelismo ou antídoto meu

gracioso rasgo entusiástico
candeia semi-acesa ilusão
face inventada tez de plástico
criatura indefesa alienação

polémica encerrada contenção
em tesouros de valor simulado
onde desejos são eterna negação

o desamor é perder calculado
desmentindo plena interiorização
no desfile do caminho encetado

 
António MR Martins

sexta-feira, 7 de março de 2014

Apresentação de "Margem do Ser", em Coimbra - 7 de Março

Na Casa da Escrita
 
 
Mesa de honra:
 
Da esquerda para a direita: A jornalista e escritora Licínia Girão,
que apresentou obra  e autor de "Margem do Ser", o autor
António MR Martins e Pedro Baptista (Xavier Zarco) pela
editora Temas Originais.

quarta-feira, 5 de março de 2014

"Margem do Ser" em Coimbra, dia 7 de Março



A Câmara Municipal de Coimbra e a Casa da Escrita, a editora Temas Originais e o autor, António MR Martins, têm o prazer de o convidar a estar presente na sessão de apresentação do livro “Margem do Ser”, a ter lugar na Casa da Escrita, sita na Rua Dr. João Jacinto, 8, em Coimbra, no próximo dia 7 de Março, pelas 18:00.

Obra e autor serão apresentados pela jornalista e escritora Licínia Girão.

Obs.: Casa da Escrita de Coimbra - Rua Dr. João Jacinto, nº. 8 – 3000-225 Coimbra – Telef.: 239853590.

A “pen” que já não deixo


Imagem da net.



Argila secura
Condimento solene
Tanto se acumula na minha “pen”

Vistoso recheio
Incorporação
Delicioso meio de comunicação

Esfera aziaga
Meio inverdade
Tudo se apaga e fica a saudade

Ficheiro incorpóreo
Rastreio da mente
Faculdade que assiste a cada presente

Virtude ou conceito
Pelo deslumbramento
Base intrínseca de muito alimento

Moderno afago
Dispersa atitude
Arquivo maior para tanto talude

Descentro vertiginoso
Acalento e memória
Perante o condensar para tanta história

Transporte facultativo
Gerido doutro modo
Colher generoso das vinhas que podo

Introduzir eficaz
Voraz permanência
Apetrecho valioso com enorme apetência

Agenda volátil
De mostragem infinda
Surpresa futura nos demonstrará ainda

Caminho celeste
Ou subterrâneo
Sabendo guardar mensagens do crânio

Sensatez plausível
Evolução constante
Tamanho de formiga e memória de elefante

 
António MR Martins

terça-feira, 4 de março de 2014

Natália Canais Nuno




SAUDADE ONDE ME FAÇO CAIS

Sou barca, vogando em maré-cheia
sem destino neste monótono mar…
Barca fantasma sem rumo ou ideia,
que anda à procura sem se encontrar.

Sou barca à deriva num poema lento
olhando fins de tarde buscando certeza
uma saudade imensa e nu o pensamento,
na boca beijos a que ainda estou presa.

Remoto o tempo na distância percorrida
derradeira esperança levo ingenuamente!
Não paro que o tempo me leva de vencida

navego neste mar… Onde não sou mais
nem onda, ou maré, ou sequer corrente
apenas saudade onde me faço cais…

Natália Canais Nuno, in “A Melodia do Tempo”, página 33, edições Lua de Marfim, Outubro de 2013.

Teu jeito de ser


Tagus - postal panorâmico CTT, colecção 2004, by Gonçalo Lobo Pinheiro.


Enlevo sol, tão sedutor,
raiz do meu alimento,
candeia, afago e amor…
pendor de cada momento.

De ti recebo mensagens…
luz das nossas madrugadas,
descanso entre as viagens
das palavras bem regadas.

Como uma flor
te transporto,
minha fonte jamais perdida.
Com tanto amor
me importo
na ponte da minha vida.

Te beijo na primavera
em sedução sem limites,
és a mulher mais sincera
nos valores que transmites.

És ninho, força suprema
no carinho avaliador,
sintonia do belo tema
vindo da palavra amor.

António MR Martins

segunda-feira, 3 de março de 2014

Arnaldo Saldanha Abreu





A cidade

Fazíamos arcos com ramos de eucalipto
esticados por finas cordas de nylon que roubávamos
dos fios-de-prumo.
Os cabouqueiros abriam a pulso valas que enchiam
com cascalho, cimento e areia grossa.
As casas proliferavam semana após semana.
O povoado crescia – anos mais tarde a capital transbordou
e a nossa terra aumentou-se de casas e de pessoas
e ganhou o estatuto de cidade desordenada.
Havia comércio a cada esquina e a vida acontecia muito depressa,
os homens sopravam o pó dos fatos
e as senhoras sujavam os saltos das botas de cano alto
na lama das ruas sem alcatrão.
Os cabouqueiros passaram a guiar máquinas que esventravam
a terra para se alimentarem das raízes dos pinheiros
e dos eucaliptos
e os lavradores plantavam guindastes e enxertavam-se
no cimo dos andaimes.

Foi há muito tempo.
Mas de um tempo mais antigo são as noites em que tirávamos
prumadas às estrelas
e nos dias resplandecentes de sol
tu equilibravas-te num curto vestido de renda
e em troca de um beijo
eu deixava-te desfilar com o meu chapéu de palha.

Arnaldo Saldanha Abreu, in “Transparências e outros anexos”, página 8, edições Euedito, 2014.