terça-feira, 25 de novembro de 2014

José Luís Outono






CASULO

 
Era uma vez um beijo solto
Casulo sorriso à nascença
Força de ser no viver
Que gritou um som mordido
No silêncio revolução
Em esgares de “sofrimento” mel
Saudade metamorfose e ditame.

Era uma vez um pólen destemido
Sequioso de voar nas estrelas
Floresta adentro de folhagem atrevida
Agreste no dizer ético
Mar chão no cativar fascículo
Capaz de fabricar uma noite
Em mil luares de dias incógnitos.

Era uma vez um lábio amante
Que juntou o irmão gémeo
Na nascente de um encontro
Onde apenas cabia um esculpir sonoro
Marcante, seguro… sereno
Nas ondas da boca mar
Até à próxima maré…

José Luís Outono, in “Da janela do meu (a)Mar”, página 40, edições vieira da silva, Maio de 2011.

És a sã poesia que percorre as crianças


Imagem da net, em: www.zupi.com.br




Sinto o despir dum sopro inventado
entre a lágrima da desilusão
e o tónico sorrir reprogramado,
que nos empolga o frágil coração.

Sinto quanto preciso do teu olhar
doçura contemplativa da união,
razão de existir o verbo amar
efervescência para tanta comoção.

Sinto o apelo que me vem do imo
frescura aliciante de cada manhã
futuro dum presente que te mimo.

Abraçando sinto-te realidade sã!...
O tanto que já perdi não lastimo,
a ti preciso-te, meu doce talismã!...

António MR Martins

domingo, 23 de novembro de 2014

2.º Prémio do XIX Concurso de Poesia da APPACDM de Setúbal, 2014

 

De ti trago a poesia da vida
 
2º Prémio do XIX Concurso de Poesia
                                                            da APPACDM de Setúbal, 2014 
 
Trago em teu olhar
os horizontes
de uma vida descoberta.
 
Trago de tuas mãos
a lembrança
de uma singela oferta.

Trago em teu sorrir
a esperança
numa janela sempre aberta.

Trago do teu ser
o amor
num poema que nos alerta.

António MR Martins
 
 

 


quarta-feira, 19 de novembro de 2014

José-Augusto de Carvalho





Terra Sagrada

Nos campos perdidos, as pedras resistem.
Vestígios passados, no tempo presente.
As ervas medrando, silvestre semente,
viçosas gritando que nunca desistem…

As pétreas ruínas, no chão decadente,
são marcos, são ais, são sinais que persistem
nos tempos danados que fingem que existem,
são esta agressão a doer indecente…

Nas ervas que medram, assombra a saudade
dos louros trigais, na promessa do pão
que a fome sacia na ceia suada…

Ah, tempos danados de mediocridade!
Ah, terra sagrada! Que profanação
assim te sujeita às grilhetas do nada?

José-Augusto de Carvalho, in “Pátria Transtagana”, página 40, edições Temas Originais, 2014.

da pedra o silêncio





da pedra o condimento
no silêncio das vozes
perante o imo amargurado
circunstancialmente

nada ecoa nesta plataforma
do desentendimento
ante um ambiente reestruturado
onde se delineia o conformismo
áspero de todas as benevolências

satírico ponto convergente
perante o alongar da espera amedrontada
após o decorrente desastre
da diferença equacionada

os veios adjacentes
são supridos das regras do pranto
e a pedra alude à secura
de tanto desengano

então
o silêncio abastece a paisagem
permanentemente

António MR Martins

sábado, 15 de novembro de 2014

Vítor Cintra





MÉRTOLA

Em tempos, já lendários, do passado,
Surgiste como altar de sacrifícios
Aos deuses, quando os homens, ao teu lado,
Faziam muitas trocas co’ os Fenícios.

Mais tarde, quando já romanizado,
Teu castro – pode ver-se p’los indícios –
Tornou-se num enorme povoado,
Cidade de riqueza, luxo, vícios.

Após ser p’los Suevos conquistado,
Teu povo, que acabou cristianizado,
Deixou toda a boémia e desperdícios.

Seguiu-se o visigodo, derrotado
P’lo mouro, que ao tornar-te califado,
Te trouxe, não a paz, mas benefícios.

Vítor Cintra, in “No crepúsculo das ameias”, página 51, edições Lua de Marfim, Outubro de 2014.

Esse teu poema


Imagem da net, em: www.motleynews.net



Trazes contigo a cada manhã
O aroma dos lírios
Acabrunhados
Pelo orvalho das madrugadas
E o clamor
Dos primeiros raios solares
Que inventam melodias
Nestes campos
Que nos circundam
A cada emergir viçoso
De um novo dia

Trazes a memória viva
Dos sonhos
Soletrados nos lábios
Da deslumbrante frescura
Que se entranha no âmago
Entre cada voo ascendente
Da insinuante rola
Que pernoitou por descobrir
No silêncio de cada verso

Trazes também o poema
Da infinita esperança
E a alegria da permanência
Plena ode à vida
Que és tu
A cada consecutivo renascer

António MR Martins

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Montserrat Villar González






Não é

A obscenidade não é
essa Lolita que, descarada, chupa no dedo
diante de um avô moribundo
que gastou a sua magra pensão
a ver aquele absurdo grande jogo de futebol.

A soberba não é
essa senhora que renega o seu filho três vezes
quando reconhece numa caixa automática, dormindo
abraçado ao materno vestido de noiva,
enquanto levanta dinheiro para uma nova capa de arminho.

A loucura não é
lançar-se de uma ponte para o nada
enquanto o teu esposo, amante ou amigo
assassina a criança que nasceu do teu ventre
diante da sua “querida” menina, que ele, como filha, não ama.

A desídia não é
ver como te atiras [da ponte] e não tentas salvar-te
enquanto comento com os vizinhos
que a tua relação com o teu bonito marido
era das mais cruentas.

O pecado não é
faltar à missa ao domingo
quando és um rapaz que fuma às escondidas
enquanto o sacerdote que te sodomiza
recorda aos fiéis os ensinamentos divinos.

Montserrat Villar González, in “ Terra Habitada” (título original: Tierra con Nosostros), tradução/versão portuguesa: Jorge Fragoso, página 40, Outubro, 2014.

manifesto de vidas


Imagem da net.



quero leite
mãe

dá-me água
mãe

mãe
quero pão

quero leite mãe

dá-me água mãe

mãe
quero pão

 
meu filho
dá-me um beijo
que eu
te dou um abraço

 
António MR Martins

sábado, 8 de novembro de 2014

Ângelo Alves





O RIO, DO ELÉTRICO

Vejo o rio Mondego e não se movem
As águas opacas, misteriosas.
Nascem longe, na Estrela, e ociosas
Passam por Coimbra, pela Portagem.

Olho as águas, deste rio, vaidosas
(A minha alma fechada é sua imagem),
Enquanto, o elétrico de passagem
Vai com elas cintilantes, e rosas.

Vou a pensar em mim e neste rio,
Com tantos olhos postos sobre mim,
Sem sentir a humildade do contágio.

Sou eu o rio no meio do festim,
Insondável e brilhante e com brio
Correndo suavemente até ao fim.

Ângelo Alves, in “Falo Do Fundo”, página 54, edições Papiro Editora, Janeiro de 2014.

Poema inacabado


Imagem da net, em: www.poemadia.blogspot.com


“Se não souberes cozinhar,
não sirvas poemas a ninguém.”

Joaquim Pessoa

 

 
Faltam-me as palavras perdidas
e as brancas do puro silêncio
para que possa acabar um verso

Este é o poema sem fim
onde o poeta não existe
e a inspiração poética se eclipsa
sem rodeios
inexplicavelmente

Faltam-me as palavras esquecidas
e o ventre do poema
não se permite ficar prenhe da próxima palavra
em estéril hecatombe
neste indelével rastrear teórico da mente

Este é um poema em lume brando
sem condimentos
e especiarias apaladadas
que alimentem rigorosamente os íntimos
com a plausível sentida intensidade

Falta-me a precisa palavra
pleno sal das memórias armazenadas
e assim fica este poema
inacabado
sem têmpero
e sem o proeminente travo da poesia
incompreensivelmente

António MR Martins

quinta-feira, 6 de novembro de 2014

Xavier Zarco





FONTE DO POVO DO CHÃO DO BISPO

a voz do povo é a voz de deus
a voz que canta o milagre
da colheita

que arde na memória
das fogueiras

na chama do riso
dos arraiais
no adro de uma igreja

a voz do povo é a voz de deus
a voz de uma fonte
nos lábios da terra

Xavier Zarco, in “Coimbra ao som da água”, página 21, edições Temas Originais, 2009.

contemplativo fascínio


Imagem da net, em: www.torange-pt.com



a pedra imobilizada
toca-nos o olhar
neste denso caminhar
por onde a vida nos vai fugindo

a pedra vai permanecendo
serena e estática
na frágil estante transparente
de um chão
nas emoções perdido

os dias pendentes
vão encurtando a caminhada
da resistência

a pedra
essa
lá se mantém
mas tudo em sua volta
é pura e simples fascinação

António MR Martins

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Joaquim Pessoa

 
Nada de mais actual!...
 





[Adoro ouvir falar, nas tuas costas]

Adoro ouvir falar, nas tuas costas,
de ti e dos tais crimes que tu fazes.
(É o tipo de coisas que não gostas
mas é do que as pessoas são capazes).

Nunca me intrometi. Deixo falar.
Por estranho que pareça, o julgamento
assim, à revelia, é salutar.
O réu é condenado de momento

depois volta, andando em liberdade,
a cometer mais crimes, mais excessos
contra a tradicional moralidade,

confundindo direitos e avessos.
E eu que sou escrivão contra vontade
arquivo, livremente,  os teus processos.

Joaquim Pessoa, in “Sonetos Perversos”, página 23, edições Litexa Portugal, colecção De VIVA VOZ, 1984.  

Esses teus braços


Imagem da net, em: www.loirafatal11.blogspot.com



Esses teus braços me rodeiam o corpo
num afago permanente de intenção,
à plenitude relevante que sorvo
apogeu variável duma sedução.

Esses teus braços me apertam tanto
num sorridente nó sem avaliação,
cobrindo meu peito como um manto
que faz bater meu singelo coração.

Esses teus braços são a força maior
que incentiva na vida meu caminhar
num porvir de amplitude bem melhor.

Os teus braços definem o desbravar…
como se da Terra conhecessem de cor
a conjugação real do verbo amar.

 
António MR Martins