sábado, 30 de julho de 2011

Dia 13 de Agosto, pelas 18H30, no Auditório do Campo Grande, 56, em Lisboa, é lançado o 3º. livro de poesia de Gonçalo Lobo Pinheiro


O autor, Gonçalo Lobo Pinheiro, e a Temas Originais têm o prazer de o convidar a estar presente na sessão de lançamento do livro “Sofá das Ilusões” a ter lugar no Auditório do Campo Grande, 56, em Lisboa, no próximo dia 13 de Agosto, pelas 18:30. Obra e autor serão apresentados pelo escritor e jornalista Miguel Cardoso Pereira.

O Gonçalo, meu filho, encontra-se a trabalhar em Macau, como jornalista e fotojornalista, no jornal Hoje Macau, uma publicação em língua portuguesa. Vem passar 17 dias de férias a Portugal e as saudades são imensas, passados que são 9 meses da sua partida para terras do Oriente.

Neste período, em terras lusas, irá lançar o seu 3º. livro de poesia "Sofá das Ilusões" e irá inaugurar uma exposição fotográfica, em Ansião, no próximo dia 19 de Agosto, intitulada "Macau, um ano em vinte fotografias" que, em breve, será aqui publicitada.


pátio da prosperidade


escrevo poemas fugindo, como tu,
deste engano vazio e hábil que te faz chorar.
faltou-me gritar o silêncio triste da tua ausência,
nas horas gastas na lentidão da noite.
lancei o meu corpo, sombreado no chão,
ao lado daquela parede inacabada do pátio da prosperidade.

Gonçalo Lobo Pinheiro

Simplesmente sei de ti


Sei de ti neste caminho
pelo cheiro que vem do ar,
passando nele sozinho
te trago a acompanhar.

Sei de ti a tanta hora
que me passa nesta vida,
entre noite e aurora
te amo minha querida.

Sei de ti e te escrevo
pela frescura da manhã
ou na soleira da tarde.

Sei de ti e me atrevo
em sentir-te por talismã
sem disso fazer alarde.

 
António MR Martins

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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Sem Corpo Nenhum


Sem corpo nenhum,
como te hei de amar?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma escolheste
esse doce mal!

Sem palavra alguma,
como o hei de saber?
— Minha alma, minha alma,
tu mesma desejas
o que não se vê!

Nenhuma esperança
me dás, nem te dou:
— Minha alma, minha alma,
eis toda a conquista
do mais longo amor!

Cecília Meireles, in 'Poemas (1942-1959)'

Meu chão


Um chão
que se não pega aos sapatos
onde o silêncio esquecido
mora a cada instante.

Um chão
moldado a um espaço
onde se remendam
os trilhos por demais pisados.

Um chão
que me sustenta o apoio
onde me é permitido poisar
as raízes do meu tempo.

Um chão
sobrado que é da gente
com tantas memórias
de que não pode falar.

Um chão
espreitando o futuro
que anseia a passagem
dos pés dos vindouros.

Um chão
que é este sendo meu
onde circulo ou vou em frente
e me é impossível voltar atrás.


António MR Martins

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quarta-feira, 27 de julho de 2011

Mesa dos Sonhos


Ao lado do homem vou crescendo

Defendo-me da morte quando dou
Meu corpo ao seu desejo violento
E lhe devoro o corpo lentamente

Mesa dos sonhos no meu corpo vivem
Todas as formas e começam
Todas as vidas

Ao lado do homem vou crescendo

E defendo-me da morte povoando
De novos sonhos a vida

Alexandre O'Neill, in 'No Reino da Dinamarca'

Aos homens de tanta coragem


Nas marés da inocência
Onde se atalham as redes
E os homens são destemidos
Há um travo a saudade
Que se deixa em cada praia
Na partida para o mar

Em cada noite menina
Com chuva ou lua cheia
Nas ondas de tanta coragem
Se unem seus braços lestos
Que a manhã traz a ressaca
No pecúlio das suas margens

Os esperam suas mulheres
E as viúvas de tantos outros
Num auxílio necessitado
No reencontro da vida
Onde sobrevivem memórias
E as vestes negras perdidas

Restam as caixas do fresco peixe
Que os mercados tanto anseiam
Onde tantos ganham mais
Do tão pouco que lhes fica
E em cada mesa distante
Se tempera tanta façanha

Noutro dia noutras vidas
Nos mares do desempenho
Os pescadores neles retornam
Regressando em cada maré
Às areias que os acolhem
Muitas vezes em menor número


António MR Martins

imagem da net in http://salvador-nautico.blogspot.com/2010/02/faina.html

terça-feira, 26 de julho de 2011

Resistir


Dobrar na boca o frio da espora
Calcar o passo sobre lume
Abrir o pão a golpes de machado
Soltar pelo flanco os cavalos do espanto
Fazer do corpo um barco e navegar a pedra
Regressar devagar ao corpo morno
Beber um outro vinho pisado por um astro

Possuir o fogo ruivo sob a própria casa
numa chama de flechas ao redor.


Joaquim Pessoa, in "Paiol de Pólen"

apatía

la roca deletrean
las sílabas del sonido perdido
antes de que la hierba y los silbidos
que germinan en sus bermas

una extremidad latente
libere de todas las raíces
si es inquieto
en el origen de cada oscuridad

sin embargo
se estabilice
en el serenidad del amanecer

consiguiente
a la soledad de la noche

en la tierra donde habita
se vuelve para ser deletreo nato
donde no es inútil la palabra


António MR Martins

Versão espanhola de "Indiferenças"

domingo, 24 de julho de 2011

[recordo]


recordo
a minha mãe estende a roupa e canta

canta uma cantiga
que me soa a uma espécie
de hino à alegria

mas não o de beethoven
que agora desfralda a bandeira
da tal união

não essa
ode na die freude
escrito pelo schiller

aquela canção
que a minha mãe cantava
era de outra sorte

trazia consigo o sol preso
à sua voz

mesmo que só o vento
afagasse a roupa
que estendia

que estende
agora mesmo
no despertar da minha memória

vinha de um lugar
onde as palavras eram ditas
por gestos

um aceno
um sorriso
um aperto de mão
um abraço

palavras
que poema algum soube guardar


Xavier Zarco

quimera


tanta cegueira
em busca da coisa amada
tantas horas
fizeram as amarras da perdição

trilhos sinuosos no prurido da ventania
das mãos abertas
ouço a voz

o crepúsculo nos corta o âmago
nos erectos pêlos da consistência
o teatro de quase todas as vidas
esconde-se a cada anoitecer

mais triste não é o cego mas quem não quer ver
no tormento de tantas insónias

o adormecer anseia
que a bruma não disperse
o sentir de cada sonho

no alcance de cada infinito

as queixas dominam
a insensatez de cada acordar aflito
no crepitar de cada lume

sulcam-se estreitos
onde a prisão de todas as vozes
tonteia
e a quimera de cada incêndio
estabelece o queimar do nosso interior mais profundo


António MR Martins

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sábado, 23 de julho de 2011

joão da calada


guardas no ventre
pão para a minha fome
vinho para a minha sede

que este é o destino
de quem nasceu aqui
não cruzou oceanos
à aventura de outros futuros

não partimos
mas lutamos para regressar
todos os dias
mar

desafiamos
ondas e correntes
sobreviventes que somos
desta arte de te amar


António José Cravo

foto de joão da calada, da autoria de António José Cravo

indiferenças


a pedra soletra
as sílabas do som perdido
perante ervas e silvas
que germinam em suas bermas

uma extremidade latente
liberta de todas as raízes
se inquieta
na origem de cada anoitecer

porém
estabiliza
na acalmia da alvorada

consequente
à solidão da noite

no solo em que habita
renasce o soletrar
onde a sonora palavra não é vã


António MR Martins

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sexta-feira, 22 de julho de 2011

VELHA CHÁCARA


A casa era por aqui...
Onde? Procuro-a e não acho.
Ouço uma voz que esqueci:
É a voz deste mesmo riacho.

Ah quanto tempo passou!
(Foram mais de cinqüenta anos.)
Tantos que a morte levou!
(E a vida... nos desenganos...)

A usura fez tábua rasa
Da velha chácara triste:
Não existe mais a casa...

- Mas o menino ainda existe.


Manuel Bandeira

Salpicos de fragrâncias com aromas de amizade



Dedicado a todas as amigas (e amigos)
e a uma amiga especial



Sento-me na pedra do horizonte
e oiço o encaminhar da tua voz
Amiga

Vislumbro o céu sentindo o mar
nos cheiros da terra e do ar da montanha
Amiga

Escuto os sons da natureza
que nos acolhe no esplendor da existência
Amiga

Sinto o inebriar carinhoso
do alfazema em que me aconchego
Amiga

Há uma sintonia sem paralelo
em tudo o que nos rodeia
Amiga

Sinto esse olhar que ora não vejo
e o pronuncio de felicidade que irradia
Amiga

Oiço tuas palavras que vêm do longe
mas que eu capto em meros segundos
Amiga

Sinto o profundo abraço que me sustém
e a alquimia que dele resplandece
Amiga

Depois vem o teu sorriso lindo
onde ultimo o descanso da pura amizade
Amiga

António MR Martins

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quarta-feira, 20 de julho de 2011

Frente a frente


Nada podeis contra o amor,
Contra a cor da folhagem,
contra a carícia da espuma,
contra a luz, nada podeis.

Podeis dar-nos a morte,
a mais vil, isso podeis
- e é tão pouco!


Eugénio de Andrade

Relevâncias


Há um ventre que não cala
na voz do segredar,
entre montanhas dispersas
e uma solidão constante,
onde se afundam as mágoas.

Há um ventre que não sofre
a essência do descobrir,
entre as náuseas da cólera,
pelo toque que o despreza
nos vestígios da saudade.

Há um ventre que se recente
das efémeras investidas,
tão próximas da negação,
no amparo das ilusões
onde correm muitas águas.

Há um ventre que abala
pelo porto da omissão,
trucidado de discordâncias,
no mar do rio sangue
entre o castigo da sua pele.

Há um ventre de uma estrofe
num poema dito de amor,
carente das infracções
da sedução no tempo ausente,
enfeitado de tantas estrelas.

Há um ventre sol nascente
ao rubro no corpo que é dele,
que na calada das noites
e na esquina onde se dá,
exultando, abraça a lua.


António MR Martins

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Cabelos Brancos


Cobrem-me as fontes já cabelos brancos,
Não vou a festas. E não vou, não vou.
Vou para a aldeia, com os meus tamancos,
Cuidar das hortas. E não vou, não vou.

Cabelos brancos, vá, sejamos francos,
Minha inocência quando os encontrou
Era um mistério vê-los: Tive espantos
Quando os achei, menino, em meu avô.

Nem caiu neve, nem vieram gelos:
Com a estranheza ingénua da mudança,
Castanhos remirava os meus cabelos;

E, atento à cor, sem ter outra lembrança,
Ruços cabelos me doía vê-los ...
E fiquei sempre triste de criança.

Afonso Duarte, in "Ossadas"

terça-feira, 19 de julho de 2011

No respirar da poesia


Sonho poesia vendo o mar
e no observar as estrelas,
vejo poesia pelo olhar
que às mãos vão entretê-las.

Despertam alvos os sentidos
perante acidez e o mel,
os valores são espremidos
entre a tela e o pincel.

Com as palavras se preenchem
tantas singelas folhas brancas,
que com a poesia consentem
fazer as mais belas heranças.

Pelas árvores pelos rios
pelas casas pelos caminhos
pelos locais bem mais sombrios
e pelas vinhas e seus vinhos.

Pelo céu por todas as flores
pelos castelos e ameias
pelas paixões pelos amores
pelo criar novas ideias.

Por tudo o que nos rodeia
pelo cismar das velhas mentes
pelo rubor que incendeia
pelas melodias dolentes.

Pela verdade e beleza
pelo início de cada fim
pela bondade e riqueza
pelas palavras que vem de mim.

Há um sentido tão presente
em cada verso que alinho
nesta poesia que se sente
e me fornece o caminho.

Vendo o rio eu já a sonho
olhando o céu a invento,
sentindo a terra exponho
na fonte corre o alimento.

Pelo sorrir nela inspiro
da dor de que me não queixo,
pelo apertar dum suspiro
é poesia que aqui deixo.


António MR Martins

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segunda-feira, 18 de julho de 2011

percepção


custava-me aprender
que meu pai pudesse
ter visto um dia,
uma onda do mar quebrar...

- pois quebra sim moleque,

vivia comigo a ralhar!

e então quando a chuva
vinha - didaticamente -
apontava-me os pingos
que caiam lentamente
do telhado...

- vê moleque, o choro de deus
rolando pelas faces do ar?


Edilson José

Aliança sobrenatural


Nos descaminhos da vida
onde pálida cor rosa
interfere-se perdida
no ensaio da prosa.

Se encobre na nuvem ar
em gasosos esperança,
pela pressa do céu galgar
como bem-aventurança.

Velha haste fiel rasto
pungente na memória,
conteúdo livro vasto.

No desencadear glória
entre humilde repasto,
definida dedicatória.


António MR Martins

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domingo, 17 de julho de 2011

Meus pensamentos são nómadas


Meus pensamentos são nómadas
e vagarosos

como a água que vem da montanha
e não sabe nada

do coração dos homens.
O meu, por exemplo,
tem a leveza do vento

e corre para casa como se fosse
um cão que precede
os passos do dono.


Casimiro de Brito

Se a pança não fosse do Sancho nem a mancha do Quixote


Os moinhos que são aragem
são toureiros que enfeitamos,
surge Dulcineia em miragem
e por Quixote não passamos.

Ante a proeminente pança
de alguém com nome de rei,
os amantes ficam em dança
o tumulto é tanto nem sei.

Quixote confunde a musa
com outra de carne e osso
e Basílio não sente graça.

É excêntrico ou abusa
na batalha com o colosso
nada mais que uma trapaça.


António MR Martins

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sábado, 16 de julho de 2011

Cântico Negro


"Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio

A verdade virá à tona

E nesta inquietude mundana
onde se muram desconfianças
no atropelo às margens,
ante os dissabores estabelecidos
por incúria dos maldizentes
que tanto sabem atrapalhar.
Nada se ramifica no seu auge,
nem os projectos se concretizam,
perante as indefinições tão retratistas
das múltiplas evidências sustidas.

Existe uma plataforma do engano
onde não se filtram atitudes,
nem se meditam suas causas,
para que se consiga obter tudo
ou quase tudo, sem nada mais.

Restam os restos tão restantes…
onde a verdade ainda existe
e anseia pela demora
que a traga ao seu breve reconhecer.


António MR Martins

sexta-feira, 15 de julho de 2011

ARTE POÉTICA



Vai pois, poema, procura
a voz literal
que desocultamente fala
sob tanta literatura.

Se a escutares, porém, tapa os ouvidos,
porque pela primeira vez estás sozinho.
Regressa então, se puderes, pelo caminho
das interpretações e dos sentidos.

Mas não olhes para trás, não olhes para trás,
ou jamais te perderás;
e teu canto, insensato, será feito
só de melancolia e de despeito.

E de discórdia. E todavia
sob tanto passado insepulto
o que encontraste senão tumulto,
senão de novo ressentimento e ironia?


Manuel António Pina

A vila na nostalgia nocturna


Os candeeiros acesos
Acalmam o anoitecer da vila
As ruas desertificam-se

O silêncio é ainda mais intenso
Ouve-se a tosse dos sentidos
E o rosnar dum cão que pára à minha porta

Dá-se o regresso ao local de partida
Na jorna de cada dia repetida
No hoje amanhã e depois

Os locais continuam ilesos
Numa casa grita um miúdo reguila
E os jantares intensificam-se

À vila volta o bom senso
No comum dos sensos perdidos
De uma terra que fica morta

De quando em vez uma alma perdida
Procura a sua habitual saída
Para o caminho dos seus lençóis

Amanhã um novo dia começa
Retorna a agitação paralela
Construindo assim a peça
Que faz esta vila ser bela


António MR Martins

foto por ASimões, Ansião, 16 de Agosto de 2008.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

A cada ciclo da lua


Deste sangue que me escorre da alma,
desta dor que se enlaça à carne,
provocando-a,
devorando-a…
Fica um segmento de vida
pendurado num tempo que jamais retorna.


Palpita-me que o pensamento fugiu
à vontade de ficar.
Que as cordas
que tocam a voz aposentaram-se
cansadas de gemidos silenciosos
e de gritos que se recolheram
à chegada da dor.


Para que não deixe o corpo morrer
injecto-me de palavras
que me enchem o peito de ar
e brilho nos olhos.
Só o oxigénio de um poema me faz renascer.
Só o chão feito de roldanas aguçadas
faz mover as frases compostas de esperança,
não esmorecendo o sorriso.


Por vezes também vens, atenuando-me a dor
ao embriagar-me os sentidos.


Vou rasgando devagar o tempo.
Vou alimentando aos poucos
o futuro que já se adivinhou,
tentando me convencer que o sol vai lá estar,
mesmo em céu encoberto e frio.


Cego-me sempre,
ao nascerem-me lágrimas rosadas, a cada ciclo da lua.

Vanda Paz

Correntes de amor


Sorriem as fontes da vida
pela água que delas corre,
entre a palavra perdida
e o vazio que ali morre.

Cerram candeias acesas
o fim de tanto alumiar,
amontoando incertezas
que provocam o encadear.

Lenço tingido pelas águas
que saudade intensifica
nas fontes que vão secando.

Se desvanece entre mágoas
e no sentir solidifica
os amores que vai deixando.


António MR Martins

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quarta-feira, 6 de julho de 2011

A TERRA DO NUNCA


Se eu fosse para a terra do nunca,
teria tudo o que quisesse numa cama de nada:

os sonhos que ninguém teve quando
o sol se punha de manhã;

a rapariga que cantava num canteiro
de flores vivas;

a água que sabia a vinho na boca
de todos os bêbedos.

Iria de bicicleta sem ter de pedalar,
numa estrada de nuvens.

E quando chegasse ao céu, pisaria
as estrelas caídas num chão de nebulosas.

A terra do nunca é onde nunca
chegaria se eu fosse para a terra do nunca.

E é por isso que a apanho do chão,
e a meto em sacos de terra do nunca.

Um dia, quando alguém me pedir a terra do nunca,
despejarei todos os sacos à sua porta.

E a rapariga que cantava sairá da terra
com um canteiro de flores vivas.

E os bêbedos encherão os copos
com água que sabia a vinho.

Na terra do nunca, com sol a pôr-se
quando nasce o dia.


Nuno Júdice

in livro "As coisas mais simples", 2ª. edição, páginas 23 e 24, Publicações Dom Quixote.

Força do vento que passa


Ainda corre veloz o vento
por entre toda a vegetação
e agora um pouco mais lento
vai voando com outra contenção.

Minutos atrás demais ele correu
fazendo tudo de outra feição,
com força tal na janela bateu
despertando a tanta aflição.

Os arbustos frágeis sucumbiram
neste demolidor movimento,
ante a destreza desse fulgor.

No epílogo flores sorriram
(entre ligeiríssimo lamento)
voltando a distribuir fragor.

António MR Martins

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