terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Natal 2020

 

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Constata-se o quebrar contínuo

da (des)união da Humanidade

e a chegada de um capítulo sem luz

vindo de um túnel sem ter fim.

 

Há uma máscara que esconde perfis

e amedronta os diversos olhares

que esconde as amarguras da vida

e sustém todos os cheiros da natureza.

 

Há um gel alcoolizado

que age inusitadamente

como possível emenda

de todas as atitudes incoerentes.

 

Parece que o Natal anterior

já foi há tantos anos…

 

Os corpos e suas mentes desgastam-se

nesta conjuntura do desapoio

e as bocas falantes vociferam opiniões

de amplitude variável.

 

O conceito de que Natal é quando se quiser

também não tem paradeiro nesta vigência.

 

O anseio e a tristeza acorrentam-nos

toda possível liberdade

e há uma lágrima tímida e perdida

que cai na âncora do desespero.

 

António MR Martins


sábado, 19 de dezembro de 2020

Voz dos corvos

 

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Tributo a Sebastião Alba

 

Os corvos pararam por Lisboa

hoje

simbolicamente

são essência brasonada.

Agora param nos campos

na surpresa das manhãs

e voam ao mínimo ruído

crocitando suas mensagens.

As noites podem ser terríveis

mas se a manhã nos acorda

com  o expelir sonoro dos corvos

é porque vamos resistindo.

 

António MR Martins


quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Paulo Assim

 




 [Não te esqueças]


Não te esqueças – dizia-me a minha mãe –

de estender os teus poemas na varanda:

fechados, ganham ferrugem e não soam muito bem aos ouvidos;

fechados, tilintam conforme metais impuros das metalurgias

e têm a cintilação embaciada de zebre das estrelas longínquas.

Fechadas, as palavras amolecem e pegam-se umas nas outras,

tornam-se difíceis de articular, enrolam-se na mecânica

das línguas.

Fechadas, em vez de leres liberdade lês obscuridade

e em vez de leres amor lês bolor.

Eu sei, mãe, eu sei.

As palavras querem-se ao sol.

A poesia quer-se ao vento.

 

Paulo Assim, in “Árvore Genealógica”, página 36, edição Núcleo de Artes e Letras de Fafe / Labirinto, obra vencedora da primeira edição do Prémio de Poesia Soledade Summavielle, instituído pelo Núcleo de Artes e Letras de Fafe, Junho de 2014. 


terça-feira, 15 de dezembro de 2020

Lília Tavares

 



[Temos carinhos arrefecidos nas mãos]

Temos carinhos arrefecidos nas mãos.

Ficamos entorpecidos

quando damos pelos despojos

dos minutos atirados

como amarga casca de fruta.


O sol ultrapassa a janela,

mas insistimos em ver brumas.

Aves cantam nas árvores vizinhas,

contudo é com o mar que privamos.


Fez-se inverno no quarto,

vazio como cela fria e desflorada.


Das flores, que dizer antes que sequem?

As águas de amanhã já são

tardias para esta sede.

 

Lília Tavares, in “a timidez das árvores”, página 90, Colecção Mãos de Semear – Livros Lília Tavares, 1, edições Modocromia, Novembro de 2020.      


quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Antologia polaco-portuguesa "Azulejo chabrem ubrane - Azulejo vestido com centáureas", coordenada por Katarina Lavmel

 

E eis que tenho dois poemas escritos em polaco e tenho, também, a grande oportunidade de ler a poesia polaca, de grandes poetas contemporâneos, escrita em português.

É isso que nos traz esta belíssima antologia polaco-portuguesa, dirigida e coordenada por Katarina Lavmel, que se dá pelo título “Azulejo vestido com centáureas”, em português e “Azulejo chabrem ubrane”, em polaco. Grato pela sua feliz ideia, de me ter convidado a nela participar.

Depois também pude escrever algo sobre a poesia inserida nesta excelente obra, de criação polaca, também a convite da Katarina.

Gostei muito de interagir com este esplêndido trabalho e resta-me agradecer todo este sentir à Katarina, que levou este trabalho a partir de um imaginado projecto até à plenitude da sua conclusão. E assim surge a oportunidade de em Portugal podermos conhecer algo do que se escreve, em poesia, na Polónia e ao povo polaco a possibilidade de conhecer alguns poetas portugueses, da actualidade, e a sua poética.

Resta-me recomendar-vos que tentem adquirir esta obra e assim poderão verificar que aquilo que ora vos transmito, é a mais pura das verdades.

Saudações poéticas.

 

António MR Martins




segunda-feira, 26 de outubro de 2020

Vem aí o meu novo livro "Colisão", edições Emporium Editora.


Com palavras de José Luís Peixoto, na contracapa, João Rasteiro, no prefácio, Luís Filipe Sarmento, no posfácio, e Alice Vieira, Hirondina Joshua, Fernando Sales Lopes, Olinda Beja, Vera Borges, Célia Cristina Freire, Dalila Moura Baião e Manoel Virgílio, no final da obra, será lançado no próximo dia 8 de Novembro (domingo), em Ansião, o livro “Colisão”, de António MR Martins, com a chancela Emporium Editora, no Centro Cultural, pelas 15H30. 

A obra e autor serão apresentados pela Dra. Cândida Cancelinha.

Momentos musicais por Bárbara Pina.



Primeira divulgação virtual  de "Colisão", pela Emporium Editora
no Facebook, a 8 de Outubro de 2020.





 

Francisco Conduto de Pina

 


Francisco Conduto de Pina, imagem da net.



sofro nesta solidão

 


sofro nesta solidão

comigo ninguém

ela e eu juntos, sozinhos

somos muitos

no momento presente

oiço vozes nos entulhos do silêncio

que se acumula

 

sofro nesta solidão

comigo ninguém

ela e eu juntos, sozinhos

somos um só

ninguém presente no tempo

no instante que antes parecia morto

vamos pela estrada da esperança

 

 

Francisco Conduto de Pina, in “onde outros somos todos”, página 44, poética edições (poesia do mundo), Setembro de 2020.


"O tempo também arde" entra em 2.ª Edição em Outubro de 2020

 


terça-feira, 15 de setembro de 2020

dizem-me


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dizem-me
das falácias descompostas
e doutras prosápias expostas
para além do amargo pólen
que se espalha nas palavras

dizem-me
da omissão desgastada
do paradeiro das apostas
do medo desconsolado
que nos afasta da contenda

dizem-me
dos contrastes desfigurados
do sentido aleatório
do arrepio da fala
que nos prende a voz guerreira

dizem-me
do mais que aqui não digo
de tantas e tantas outras coisas
da mancha dum alastrar crescente
que deste morrer cúmplice nos suspeita

António MR Martins

domingo, 13 de setembro de 2020

Pelas linhas do apogeu



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Pelos teus braços
se surpreendem os passageiros da vida
no seu apertar contínuo
que traz acalmia e acalenta sonhos
nas tangentes da solidão.

Pelos teus beijos
aquecem os condimentos perdidos
no frio das nostalgias banidas
pelo ténue sibilar das palavras
que nos trazem emoção.

Pelos teus afagos
se empertigam as razões do medo
e se aperfeiçoam os sentimentos
que desenvolvem relevantes afectos
numa vastidão de sentires.

Pelo teu sorriso
se enumeram legendas tocantes
apelidos carinhosos e sedutores
num aconchego inolvidável
da profunda raiz da existência.

António MR Martins

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

José Félix


José Félix, imagem na net.




[Por este amor imenso que te quero]

Por este amor imenso que te quero
caminho neste chão que me dá vida
os dias são auroras sem medida
a pura alquimia no meu coração

É tão inútil a útil ovação
que bate e vive que se desatina
ora se apressa a hora clandestina
quando me dás a voz no teu amparo

Agora que das sombras vem a morte
e se aquietam todos da viagem
não vale tecer linhas de tal sorte

que as parcas no labor da sua teia
vão apagando a vida dos amantes;
e nós soubemos ler de forma alheia

o amor que faz de nós os viajantes.


José Félix, in “Fácil é o movimento das folhas”, pág. 7, edições Temas Originais, 2019.

domingo, 30 de agosto de 2020

Inesperadas partidas


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O cerco da maldição
me aperta por momentos
o ser
pela infâmia do descabido
e inesperado acontecer.

Os destinos são imprevisíveis
e incontornáveis
pelas desavenças imperceptíveis
e que nunca são visíveis.

Não podemos reprovar
o sentido das coisas
nem penitenciar seu desenrolar
mas há tanto suceder
tão difícil de amparar.

A resistência
é um atrito ao destino
a recordação
imagem da memória
a arrogância
um desenlevo de quem não tem tino
o perecer
o esquecer da última história.

Nestes dias
o resistir me ofusca o lembrar
do escorreito discernir
e do inesperado partir
da simples esperança.

António MR Martins

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

rosa oliveira


rosa oliveira, imagem na net.




nostos

é difícil regressar a casa
o herói não tem cheta
nem uma chávena de chá pode pedir
sofre uma miserável hora do almoço no parque
estômago vazio
ventre sugado para dentro
a cabeça quer soltar-se do pescoço
o herói vive em constante anonimato transcendental
estamos presos em nós
os outros são ambiente

rosa oliveira, in “errático”, página 31, edições Tinta da China, Agosto de 2020.

terça-feira, 18 de agosto de 2020

José Luís Outono


José Luís Outono, imagem na net.




Paralaxe

Duas rectas de visão, com dois sentidos de definição.
Quantas vezes o conveniente para aligeirar ou ignorar
o erro
é o analgésico da confusão fundamentada, mas sem
cura garantida
porque interesseira.
Paralaxe, a possibilidade de dizer certo por olhares
imprecisos,
coisa pouca dizem os defensores de certos
ângulos.
Ângulos sintonizados ou não, nas demandas de
cadernos
ditos apelativos,
nos jogos de engate fácil.
Pequena distracção avaliadora nas conformidades
do despacho, face aos argumentos apresentados,
onde a causa a esgrimir neste momento
é o sentir que advoga apenas…
“o venha a nós”.

José Luís Outono, in “Mares encrespados”, página 46, edições poética edições, Junho de 2019.  

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Veemente atitude


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As partículas
das muralhas da vida
juntam-se irregularmente
de forma inadvertida,
não obedecem
ao contingente fingido
que nos adorna a mente
e regula a intensidade da razão.

Os meios
que entabulam a estrutura
do pensamento
são difíceis de obter
e avaliam-se outros tormentos
que alteram a compostura
do acautelar de toda a espera.

A ternura
branqueia toda a bravura
e todos os que se aturam
se deixam melindrar pela lisura
dos devidos comportamentos.

Consegue-se por fim concretizar
o conceito daquilo
que se poderá alcançar
quase
verdadeiramente.

António MR Martins  

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Yolanda Villar Menezes

 

Yolanda Villar Menezes, imagem na net.


jardim de água

 

é fogo que

me consome

é luz

que jamais dorme.

corola de

minha flor

é verde,

eu sou jardim!

 

é água que

me percorre

onde quero

aqui, ali

de qualquer modo

assim

como eu gosto,

e eu sou rio, de ti!

 

Yolanda Villar Menezes, in “Orvalhos do meu cacimbo”, página 74, edições Grácio Editor, Março de 2015.


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

Katarina Lavmel





                                                                       
Katarina Lavmel, imagem na net

[Nas falésias do Algarve]

Nas falésias do Algarve respiramos – fundo
a violência do vento são asas
e os sonhos já não são mais uma onda
deixo-me levar pelo oceano e por ti
sem mapa sem bússola nem consenso nem bóia

já não contamos as lanternas no céu –
mesmo para as gaivotas perdidas a noite não é estranha
navegamos com o triunfo de uma vela cheia
empurrados para dentro da neblina da manhã

por trás das rochas do pensamento há remoinhos
dióxido de carbono em demasia –
os ambientalistas vão capturar-nos (sem piedade)
por causa deste fogo que arde como incêndio
imoderado nos nossos corações

Katarina Lavmel, in “Anturaz / Entourage”, página 8 (tradução de Gabriel Borowski), edições FONT, 2019.

terça-feira, 4 de agosto de 2020

Lília Tavares




Lília Tavares, imagem na net.




[Há mulheres que com lisura se lavam]

 

Há mulheres que com lisura se lavam, contornando

ao de leve pequenas ilhas no corpo. Aspiram odores antigos,

cerram os olhos como se por acaso

se perdessem em memórias do lado de lá da pele.

Com lágrimas limpas se expiam nas reentrâncias, conchas

seladas para sempre onde guardam velado o sal das marés.

Nasce nelas um prenúncio de noite. A linfa do corpo

é etérea como o perfume antigo da ternura.

 

Lília Tavares, in “Bailarinas de corda”, página 41, edições poética edições, Outubro de 2019.   



segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Ana Acto


Ana Acto, imagem na net.





Vazio

Pulsa-me nas veias o sangue quente
Neste corpo ausente de sentidos e de vida
Vazio, num vagar dormente de quem já não sente
Nu, despido, frio

De que me valem estes braços que me pendem
no regaço, desistentes, cansados do adeus, a despedida
Ou estes lábios, outrora cheios, rosados dos beijos
que, mudo, lhes plantavas, agora selados, cerrados…

De que me valem… de que lhes valho
 Se em mim já não te trago…

Ana Acto, in “Nua”, página 40, edições In-Finita, Abril 2020.

sexta-feira, 31 de julho de 2020

Rio companheiro


Rio Ceira, foto de Gonçalo Lobo Pinheiro.





Neste rio que nos acolhe
pelo olhar do desejo
no pulsar de quem escolhe
companheiro dum instante
amor que tanto desejo
num destino tão distante.

Neste rio correm memórias
rasas de alegria e dor
ante pedras com glórias
e peixes da substância
nas águas com seu fulgor
e gotas da abundância.

Vê-lo caminhar é sonho
jamais será pesadelo
síndrome que contraponho
apesar da sua altivez
sua corrente é novelo
rodeada de sensatez.

Em percursos triunfantes
se desenrola no leito
entre as margens-amantes
que irão dar a condição
de não encontrar defeito
pela sua estruturação.

Companheiro manifestou
seus ruídos de grandeza
onde tanto ser se refrescou
se o passo é dolente
nas redes da incerteza
feição de se sentir gente.

São as águas do meu país
envolvidas num rio só
num princípio duma raiz
que cresce e lá vai veloz
num enorme desafio
de correr pra sua foz.

Que este rio é um povo
dum Portugal que se sente
procura um sentir novo
nas réstias da liberdade
para voltar a ser gente
sentindo felicidade.

António MR Martins

quarta-feira, 29 de julho de 2020

Edgardo Xavier


Edgardo Xavier, imagem na net.




656

Vivi em todos os caminhos e ardi sempre que
tive acesso ao fogo. Ser poeta é isso. Viver um
mundo ilimitado dentro de si mesmo e achar-se
nele, íntimo e inteiro, mesmo quando todas as
palavras que diga sejam incompreendidas. Ser
poeta é sentir a verdade que ainda se não vê ou
inventar a que, depois de si, andará no coração
do povo.

Edgardo Xavier, in “Não pises as formigas”, página 37, edições Modocromia, Fevereiro de 2020.

domingo, 26 de julho de 2020

Memórias inesquecíveis


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O pensamento desalinha-se no infinito
ponto fulcral para abrangência
e a díspar sequência de imagens
salpica os meandros da memória.

Urge decantar a mente
num afinar de lembranças
como filtro para chá puro
num rastreio sublime
e na plena amplitude do seu paladar.

Assim me foco em ti.

António MR Martins

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Alberto Pereira







Alberto Pereira, imagem na net.




V

Não venhas agora,
as árvores tremem nos móveis
e a tempestade não adormeceu na cama.
Os lençóis assobiam o teu nome
e dizem os retratos,
os pássaros são barcos para a insónia.

Não venhas agora,
as paredes hospedaram o vento
e nos atris os versos dançam falésias.
Há livros com janelas doentes
e as histórias agasalham-se no nevoeiro.

Não venhas agora,
as paisagens passeiam naufrágios
e Agosto está numa cadeira de rodas.

Quando regressares,
os dias estarão sós.

Alberto Pereira, in “Viagem à Demência dos Pássaros” (CRÓNICAS DO NEVOEIRO), página 54, edições {glaciar}, 2017.