terça-feira, 31 de março de 2020

Esperança no novo dia


Imagem na net.




Na tosca mania da rejeição
se situa o plano da atitude,
há que permanecer confinado 
deixando as borboletas voar,

também as aves aludem
a esta conformidade assertiva
no seu planar sobre as águas
que revestem a cidade.

A bruma surge amiúde
a cada amanhecer
trazendo novas tristonhas
que as nuvens querem esquecer.

“Ontem, hoje e amanhã”,
como diz a letra da canção
que a esperança nunca falte,
e que o vento traga notícias
que transbordem de emoção,
envolvendo de delícias
o sonho que no imo decalque
o nosso eterno talismã.

António MR Martins

Março de 2020

quinta-feira, 26 de março de 2020

Jorge Arrimar


Jorge Arrimar, imagem na net.




Beber a baía

Bebemos chá
De jasmim
Da colheita mais recente

Quando o calor deixou
De soprar do sul
E as portas foram trancadas
Pelos velhos guardiões

Nessas tardes, as anémonas
Agitavam-se ao largo
E eu, para te acalmar, dava-te
De beber a baía
Com a concha das mãos

Jorge Arrimar, in “RAEM 20 Anos”, Poema 14, edições Casa de Portugal em  Macau, Novembro de 2019.

terça-feira, 24 de março de 2020

Máscara de sabão


Imagem da net.




Envolve-nos um metro
na distância da tranquilidade,
mas nada nos protege deste dilema.

Não podemos definir estratégias
pela transpiração dos póros
neste calor que nos aperta
e abrasa todos os sentidos,
nem as mãos podemos levar aos olhos,
nem limpar os cantos da boca,
enquanto as gotas do suor
caem a espaços de loucura.

Vemos um grupo maior que o nosso duo
a cerca de cinquenta metros,
são mais de vinte humanos
desumanos.

Não há possível fuga ao desespero
porque sempre nos acompanha.

Temos as narinas expostas ao vento, 
as bocas em sobressalto
e os olhos assustados pelo medo,
porque todas as máscaras derreteram,
quiçá feitas de sabão (ph neutro).

Chega-nos o aroma duma farmácia
não concebida
e o álcool em gel é a esperança
para tamanho desvario.

Mas este cheiro a farmácia
jamais será o mesmo!...

António MR Martins

Março de 2020

sábado, 21 de março de 2020

Ondjaki


Ondjaki, imagem na net.



NA FOZ DO RIO KWANZA [26/6/03]

a foz – lugar que te quero mostrar um dia
irmos lá ver as margens e espreitar
os mangais verdes
perto de uma água lisa
bonita de os pássaros e as árvores e as nuvens
se espelharem nela, nessa água bonita
mostrar-te as margens brancas
e uma língua extensa de areia onde
a margem do rio
toca
a alma salgada do mar.

um rio lindo
de se deitar os olhos

kwanza
é o nome dele.

Ondjaki, in “Materiais para confecção de um espanador de tristezas”, página 53, edições Caminho, outras margens, Janeiro de 2009.

quarta-feira, 18 de março de 2020

Rude peleja


Imagem na net.




A paisagem emoldura-se 
de subtis contingências
e as entradas e saídas 
reduzem-se à ínfima contagem

o desalento traz o porvir
da fronteira do desencanto.

Congeminar com destreza
a pertinaz cura
perante o cerco,
que em cadência
se vai impondo,
é necessário.

Há que cuidar
de cada um dos indivíduos
e todos eles
se prontificarem no cuidado
de cada indivíduo isolado.

A rude peleja persistirá
porque o adversário
tem a manha de toda a resistência!...

António MR Martins

Março de 2020 

domingo, 15 de março de 2020

Imperfeição humana


Imagem na net.




Rasam as tábuas do desconforto
e os corpos que nelas se deitam
moldam seus ossos
ao destino do próximo sono,
jamais dormido.

A turbulência da mente
antagoniza o paradigma
da perfeição.

Entre os humanos
ninguém é perfeito.

Nem Trump,
nem Jinping,
nem Marcelo…

nem eu!... 


António MR Martins

Março de 2020

sábado, 14 de março de 2020

Quarentena na praia




Praia de Carcavelos. Foto Diário de Notícias.



O vasilhame transborda
a líquida realidade
pela sui-generis
acumulação de ideias,
espalhando na pele
a cremosa solução de combate
ao maléfico sentido viral.

Os transeuntes da liberdade plena
deleitam-se na praia de Carcavelos.

A areia acolhe as idiotices
transformando-as, 
no tempo morto,
em partículas semelhantes
à pequenez de seus grãos
e a água limpa
as nódoas do sofrimento
do asqueroso mal
pela sua irrequieta ondulação.

O desespero torna-se acalmia
até ao penúltimo momento!...

António MR Martins

Março de 2020

sexta-feira, 13 de março de 2020

Vai haver amanhã


Museu do Amanhã, imagem na net.




As tréguas são blasfémias
à passagem de cada navio
aglutinador.

Tudo passa a ser o centro das atenções
nos cruzeiros inesperados
onde os corpos se esquartejam
lentamente

e o “puzzle” descompleta-se.

A gaiola é a prisão
das aves do sonho

o voo fica pendente
de todos os ventos
da mudança ansiada.

O homem vai sonhando
e o tempo vai avançando.

O dia que segue
é amanhã!...

António MR Martins

Março de 2020

quarta-feira, 11 de março de 2020

Alucinante desvio


Imagem da net.




Assumem inaudíveis decibéis
as irreverentes
gargalhadas do desprazer.

Tornam-se aguerridas
as forças da audição

todas as outras
se encontram em relativa
inesperada manutenção.

Os espelhos não se atrevem
a digitalizar as imagens
que lhe surgem pela frente.

Um corrupio de vozes desafinadas
tenta decifrar o indecifrável

e a montanha
continua à espera de parir 
o tal rato!...

António MR Martins

Março de 2020

quinta-feira, 5 de março de 2020

Ana Cristina Alves




Ana Cristina Alves. Imagem facultada pela autora.




Felicidade

Um pinheiro espreita-te da janela
Espalha o verde na tua alma.
Com tanta calma.
Agradeces a cortesia.
Só numa árvore encontramos
toda a sabedoria.
Ser feliz é tão fácil,
quando o sol se despe
do calor de verão,
dando corda ao relógio do mundo
com magia e exatidão.

Ana Cristina Alves, in “RAEM 20 Anos”, Poema 1, com ilustração de Carlos Marreiros, edições Casa de Portugal em Macau, Novembro de 2019.

terça-feira, 3 de março de 2020

Ultimada hecatombe


Imagem na net.


Tocam os sinos
que ultimam a derrocada
dos palácios
da soberba clandestina
vomitada em todos os recantos
da discórdia permitida.

Desconstroem-se as ilusões
adquiridas pelo dinheiro
dos sacos azuis e de todas as cores
e a disparidade
tende a tornar-se igualitária.

Tudo se derruba
numa naturalidade exponente    
e a destruição se completa
por breves momentos
e a igualdade assume-se
pela morte que esbraceja
em plena liberdade.

António MR Martins

Fevereiro de 2020

segunda-feira, 2 de março de 2020

Angústia


Imagem na net.



O desagravo territorial
não desprende a efervescência
intemporal do imo.

Os semblantes
desmascaram-se amiúde
e percorrem despidos
espaços proibidos a sol aberto.

As cores desvanecem 
envolvendo-se de acinzentados clamores
e a impaciência enraíza-se
no poente da solidão.

Até as aves 
amedrontadas
tornam seus cantos mais sombrios.

António MR Martins

Fevereiro de 2020