sábado, 13 de janeiro de 2024

Futuro duvidoso

 



Cerram os dentes pelo frio
que investe com as lides do inverno
tremem músculos da incerteza
pela flacidez da rigidez de outrora
sem pejo do sentir atordoado
dos corpos que envelhecem.
 
Coroam-se os sentidos das coisas
sem se recolherem os parâmetros válidos
dessas contendas
e a escuridão aproxima-se a passos largos
num tempo imparável
a todos os estragos
uns levianos
outros adulterados
e aqueles que são os da própria vida.
 
Os tiros sem preceito
empobrecem a ira dos desavindos
e a prepotência dos incongruentes
num completo desalinho.
 
A riqueza exibe-se
e a pobreza evidencia-se
nos caminhos rudes da fome
e das feridas jamais solicitadas.
 
As páginas da existência
estão a acabar
e a leitura dos versos dessa evidência
ultimam a sua história.
 
Tudo se transforma
mas deseja-se que essa alteração
seja benéfica à Humanidade
o que tristemente
e amargamente
não se vislumbra.
 
António MR Martins

Imagem na net.

terça-feira, 15 de agosto de 2023

Há moscas e moscas


Imagem da net.

 


Salta uma mosca perdida
na magra cara de um homem
e outra voa escondida
pelo espaço onde dormem
 
Poisa outra numa orelha
ele se irrita de forma tosca,
franze então a sobrancelha…
ó homem estás com a mosca?!
 
Responde sem ter preconceitos
e diz em sentido arrogante:
- Vai-te encher mas é de moscas!
 
Perante tamanhos defeitos
deixaram o local errante,
ficando vazio… às moscas.
 
 
António MR Martins

terça-feira, 2 de maio de 2023

Longe

 

Macau visto da Taipa (à noite). 
Foto de António Martins.


A distância não permite

desacatos nas margens da intimidade

e o empolgante fulgor rareia

na passagem da intemporalidade

de todos os meandros dos corpos.

 

A lonjura pressupõe ambiguidades

na ansiedade dos âmagos

e o rigor transcende

todos os condimentos

intrínsecos ao explanar do tempo.

 

Para lá de todos os montes

mares e rios

restam os caminhos saturados

pelo percorrer contínuo

de um passado

que não atenua o distante.

 

Há sempre um bloco de gelo

que se quebra calmamente

ao apertar dos dias soalheiros

pelo nervosismo quente

ou pela ânsia irreverente

dos raios solares expostos

a todas as circunstâncias.

 

António MR Martins

Macau, 2023.02.03


sexta-feira, 28 de abril de 2023

Uma boa noticia!!!

 

Mesmo distante de Portugal, surgem-nos notícias muito agradáveis, como esta que vos passo a informar.
Recebi um mail, oriundo do Brasil, do qual vos passo a indicar parte do conteúdo:
- Alguém, em nome de uma editora que elabora livros para o ensino, me solicitava o seguinte: “O editor gostaria de utilizar o seu poema “Tabela Periódica” no seguinte trabalho para a área das Ciências da Natureza e suas Tecnologias: Física, Química e Biologia, do Ensino Médio, Primeiro Ano”.
O livro terá o título (ainda provisório) de ‘Coleção Cidadania – Livro Integrado’, sendo uma edição colectiva, impressa e digital, com o número de cinco mil exemplares, para um prazo de 5 anos.
Claro que autorizei a publicação, da qual, em breve, receberei o respectivo ‘pdf’.
Agora a curiosidade da descoberta deste poema na net, pelos interessados, que ocorreu no site Luso-Poemas, onde comecei a divulgar as minhas palavras no ano de 2008 e já o publiquei há diversos anos, naquele sítio, sob a condição de outro aspecto muito curioso:
- Este poema, e alguns mais, escrevi-os segundo solicitação do meu filho, ainda solteiro e a residir em Portugal (depois, algumas solicitações chegaram, também, a partir de Macau).
Houve uma temporada em que o Gonçalo saia de casa para trabalhar, ou para ir para a faculdade, e antes de o fazer, me dizia: “Pai, hoje escreves um poema sobre o Lince Ibérico, hoje escreves sobre o cinzento, hoje sobre os Minérios não metálicos em Portugal, etc… e um dia houve em que me indicou para escrever sobre a Tabela Periódica, e aconteceu o seguinte:
 
Tabela periódica
 
Dispõe elementos químicos
discernindo comportamentos
em rácios bioquímicos
estando a eles atentos
 
de entre suas moléculas
dos átomos a energia
deles duvidam abéculas
entre textos de poesia
 
subentende-se a sensação
de tamanha felicidade
energia de ionização
ou electronegatividade
 
sabem-se as propriedades
sistemática disposição
entre tantas veracidades
raio iónico avaliação
 
são várias as suas séries
nos grupos dos lantanídios
onde causam intempéries
ao encontro dos actinídios
 
 
António MR Martins
 
 
 
Valeu a pena a insistência e, sobretudo, a brincadeira.

sábado, 8 de abril de 2023

Visita ao Museu do Grande Prémio de Macau

 

Gonçalo Lobo Pinheiro / LUSA


Nos bólides a esperança
ou o narcisismo de cada conquista.
 
Os motores estão silenciosos
nestas máquinas em exposição
levando-nos para um imaginário
dos agridoces ruídos nas curvas
e das acelerações incontidas a cada linha contínua
sem desgastar as ansiosas emoções
dos sagazes e profícuos condutores.
 
Depois há os nomes
dos registos anuais em cada nova prova
na relevância historial de cada prémio realizado
e dos troféus ganhos
num evento com sessenta e oito anos de existência.
 
Tantos aplausos
tantas bandeiras
por entre a multidão da euforia
e o rebuliço de uma vitória em cada circuito.
 
Há por aqui pedaços enormes de múltiplas vidas
pelos laboriosos movimentos no asfalto
onde os motores parecem trabalhar compassados
como deveriam bater todos os corações.
 
António MR Martins

quinta-feira, 30 de março de 2023

Parque infantil

 

Imagem na net.


Giram conceitos vários
de pais e crianças suas,
os avós não são otários
e petizes almas cruas.
 
O Chen baloiça na roda
num desconcerto de bradar,
a Vitória está na moda
e o Yuri quer saltar.
 
A Sophie busca as cordas
que por ali não encontra,
Gonzalo mesmo nas bordas
Para brincar é do contra.
 
Tomás sobe escorrega
ao invés de nele descer,
Afonso descer não nega
mas também se quer esconder.
 
Alice tem seu proveito
de subir ao ponto alto,
grita sempre do seu jeito
para depois dar um salto.
 
Há quem procure escadas
outros túneis escondidos,
lugar dos sonhos e fadas
onde alguns vão perdidos.
 
Com tantos divertimentos
todos podem assim brincar
e por diversos momentos
não sentem o tempo passar.
 
Vêm meninos e meninas
ao parque da diversão
e as coisas pequeninas
lhes parecem imensidão.
 
Todos os dias neste local
as crianças harmonizam,
num fulgor sem ter igual
e elas com tudo brincam.
 
António MR Martins       

quarta-feira, 29 de março de 2023

Cogitações irregulares do quotidiano

Mussolini e Hitler, imagem na net.

 

Aquecem as palavras loucas nestes dias
agudizando sentires de tanto peito,
dentro de parâmetros vis e hipocrisias
que tantos frágeis corações tem desfeito.
 
Ondas de fumaças espalham-se pelo ar
num aperto sôfrego que tudo censura,
a escuridão de antanho começa a pairar
com laivos raivosos mumificando a ternura.
 
Esfregam de contentes as tenazes de suas mãos
as fascizantes torcidas doutros seus irmãos
que fazem renascer chamas mortas e seu lume.
 
Abram os olhos e coloquem-se a postos
há mais coisas além das taxas e dos impostos
“há no ambiente um murmúrio de queixume…”  
 

último verso,  

Camilo Pessanha

 

António MR Martins
RAE Macau, 2023.03.29

segunda-feira, 27 de março de 2023

Fétida censura

 

Coloane, na sua envolvência. Foto de António Martins.


Todas as palavras ficaram retidas
no ancoradouro do cais da solidão
entre as arestas do tempo
e a ondulação precoce
onde as margens consolidadas se envolvem
no intenso descoordenar
dos artífices da memória.
 
A validade é intemporal
perante a estranheza a tanta conformação
e as multidões dispensaram todos os valores
passando à existência
de casos isolados na efemeridade.
 
Dizem uns…
“que a memória é curta”
mas mais quererá parecer
nunca a memória ter existido.
 
António MR Martins  

quarta-feira, 1 de março de 2023

Fosse Lisboa agradecer ao Tejo

 

Lisboa, a ponte, o Tejo e o Cristo-Rei, por Antonio Maertins.


Fosse o mar desentendido
por onde um rio lhe desagua,
perante percurso já esquecido
em água transparente e nua,
como singelo mar mais distraído
pelo rastilho do sinal da lua.

 
Fosse espraiar desinibido
pleno de alegria que magoa,
ante o rumo sempre batido
nas margens de fertilidade boa
ou num provérbio pervertido
de pensamentos sempre à toa.
 
Fosse esse mar um oceano,
por desígnio, o Atlântico,
onde a bandeira desce seu pano
e o fado ecoa seu cântico
sobre qualquer retorno insano
ou simples impulso quântico.
 
Fosse último verso-poema
frágil ou forte, que não destoa,
incansável, distante seu lema
de aprumo eficaz por coisa boa,
no pranto de um Tejo que é tema
quando se curva por Lisboa.
 
 
António MR Martins

terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Vítor Cintra

 

Apresentação do livro "Memória das Cidades", de Vítor Cintra
e do livro "Máscara da Luz", de António MR Martins, em Góis, 
na Casa da Cultura. 9 de Junho de 2012. 

No dia do 82.º aniversário (10 de Janeiro de 2023) do nascimento do saudoso poeta e amigo Vítor Cintra deixo-vos um seu poema. E como conheço esta bela cidade brasileira, fica a mútua homenagem. Saudades, muitas! Até um dia, meu bom e inesquecível amigo!...

 
RIO DE JANEIRO
 
Cresceste no sopé do Corcovado,
Cercando o Pão d’Açúcar e a Lagoa,
A ver subir nos morros, mesmo ao lado,
Casebres dos mais pobres, gente boa.
 
Quem te olha, lá do alto, deslumbrado
Perante uma beleza, que magoa,
Acaba por ficar apaixonado,
Sentindo que a paixão não surge à toa.
 
Nos dias em que o vento está parado,
Há sempre uma asa delta, que alto voa,
Planando desde a Gávea a São Conrado.
 
E até de cada morro arborizado,
Todo esse encantamento, que se escoa,
Nos faz sentir num mundo enfeitiçado.
 
 
Vítor Cintra, in “ Por Terras de Vera Cruz”, página 9, edições Lua de Marfim, Colecção Lua Nova, Outubro de 2013.


Os caminhos da Natureza

 

Imagem na net.


Não olhes para mim desse modo,
que as andorinhas continuam a voar
à chegada do inverno.
 
Não fales para mim assim,
que o vento continua a galgar
penedos e serranias.
 
Não sorrias dessa maneira,
que a chuva cai mais forte
deixando a ligeireza de antanho.
 
Não me dirijas gestos desses,
que o sol queima quando se expõe
e tudo esfria quando se encobre.
 
Não me sobressaltes os sentidos,
pois a lua vem madrugar, suspensa na noite
que antecede cada manhã.
 
Afinal tudo está como dantes,
embora de forma diversa,
e as nuvens caminhando
segredam entre si
que as águas dos rios
correm para a foz
que lhes foi destinada.
 
Tudo o que resta e tanto mais
é a vida,
que nos acompanha.
 
 
António MR Martins

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Conceição Oliveira

 

Capa do livro "A Palavra e o Fogo", de 
Conceição Oliveira, Modocromia, 2022.


VII

 
Meus olhos,
abertos à confluência
das mágoas,
serão testemunhos desse abraço.
 
Rebuscarei nas memórias,
as mais sentidas,
irei ao encontro de um sonho
cumprirei a saudade.
 
Saudade dos nossos heróis.
 
Afastarei as névoas
do esquecimento…
 
Som de águas como fundo
e passos determinados
de gatos – heróis,
trá-los-ei até mim.
e abril, será.
 
 
Conceição Oliveira, in “A Palavra e o Fogo”, página 31, segunda parte – da saudade, edições Modocromia, Colecção A Água e a Sede, Dezembro de 2022.      

domingo, 1 de janeiro de 2023

Ano dos noves fora sete

 

Imagem na net.


Como passam lestos os anos
sendo seus dias catadupas de tantos sentidos
as díspares horas rápidas efemeridades
os minutos pensamentos contínuos
e os segundos vias de ansiedade acumulada.

Tudo é efervescente a cada dia
desde o acontecer malévolo
à sólida correnteza benévola
que a vida também tem
coexistindo com a infelicidade
e a felicidade dos seres humanos.
 
Lágrimas vertidas
e gargalhadas exultando êxtases
apertos de mão, beijos e abraços
entre estaladas e pontapés
que o desenrolar da nossa existência
vai acarinhando ou espezinhando.
 
O tempo corre indiferente
aos dias de chuva e aos dias soalheiros
aos ventos e às securas
às guerras e à paz
ao amor e ao desamor
à perfeição e à imperfeição
ao apreço e ao desapreço
à ilusão e à desilusão
a tudo o que nos rodeia e sentimos.
 
E esta envelhecida carcaça caminha lenta
num pausado andar tímido
no destino da foz da vida
com os atropelos habituais
e as surpresas
que sempre alimentam a esperança
que nos dá a lucidez para este caminhar.
 
António MR Martins

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Lília Tavares

Capa do livro "casa de conchas", 
de Lília Tavares.

 

 
À SOMBRA DO SAL – II
 
Contigo escutei os gritos das gaivotas no rochedo
maior, naquela que era a rainha das escarpas da praia
verde. Choravas.
Porque gemiam areias na solidão que mordias e os
homens voltavam nos barcos e pescavam a morte
como peixes sombrios.
Sobre o timbre dos ventos falaste em verso nas
janelas da noite em que o arvoredo se curvava sobre
as canções do mar.
 
Lília Tavares, in “casa de conchas”, página 30, edições Modocromia, Colecção Mão de Semear, Livros Lília Tavares, Março de 2022.    

domingo, 4 de dezembro de 2022

Epílogo

 

´
Imagem na net.


Sinto as dores da conformação
onde a palavra já não mexe
e o apêndice de cada verso
tem uma fugaz presença
no apagão das memórias
 
as brancas inodoras
essas permanecem
como devaneio do seu estatuto
 
cada princípio tem um fim
dizem
 
mas não ultimem a palavra
 
ai
estas dores não abalam
e a resistência
não tem a força de outrora
 
os registos já não existem
e a consonância
do que já está feito evapora-se
 
sinto as dores do conflito
das gerações esquecidas
na omissão de cada poema
 
os laços afectam a mediocridade
sem sentido qualificativo
e em quantidades efémeras
 
tudo é passageiro
ao fim e ao cabo
 
ai
como as dores
penetram em meus ossos
num aguçado percurso
em maldição exasperada
 
nada parece ter sentido
 
ficam as palavras apertadas
pelo nó da discórdia
e na envolvência do verso
que anseia pela liberdade
 
 
António MR Martins