terça-feira, 28 de setembro de 2010

Corpo...

Suave...
no veludo que se bebe
no transpirar que transcende
o gemido
o sussurro
o calar o som no grito
em corpo que se agita
na vaga que o contempla

Movimento...
consentimento que seduz
impera em doce curva
olhar que geme
no agarrar o desprendimento
do ar em doce lira
música ondulante
perene canto...

Aqui...
hoje assim...

Una em mim
esculpida na libido
que sou em Ti
Mulher
Feiticeira alada
que em alma
se redescobre
em táctil corpo... silenciada!

Ana Fonseca Sousa

A palavra pereceu (pura ficção)

Me entonteceu o declinar da palavra
sem a plausível justificação para tal;
senti no sabor a boca bem amarga,
num paladar tão diverso e desigual.

Revolveram a falta do valor imenso,
que representa a escrita num papel;
omisso num contexto não propenso
e tão sentido como tela sem o pincel.

Esqueceram as metáforas e as vogais,
consoantes, sílabas e as preposições,
adjectivos e as conjugações verbais.

Não foram permitidas mais ilações,
nunca mais legendaram os vitrais
e deixaram de emitir as certidões.


António MR Martins

foto in http://www.lavanderiavirtual.com/2007_10_01_archive.html (na net)

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Outono...

Não sei porquê
O dia pesa mais
Os fios de neve
São demais
A alma não está leve

Não sei porquê
O dia nasceu cinzento
Nunca pesaram os dias cinzentos
A alma está amarga
E o dia acerbado padece

Com a morrinha húmida
O carpido das folhas amareladas
Que anunciam a queda franca
De quem sabe que é para sempre
De quem sabe que a terra espera
Pelo decompor da vida

Não sei porquê
A arvore está feliz
Balança-se ao vento em adoração
Os ramos riem com os pássaros
Eu olho impávida

Não me choca aquele balançar
Como que adivinhando
O meu pensamento afoito
Uma folha cai ao chão

Ouvi o seu deslizar suave
No momento exacto em que tocou a terra
Parece que me disse
Para o ano voltarei em seiva viva
Que alimentará a primavera.

Não sei porquê
Os fios de neve deixaram de pesar.


Antónia Ruivo

domingo, 26 de setembro de 2010

Poema do conto sem ponto

Tenho um conto
Segue-se um ponto

Tenho outro conto
Que não é conto

E neste ponto
Fico sem conto

Eis que me afronto

O ponto
Não é ponto

E o conto
Já não conto

Sinto que estou a ficar tonto


António MR Martins

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

86

A dor é líquida e escorre pela pele,
como de uma jarra sobre a mesa,
a cor de um corte.

É muito mais, no entanto:
é muito mais
que este poema que não escrevo
e que se derrama no papel
e escorre nos azulejos.

Sei apenas da poesia que deixou de ser,
das ruínas, dos escombros,
apenas das noites cortadas pelas tempestades.

Sei apenas do que não existe,
do que para sempre desapareceu,
como desapareceram as águas nos cântaros.

Mas não sei do que me escapa ao olhar,
nem das últimas preces das mulheres
que se deixam morrer.

Álvaro Alves de Faria

in livro "Este gosto de sal" (Mar português), edições Temas Originais

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Viver a vida morrendo de amor

Intervenções do raciocínio
Foram alteradas em desalinho
Por entre estigmas das ocorrências

Actos tidos sem contorno
Num alinhar assaz consistente
Onde se alvitrou o sentir maior

Semblante de total fascínio
Do ser transpirado em carinho
No deleite de todas as eloquências

Apoderado pelo transtorno
Foi na forma mais inteligente
Que desfolhou todas as páginas sem valor

Acorrentado pelo domínio
Esquecendo o superior vinho
Se desfez de todas as conveniências

Nada é figurativo ou adorno
Para todo aquele que sente
A pura envolvência do amor

Amar com todas as veias
Pelo sangue que nelas corre
Num coração sem ameias
E nas lágrimas que tal jorre
O amor que tantos permeias
Perante aquele que de ti morre

António MR Martins

imagem in http://fernananda55.blogspot.com/2009/01/bom-sonhar.html

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

espero

se soubesses as palavras amordaçadas que ainda não te disse virias para as ouvir e eu tatuava na tua pele o meu cheiro. soletravas o meu toque no teu corpo para assim durar eternamente e o sopro da tua boca, em mim, seria mais ténue e suave que o vento que nos envolve.

Gonçalo Lobo Pinheiro

O direito à diferença

Há uma margem desabitada
No preâmbulo da angústia
Sinal indefinido de evidências

Há uma réstia de um sabor
No âmago da discórdia
Contemporizando com a amargura

Há a proveniência
Das decisões discernidas
Na intenção da intocabilidade

Há o fragor
Implícito na abundância
Que aqui se torna de todo descabida

Há um tempo que morre
Na resolução do acabado
Na insanidade do desrespeito

Há outro tempo que ora nasce
No prelúdio da alvorada
Como tonificante para a busca do futuro

Tudo se transforma a preceito
Na evolução das vivências
Às vezes por mero defeito
Ou então nas consistências
Mas cada coisa tem seu jeito
Muito para além das aparências

António MR Martins

imagem in http://aromasdeportugal.blogspot.com/2008/05/direito-diferena.html (na net)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Ruínas...

Ruínas que ficam em nós… por mais que o tempo corra…
…marcas de um passado que nada mais é do que isso…
…mas que apesar de tudo… será sempre nosso…

Alicerces cravados na alma que somos
…sem intenção de querer partir...
…na certeza que não lhes podemos fugir
…na demência do que nos faz sentir…

Pedras velhas… gastas pela vida
…a nossa vida… esta minha e tua…
…marcada num momento…
…vivida em qualquer rua…
…abandonada no espaço de tempo…
…em que me largaste ao esquecimento …

Raízes que se vão apoderando…
…do que não é seu para apoderar…
…de uma alma por curar…
…de uma vida por recuperar…
…de um mundo por resgatar…

Ruínas o que temos…
…não quem somos…
Alicerces em nós…
…mas que se podem derrubar…
Pedras velhas que nos rodeiam…
…mas que se podem restaurar…
Raízes bem profundas…
…mas que se podem arrancar…

Isabel Reis

Luzes de Esperança

Do peito
Me aperta o canto
Um aperto que não é dor

Uma mescla
De quase pranto
Onde se envolve o amor

Saudades
Que me tormenta
Da ausência sempre presente

Felicidades
De que se alimenta
O prosperar de nova vertente

Do peito
Me saem as provas
Desta união permanente

Um misto
De sensações novas
Que evocam passado e presente

Sede de um sentido perdido
Num caminho para uma foz
Ausência que perde sentido
Da contínua presença em nós
Perante o que me é permitido
No futuro vibrar de tua voz

António MR Martins

foto do Largo do Senado, em Macau, by Gonçalo Lobo Pinheiro  

sexta-feira, 3 de setembro de 2010

MADRUGADA

A madrugada chegou mais cedo
P’ra me contar muito em segredo
Que o Mar já não sabe cantar
E as ondas o não querem tocar.
Bateu-me à porta, esbaforida
Toda rasgada, noite em ferida
Temendo o Sol e a queimadura
Da sua raiva vestida amargura.

Madrugada de paixão
Guardas-me o perdão
Que tanto nego, noite fora
Como se ontem fosse agora
Madrugada de ilusão
Esconde-me na escuridão
Dos meus olhos, que me fitam
Dos meus medos, que me gritam
Arrasto gasto no chão
Este resto de perdão
Que piso e deixo ficar
A noite toda a chorar

A madrugada não quis entrar
Que tinha que ir, sem demorar
Deixou em lágrimas o seu recado
De dor e saudade de um passado
Em que rios corriam nos leitos
Rasgados bem fundo nos peitos
Forrados de paz, de ternura
Rocha de amor, pedra mais dura

Madrugada de tormento
Guardas-me o sofrimento
Que tanto nego, noite fora
Como se ontem fosse agora
Madrugada de lamento
Esconde-me por um momento
Dos meus olhos, que me fitam
Dos meus medos, que me gritam
Arrasto gasto no chão
Este resto de perdão
Que piso e deixo ficar
A noite toda a chorar

A madrugada, deixei-a ir
Que tinha mesmo que partir
Roubou-me as mágoas da vida
Levou-as em viagem só de ida
De recibo deixou o sorriso
No perdão que tanto preciso
E um recado vestido de calma
Escrito sem tinta, na minha alma

Madrugada de esperança
Guardas-me ainda criança
No meu escuro, noite fora
Como se ontem fosse agora
Madrugada carregada
Levas-me a mágoa, pesada
Dos meus olhos, que te fitam
Dos meus medos, que te gritam
Arrasto grata cada dia
Este resto de magia
Que sinto e deixo ficar
A noite toda a cantar

Goreti Ferreira

Pobreza sem retorno



No passeio do esquecimento

Reduzido à insignificância

Estacionou sem um lamento

No rasto da relevância

Um homem sem cabimento

No mundo da abundância


António MR Martins

imagem in http://www.aosseuspes.com/Alguns-Tesouros/Pobreza-ou-Abundancia (na net)