sexta-feira, 24 de setembro de 2010

86

A dor é líquida e escorre pela pele,
como de uma jarra sobre a mesa,
a cor de um corte.

É muito mais, no entanto:
é muito mais
que este poema que não escrevo
e que se derrama no papel
e escorre nos azulejos.

Sei apenas da poesia que deixou de ser,
das ruínas, dos escombros,
apenas das noites cortadas pelas tempestades.

Sei apenas do que não existe,
do que para sempre desapareceu,
como desapareceram as águas nos cântaros.

Mas não sei do que me escapa ao olhar,
nem das últimas preces das mulheres
que se deixam morrer.

Álvaro Alves de Faria

in livro "Este gosto de sal" (Mar português), edições Temas Originais

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