quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Paulo Assim

 




 [Não te esqueças]


Não te esqueças – dizia-me a minha mãe –

de estender os teus poemas na varanda:

fechados, ganham ferrugem e não soam muito bem aos ouvidos;

fechados, tilintam conforme metais impuros das metalurgias

e têm a cintilação embaciada de zebre das estrelas longínquas.

Fechadas, as palavras amolecem e pegam-se umas nas outras,

tornam-se difíceis de articular, enrolam-se na mecânica

das línguas.

Fechadas, em vez de leres liberdade lês obscuridade

e em vez de leres amor lês bolor.

Eu sei, mãe, eu sei.

As palavras querem-se ao sol.

A poesia quer-se ao vento.

 

Paulo Assim, in “Árvore Genealógica”, página 36, edição Núcleo de Artes e Letras de Fafe / Labirinto, obra vencedora da primeira edição do Prémio de Poesia Soledade Summavielle, instituído pelo Núcleo de Artes e Letras de Fafe, Junho de 2014. 


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