João Paulo Esteves da Silva, imagem da net.
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Estou vazio, nada a fazer, resta-me só
ficar calado no canto
Rezar que algo venha em visita com o
descanso de coisas rápidas
Vou lento contra as superfícies mais
baças, chego atrasado, sem ritmo
Vivo na fracção de segundo depois de cada
momento
Dou imensos erros de ortografia, os dedos
não acertam nas letras
Havia uma criança que se queria matar e
não sabia
Acelerava pela encosta abaixo até perder
a pedalada e tudo se apagar
Vou contra o escuro que se fez nos olhos
dela
Vê se me ligas à corrente, que possa
acordar longe do bloco de trevas
Separo o espaço em duas metades, há uma
prateleira branca
As cores passam por cima e por baixo,
eléctricos, comboios
Está muito escuro dentro do meio, o
branco apaga-se por dentro
Saio, atravesso as ruas, ainda vazio,
chove dentro dos bolsos
Com a noite, com o acender das luzes,
quebra-se um pouco a vontade
De animal encurralado a empurrar a
criança encosta abaixo
Formam-se poças extensas na calçada, fico
a olhar os brilhos
Sinto afinar-se a linha divisória,
afasta-se, apresso o passo, quase acerto
No que se vai dando, o chão sujo e
molhado aparece-me belo
Sigo o inverno, a primavera fica bem na
fotografia das férias
Acordar vivo no quarto dos avós no dia
mais luminoso da memória
Sem medo de molhar os pés, sinto a areia
a cair do alto
Pela espinha abaixo, vou-me sentar na
beira do passeio e agradecer
João Paulo Esteves da Silva, in “ Vertem-se Bíblias em Quimbundo”, s/n.º de página,
edições Miasoave, 2017.
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