sexta-feira, 4 de outubro de 2019

João Paulo Esteves da Silva


João Paulo Esteves da Silva, imagem da net.





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Estou vazio, nada a fazer, resta-me só ficar calado no canto
Rezar que algo venha em visita com o descanso de coisas rápidas

Vou lento contra as superfícies mais baças, chego atrasado, sem ritmo
Vivo na fracção de segundo depois de cada momento

Dou imensos erros de ortografia, os dedos não acertam nas letras
Havia uma criança que se queria matar e não sabia

Acelerava pela encosta abaixo até perder a pedalada e tudo se apagar
Vou contra o escuro que se fez nos olhos dela

Vê se me ligas à corrente, que possa acordar longe do bloco de trevas
Separo o espaço em duas metades, há uma prateleira branca

As cores passam por cima e por baixo, eléctricos, comboios
Está muito escuro dentro do meio, o branco apaga-se por dentro

Saio, atravesso as ruas, ainda vazio, chove dentro dos bolsos
Com a noite, com o acender das luzes, quebra-se um pouco a vontade

De animal encurralado a empurrar a criança encosta abaixo
Formam-se poças extensas na calçada, fico a olhar os brilhos

Sinto afinar-se a linha divisória, afasta-se, apresso o passo, quase acerto
No que se vai dando, o chão sujo e molhado aparece-me belo

Sigo o inverno, a primavera fica bem na fotografia das férias
Acordar vivo no quarto dos avós no dia mais luminoso da memória

Sem medo de molhar os pés, sinto a areia a cair do alto
Pela espinha abaixo, vou-me sentar na beira do passeio e agradecer


João Paulo Esteves da Silva, in “ Vertem-se Bíblias em Quimbundo”, s/n.º de página, edições Miasoave, 2017.

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