domingo, 28 de fevereiro de 2021

Minha sombra

"A sombra", por António Martins.

 

Sem rodeios de te salientar
ou simplesmente omitir
quando te vejo no meu caminhar.
 
Umas vezes à frente, outras atrás,
ou ladeando-me…
isso tanto faz!
 
És companhia que amiúde me enleia,
fazendo sentir-me aranha
saltando em sua teia.
 
Primo o botão da minha objectiva
e registo-te no percurso
de um calcorrear à deriva.
 
Raiava o sol numa manhã menos fria
e tu junto a mim
em tanta manhã mais sombria.
 
Sem apelo nem agravo, és minha sombra
e no chão deste caminho
tua imagem de mim tomba.
 
 
António MR Martins

sábado, 27 de fevereiro de 2021

Teresa Almeida Subtil

 

Capa do livro "Rio de Infinitos / Riu d'Anfenitos", 
de Teresa Almeida Subtil.


Precipitação
 
Esperar-te-ei na imensidão e no aconchego do abraço,
sentindo-me ave de arribação, no voo
que me apetece agora ser, fazendo-me espaço,
peito onde esvoaça a minha exaltação de mulher,
mulher plena, mulher que sabe o que quer.
 
Há versos que não ouso declarar aos céus,
mas se há deus,
se há pecados, eles coabitam lado a lado
com a pureza da imaginação, semente mil vezes semeada,
de mão dada com a alucinação da palavra e a certeza
de que a fronteira mora à beira do precipício
onde reencarna a liberdade e o poema arde de precipitação.
 
Teresa Almeida Subtil, in “Rio de Infinitos – Riu d’Anfenitos” (bilingue: português/mirandês), página 64, produção independente, Março de 2017.

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Miragem

Imagem na net.

 


O sol fomentava
o brilhar das pedras
luzindo como cristais.
 
O lago espelhava
a tua face
em reflexos harmoniosos.
 
Lá longe
no alto da enorme serrania
uma voz assim clamava:
 
- Todos vós sois iguais!
 
António MR Martins

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Dinis Muacho

Capa do livro "Incensus", de Dinis Muacho.

 


Imperador
 
A boca imersa sob o capricho do vento
 
Sinuosa a curva no limite intangível
que vai da lua, ao mar, ao pensamento
sem passar, sempre, pelo visível
 
Rosa-de-fogo
no cante do solo ardente
da sinastria alquímica que flui
seda escarlate
 
vertical mente
 
 
Dinis Muacho, in “Incensus”, página 66, edição do Autor, Março de 2016.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Resistir inabalável

 

Imagem na net.


Pasmem todos os peões deste mundo

sobre a origem do veredicto final.
 
Os ramos das velhas árvores continuam
a ser depenados pelos entusiásticos ventos
tornando sua folhagem fugidia.
 
Somem as vidas desavindas
e muitas mais
de todas as outras.
 
A raiz do medo cresce
e ultrapassa o caule da verticalidade.
 
A segurança é a ténue contingência
da brevidade
e o porvir parece restar inalcançável.
 
O desespero é comum a todas as casas
e as aves do futuro longínquo
partem em debandada.
 
O último fôlego
suspira pela liberdade.
 
 
António MR Martins

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

Manuel Neto dos Santos

Capa do livro "Sob o Signo de Cibele", 
de Manuel Neto dos Santos 

 

[Palavra-imagem…]

Palavra-imagem… neste estado abstracto,

de um véu subtil, no mais subtil instante…
aponto ao coração para que vos cante
no encantamento de um olhar gaiato.
 
O peso da palavra é que equilibra a voz
num outro peso, a labareda rasgando no deserto
uma alameda de regresso à medula, à simples fibra.
 
Há quem morra pela vida traiçoeira,
não pela morte; num apagar da luz…
 
Morro pela sombra que esta voz seduz;
no cio de uma palavra. Urgente, inteira.
 
Manuel Neto dos Santos, in “Sob o Signo de Cibele”, página 57, edições Modocromia, Dezembro de 2018.
   

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Dorida felicidade

 



Imagem na net.


Das fogueiras estalantes

as fagulhas da memória

em enredos pertinentes

ardem intensamente

nas tangentes da saudade.

 

Colorem por instantes

as mágoas da maioria

e os resquícios subjacentes

polvilham animosamente

os conceitos da felicidade.

 

António MR Martins