sábado, 21 de dezembro de 2013

Álvaro Alves de Faria


Do poeta brasileiro mais português...



CARTA

 
Quando escrevi minha última carta,
não sabia que também
consumia meu último lápis.
As palavras saltaram manchadas do nada,
na última carta que escrevi
e o lápis ia aos poucos desaparecendo,
inútil como uma sombra.

Quando amanheci e enviei a carta a mim mesmo,
no endereço que desconheço,
a ao ler contive as frases esquecidas,
como se assim pudesse
compreender o que não tinha a me dizer.

Inútil trama de mim
que a mim se refere sem me sentir:
as palavras estão definitivamente mortas
no risco de um lápis
que também não sabe,
a escrever-se em si mesmo
essa carta derradeira
que me será entregue
quando não estarei mais aqui.

 
Álvaro Alves de Faria, in “Almaflita”, págs. 44 e 45, edições Palimage, Setembro de 2013.   

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