terça-feira, 29 de abril de 2014

Susana Campos




Deixa-me

Deixa-me entrar para te conhecer,
Abrir teu coração,
Caminhando suavemente,
Chegando à tua mente…
Deixa-me ver por ti as cores do mundo,
As realidades por ti criadas,
Deixa-me entrar para te conhecer…
Sentir as tuas emoções,
Sentir a tua frieza, para a compreender…
Deixa-me ver com os teus olhos a forma como me vês.
A imagem… real ou distorcida.
Deixa-me…
Sentir como te sentes,
Abraçar-te com os teus braços,
Cuidar de ti…
Acariciar-te com os teus dedos…
Deixa-me…

Susana Campos, in “Lua Azul”, página 63, edições Temas Originais, 2011.

Poema em L

(por Lisboa)

Lisboa, vista parcial - Foto de António Martins.
 

Lenitivo lilás
Libélula livre
Larva lesta
Largada lívida
Lâmina leal
Linear lancetar
Lança laminar

Lua luminosa
Lanterna lânguida
Leira legítima
Lição lema lembrança
Língua leitosa
Libente

Livro lido
Leitura lembrada
Leitor letrado
Licenciatura
Linhagem leve linguagem
Lingueta lume
Longa lei

Lago leito louvado
Lisa literatura literal

Lindo largo lisbonense
Luz lírica lisboeta
Lugar líder
Luzeiro luxento
Lusitânia lutadora leoa
Lúcida labial labareda
Lógica labuta
Lisboa 

 
António MR Martins
 

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Lita Lisboa




SILÊNCIOS

Oceanos de silêncios,
Escondem ondas dilacerantes,
Sibilando murmúrios,
Que este suave amanhecer,
Numa magia que me transcende,
Já me fez esquecer!
Hoje o dia é transparente,
Tem uma luz resplandecente
E já caminho sobre as águas,
Em ondas calmas,
Sem espaços, sem tempos marcados,
Num tempo que é só meu!...

Lita Lisboa, in “Onde os pássaros fazem silêncios”, página 32, edições Temas Originais, 2011.

Um tesouro chamado livro


Imagem da net, em: www.des1gnon.com


Observo-te ante a fome bem gulosa
de poder-te aconchegar entre mim,
tragas o sonho em verso ou em prosa
anseio-te diariamente assim.

Lendo-te ensaio caminhos diversos
no eloquente destino da palavra,
são tuas folhas amanhadas com versos
como se da terra ganhássemos a lavra.

És dos amigos… dos mais salientes
pujante luz que tanto nos ilumina
razão e verdade sempre presentes.

Na liberdade dos teus enredos culmina
a autora criação de tantas mentes
que dos livros nos fazem ter estima.

 
António MR Martins

Dia Mundial do Livro – 23 de Abril de 2014

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Hélder Leal Martins




Morrendo de sede

Desejo-te aninhada no meu peito
Quero sentir de novo o teu perfume
Encontrar no teu corpo o meu leito
Beber os teus beijos e o teu lume

Quero-te a minha casa e o meu ser
O meu porto de abrigo e o meu ninho
Aconchegar-te em cada entardecer
Adormecer-te sob o meu carinho

Sonhei-te calmo rio e és lagoa
quis-te fresca fonte e é tão boa
a água que em ti nasce de tão pura

Que só de te pensar eu fico à toa
Em busca do teu leito qual canoa
Morrendo de sede e de loucura.

Hélder Leal Martins, in “Até ser dia”, página 42, Editora Cidade Berço, Novembro de 2013.

Abril atraiçoado


Imagem na net, em: www.blocodenotas.eu


Foge o chão dos pés e o ar do peito
nesta vil estrutura adulterada,
nada se faz ao povo que tenha jeito
num Abril da verdade confiscada.

Das veias escorre até à secura
o sangue estancado e coagulado,
num caminho a lembrar a ditadura
com aperto intenso em qualquer lado.

Não há normas que sosseguem todos nós,
com tanto direito que é retirado
suprindo tanto labor de forma atroz.

Abril… estás a ser tão maltratado,
que a teus capitães vão calando a voz
e o cravo secando… espezinhado!...

 
António MR Martins

Pelo 40º aniversário do 25 de Abril - 2014

sábado, 19 de abril de 2014

Fernando Esteves Pinto





[Aquele quadro de alguém que escreve]

Aquele quadro de alguém que escreve
arquivado num canto da sala
essa imagem inflamável que ameaça o teu olhar
e o transforma na trémula recusa de observação
um dia ardeu na consciência da tua casa.

Agora observas as paredes dobrarem-se
como as folhas dos livros
e uma língua inútil vem lamber
o espaço ferido e cintilante
tudo para falar desse medo
que se incendeia no tecido do tempo
essa instalação de onde escreves arruinado
como se te enrugasses num fogo turvo de esquecimento
e os teus passos pela vida fossem a cinza
e o bolor incendiários.

Fernando Esteves Pinto, in “Área Afectada”, página 49, edições Temas Originais, 2010. 

Quase tudo se perde




Rasgo o contacto
Que tinha no papel
A palavra daquilo que sinto

Interajo veementemente
Com o rasto deixado
E com tudo o que pressinto

Doutro modo
Fervilha o estado passageiro
Da palavra e sua grandiosa força

Reluz a esperança
Na envolvência semi-contida
Por mais papéis que rasgue e torça

Às vezes a escrita é tão pouco
Quando a palavra é tudo
No reverso do simples encantamento

Outras vezes nada acontece
E então perde-se a carruagem
Que passa pela estação em andamento


António MR Martins

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Domingos da Mota





DESBASTE

 
Há quem diga cuidar dos girassóis
e as ervas daninhas menoscabe
pois que deixa o desbaste pra depois
e quando se dá conta já é tarde

quem espere o chegar dos arrebóis
com festas e foguetes e alardes
(até bebo um copo ou mais que dois)
e há quem veja o sol atrás das grades

Há quem peça perdão a São Plágio:
decante salmodias e apanágios
e ande por aí com seus adornos

Eu perdi equinócios e solstícios
e tenho tantos ócios, tantos vícios
que pego ainda o touro pelos cornos

 
Domingos da Mota, in “Bolsa de Valores e outros poemas”, página 35, edições Temas Originais, 2010.

Ao som da natureza


Lagos (um sítio maravilhoso), foto de António Martins.



Esse som
Essa melodia
Se expande na memória
Das outras músicas diferente
E de contexto corrente
Inserido na mesma história

Esse mesclado musical
Nos agita
Numas notas bem banal
Pela batida dolente
Porém noutras
Sublime e especial

Esse cântico
Intemporal
De conceito universal
Indiciando beleza
De forma artesanal
Puro grito da incerteza

Essa mistura sonora
Ruído sem paralelo
Nos mantém a chama acesa
De um âmbito superior
E por demais belo
Eis o som da natureza

 
António MR Martins

terça-feira, 15 de abril de 2014

Raquel Naveira




Banquete

Preparei o banquete:
Carne de pato,
Vinho fino,
Bolo de mel.

Preparei-me para o banquete:
Contornei os olhos de preto,
Coloquei colares de turquesa e prata,
Passei perfume de lótus e nata.

Sentei-me à tua frente
Com um cone de incenso sobre a cabeça,
Estava quente,
A pomada gordurosa derreteu
Sobre meus cabelos,
Ombro,
Seios.

Foi tudo preparado:
Uma armadilha
Para que rolássemos pelo chão.

Raquel Naveira, in “Senhora”, página 32, edições Temas Originais, Coimbra 2010.

dos lados do mar


Guincho, Cascais. Foto de António Martins



dos lados do mar
vem a cálida presença
da penumbra dos sentidos
o aroma da respiração dos búzios
e a voz rouca de todas as conchas

dos lados do mar
vêm as nuvens da descoberta
ante o raiar do novo sol
que ilumina certeiramente
a água perpétua de todas as ondas

dos lados do mar
o cheiro inebriante da promessa
e a luz da radiosa esperança
com um sobrescrito lacrado
contendo todos os desígnios do mundo

dos lados do mar
a ousadia pujante da juventude
no percurso da ordeira nação
e o voo das aves cintila
o libertar das amarras da contenção

dos lados do mar
a magia do suspirar ondulante
ante o asfixiar medonho
pelos nódulos da imposição
e o prurido da dor incurável do desalento

dos lados do mar
ecoam gritos espirituais da verdade
inaudíveis por tantos tímpanos moucos
e o desassossego dos irrequietos corpos
esfria-se no esquema da condescendência

 
António MR Martins

segunda-feira, 14 de abril de 2014

José Gabriel Duarte




DESERTO

 
Quando atravesso o deserto
Sem de ti saber
Se estou longe, se estás perto
Quando me afasto, quando me perco
É como se o vento me cegasse
Me levasse
Me escondesse nas areias
Cálidas do silêncio
Na ausência do tempo
Sem que me possa lembrar.

Atravesso o vazio do que me falta
Perdendo o rasto das ideias
Sem saber onde chegar
Sem saber como voltar.

 
José Gabriel Duarte, in “No outro lado de mim”, página 66, edições Chiado Editora, Outubro, 2012.

Amanhecer





Ora vai nascendo a manhã plena
envolta de afagos pela verdura,
enquanto o céu sorrindo lhe acena
ofertando seu regaço de ternura.

O hálito sedutor da natureza
desponta cheiros de aromas silvestres,
ensaiando em som de tamanha riqueza
alvo de dispersos pedaços campestres.

Correm vivas aves que planam e cantam
melodias dum alegre alvorecer,
que tantos segredos jamais se espantam.

Mais outro dia está a acontecer
entre imagens que tanto encantam
em cada tempo dum novo amanhecer.

 
António MR Martins

sábado, 12 de abril de 2014

Edson Incopté





Olhos de poeta

Vejo o mundo
Como um mar de rosas
E vejo mesmo!
Algumas pisadas
Outras com espinhos
Mas vejo!

Vejo em cada pessoa
Uma rosa diferente
Em cada rosa
Uma beleza presente

Vejo sem receios
Porque vejo ao meu jeito
Vejo com olhos de poeta
Que até o sofrimento
O inspira para mais um momento

Edson Incopté, in “Insana Rebeldia”, página 64, edições Temas Originais, Coimbra, 2012.

Metamorfose natural ou sortilégio


Imagem da net, em: www.ultradownloads.com.br



Derretem-se os palácios de neve
no imaginário da sua existência,
por entre subida e descida breve
pelo declinar de tanta aparência.

Assemelham-se aos castelos d’areia
elaborados de um jeito invulgar,
catástrofe omissa de qualquer ideia
quando o areal se inunda de mar.

Pavio fugidio no horizonte
rastro duma cauda de pomba branca
no espelho do olhar visto de fronte.

Ou um grito filtrado que desanca
ecos para lá do longínquo monte…
sofrer contido de tanta vida manca.

 
António MR Martins

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Teresa Brinco de Oliveira





Nostalgia

sente-se o arrepio estranho
do sorriso frio
que percorre as veias
e eriça a pele.

a vontade é regressar
aos lugares secretos
acolhedores de alvoradas.

o tempo não pára
de nos devolver memórias.

 
Teresa Brinco de Oliveira, in “O Riso Rasgado do Tempo”, página 94, edições Edita-Me, Maio de 2011.

Invento-te pelas palavras




São as grades do teu coração
que me aprisionam o ser
e nessa vasta imensidão
se percorre o acontecer

sem limites deito o olhar
numa infinita mensagem
pelas palavras de encantar
que entre tudo interagem

soltam as raízes dispersas
no desenvolver do alento
duma qualquer flor às avessas

sonho-te como um portento
e não te suplico por meças
nos versos em que te invento

 
António MR Martins

terça-feira, 1 de abril de 2014

Emílio Lima





Volta Criança da Rua

volta os teus pais ainda
acreditam poder fazer de ti
menino homem

volta menino de rua
volta que desta é para valer
tens razão em duvidar
neste ritual da verdade dos velhos

volta que já tens a mochila feita
com livros cadernos e brinquedos
agora podes ser menino que sonhaste ser

volta menino de rua
agora podes dormir e sonhar
agora podes escutar o cantar dos pássaros
as armas já se calaram
desta é para valer

vamos fingir que acreditamos
voltamos para casa
casa que outrora virou escombro

menino inocente volta
que a tua mãe já fez
“caldo de mancara calulu muamba e cachupa”
agora voltas a comer a horas
ao som dos batuques
não aos gritos dar armas
que a mãe África não sabe fabricar

Emílio Lima, in “Notas Tortas Nas Folhas Soltas”, página 47, edições Temas Originais, Coimbra, 2010.

A árvore da avenida


Ilusão Ardente - Acrílico 1,00 x 1,20, por Sara Livramento.
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Despida pela carência outonal
germinadora de gestos bucólicos,
abandonada da colheita ideal
companhia de acervos alcoólicos.

Haste entroncada em devaneio
prémio estático da avenida,
ilustrando um simples passeio
com muita pedra de si já perdida.

Espólio único e valoroso
aprimorado na robustez do tronco,
dando-lhe um ténue cariz vaidoso.

Antes os motores passantes a ronco
vilania de tanto som mais ruidoso,
as aves amenizam barulho bronco!...

 
António MR Martins