segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

BOAS FESTAS


Joaquim Pessoa





POEMA VIGÉSIMO OITAVO

O poema levanta o focinho para o sol
como o fez a raposa. Agrada-lhe essa luz
que pode curar as sílabas doentes.

O poema persegue animais
de olhos formidáveis. Nas suas coxas ágeis
espreguiçam-se os músculos do dia.

Só o poeta conhece o labirinto. Sabe
como chegar aos limites da surpresa.
E que a dor caminhará em círculos.

Quantas páginas possui essa alegria
que se instalou no flanco dos vocábulos,
e preenche de amor todo o vazio?

Quando o poema escolhe para si uma voz,
fá-lo consciente da sua liberdade. Ninguém
poderá dizer: fui eu que escrevi isto.

O texto é um país difícil. Território
onde a linguagem caminha descalça
sob a luz dos olhos do leitor. Sinto

respirar os livros. Oiço-os segredar
um nome para dar a essa pátria branca
onde se move a palavra inquietação.

Joaquim Pessoa, in “Guardar o Fogo”, página 59, Edições Esgotadas, 2013.  

rumo à foz do amor





não são de mim
as palavras que não digo
mas sim
aquelas que eu penso
e escrevo
nas entrelinhas do pensamento
transmitindo-as
uma a uma
pelo olhar que te dedico

esse olhar que absorves
aglutinando
todas as palavras vindas de mim
e escreves
pelo teu simples sentido
o mais belo rio poema
que ruma
contra percalços e contrariedades
para a sublime foz do nosso amor

 
António MR Martins 

sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Renata Pereira Correia





28. A noite

A noite não prende as asas de voar,
Leva-te para países desconhecidos,
Para sentimentos silenciosos,
Acordados serenamente,
Pela leve pluma do tempo.
Enaltece os desejos escondidos,
Traça no firmamento o que te faz deliciar,
Percorre nas sombras,
Mil sonhos por cumprir,
E espera que pausadamente,
A lua traga o contentamento.

Renata Pereira Correia, in “ Ensaios de Ficção”, página 38, edições Temas Originais, 2009.

A partida permitida


Imagem da net, em: www.caelummare.blogspot.com



Há um sol descrito
Pelas palavras do Deserto
Em histórias de bem saber
E melhor escrever
Nas areias que o manifestam

Há um colapso
Na harmonia da Existência
Que intensifica
A debandada das aves
Pelos gritos que as apedrejam

Há um aperto instante
No medo da Solidão
Onde a palavra compõe
A última melodia
Num desespero intimista e restrito

Há um verso
Que tenta moldar o destino
Ante lágrimas que não tombam
Numa réstia de Esperança
Por entre a porta do infinito

António MR Martins

sábado, 13 de dezembro de 2014

Carmen Muñoz Fernández






VIII

Es luz,
es acougo e calma,
es esse máxico momento
no que tan só nun segundo
me transporto de novo
ata o útero materno.
 

        *********

 
Eres luz
eres cobijo y calma
eres esse mágico momento
en el que tan sólo en un segundo
me transporto de nuevo
hasta el útero materno.

 
Carmen Munõz Fernández, in “20 poemas en remanso”, página 21, edições Chiado Editorial, Maio, 2014. Pereira Lopes fotografou as imagens incluídas na obra.

almejando sentires


Imagem da net, em: sozinhoemmim.blogspot.com



verdadeiramente,
olho-te!...
surpreendentemente,
olhas-me!...

moderadamente,
sorrio para ti!...
energeticamente,
sorris para mim!...

fantasticamente…
em plena
e mútua empatia!...

majestosamente…
um sopro de felicidade!...

inesperadamente,
abraças-me!...
prontamente,
abraço-te!...
repetidamente
abraçamo-nos!...

indubitavelmente…
preciso de ti!!!

 
António MR Martins

domingo, 7 de dezembro de 2014

Sara Timóteo






NOS MEUS BRAÇOS SONHA O HOMEM

 
Sonha,
julgando-se talvez menos só,
o homem de tez tristonha
que em mim residiu
durante o tempo necessário.

Não existe uma medida justa
para as maravilhas oníricas
que surgem sãs
após inúmeras investidas
em que o ser se procura
 infrutiferamente multiplicar.

Por esse motivo,
nunca levo mais do que o estipulado
quando deixo que os homens sonhem
nos meus braços de azeite.
E jamais quebro o meu voto de silêncio
e de deleite.


Sara Timóteo, in “ Elixir Vitae”, página 24, edições Lua de Marfim, Setembro de 2014.   

 
Obs. – É muito difícil escolher um poema deste extraordinário livro de poesia, perfume não perfumado da vida, perante a tamanha qualidade que nos surge, página a página, à leitura, para vos colocar aqui, sugerindo-vos a respectiva leitura. Este sentir daquilo que fomos, somos e seremos, traz-nos invulgares temáticas, dentro da vulgaridade do quotidiano, num assumir que através dos tempos, mesmo dos mais longínquos, sempre seguimos, uns atrás dos outros, ou porque sim, ou porque não, oprimidos nesse sentido, ou não, ou porque nunca lutámos, verdadeiramente, na busca dos nossos ideais (claro que isto numa análise generalizada) e deixámo-nos programar nesses completos devaneios, conjecturas, fragilidades, de grosso modo. Sara Timóteo é uma jovem autora que vou aprendendo, com enorme gosto e prazer, a conhecer nas suas palavras e a lê-las (e relê-las) e entendendo o seu contínuo escalar neste difícil mundo da escrita e a quem auguro um futuro brilhante nesse devir. Sem inveja e sem preconceitos vos digo, como sói dizer-se na gíria: - Gostaria de escrever assim quando fosse «grande»!... Proclamo que a leiam com toda a vossa atenção!… Sara Timóteo, e seus pseudónimos, merecem-no, amplamente.

Até à maçaroca


Imagem da net, em: www.trumbuctu.blogspot.com




Passam na espera desafiada
os apetrechos chamados à espiga,
fazendo saltar o tempo d’enfiada
sem haver sintoma de qualquer briga.

Desfolhados contextos bem menores
nas barbas que lhe sugerem pujança…
vão despontando relevos maiores
que lhe cambiam a tal liderança.

Apontando da terra para o céu
sujeição única da qual não é o réu
na exibição emergente nessa cana.

Quando o milho rei entre mãos brota,
mesmo que haja uma qualquer batota,
a alegria do povo nunca engana!...

António MR Martins

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Isabel Fraga






25

Ainda não te conheço.
Falta uma década
Para cruzares o meu caminho.

Se te encontrar na rua
Verei apenas uma forma opaca
Tão opaca
Quanto qualquer outra forma humana o pode ser
Talvez nem dê
Pela tua passagem.

Não chegámos ainda
Ao morno portal
Do nosso encontro.

As tuas mãos
Ainda são apenas
As tuas mãos.
E eu passo devagar por ti
Como mais um dia
Que nasce.

Isabel Fraga, in “ E tudo será Luz”, página 34, edições Lua de Marfim, Abril de 2014.

Era uma menina


Imagem da net, em: www.varbak.com




Jeromenha…
não tinha o sorriso
das outras meninas,
o sabor acordado
das palavras,
o sentir das coisas
mais simples
e o olhar inquieto
das crianças.

Jeromenha…
não tinha o sorriso
das outras meninas,
as bochechinhas rosadas
da infância,
a única vontade de comer,
beber e brincar
e o olhar ternurento
de tantas crianças.

Jeromenha…
não tinha o sorriso
das outras meninas,
mas tinha pernas,
braços e mãos…
olhos, nariz, orelhas
e cabelos compridos…
e uma boca que não dizia
as palavras precisas…
e não tinha o simples sorriso
das outras meninas!...

António MR Martins