segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Joaquim Pessoa





POEMA VIGÉSIMO OITAVO

O poema levanta o focinho para o sol
como o fez a raposa. Agrada-lhe essa luz
que pode curar as sílabas doentes.

O poema persegue animais
de olhos formidáveis. Nas suas coxas ágeis
espreguiçam-se os músculos do dia.

Só o poeta conhece o labirinto. Sabe
como chegar aos limites da surpresa.
E que a dor caminhará em círculos.

Quantas páginas possui essa alegria
que se instalou no flanco dos vocábulos,
e preenche de amor todo o vazio?

Quando o poema escolhe para si uma voz,
fá-lo consciente da sua liberdade. Ninguém
poderá dizer: fui eu que escrevi isto.

O texto é um país difícil. Território
onde a linguagem caminha descalça
sob a luz dos olhos do leitor. Sinto

respirar os livros. Oiço-os segredar
um nome para dar a essa pátria branca
onde se move a palavra inquietação.

Joaquim Pessoa, in “Guardar o Fogo”, página 59, Edições Esgotadas, 2013.  

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