sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Urgentemente

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Vento cortante

Sopra o vento cortante
Neste duro e frio Inverno

Sopra por ente um sol constante
Que não torna o ambiente mais terno

O céu está azul relevante
E nos envolve neste fluir externo

É Janeiro mês penetrante
Nesta raiz nascida do foro interno

Sopra o vento amiúde
Em rajadas de valentia
Ele nos trata da saúde
Sem recurso a terapia

Nos olhos provoca a lágrima
Pelo frio que já não toleram
Quando a Primavera aproxima
Do desejo que todos esperam

Sopra o vento cortante
Neste duro e frio Inverno


António MR Martins

imagem in http://polen.blogs.sapo.pt/arquivo/2003_12.html, na net

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

O Grito

Tenho o grito preso na garganta,
Cravado no peito
Que inflama de dor.

Criei um mundo imaginário,
Tão meu, tão nosso,
Tão perfeito.

Ruiu no grito
Que não dei,
Rolou na lágrima
Que chorei
E ficou ali...

Cravado no peito!

Vera Sousa Silva

o quintal da alegria

no quintal
da enorme esperança
vive a alegria da criança

salta
corre
pula
e dança

é a festa
em seu redor

são correrias constantes
do nascer ao sol pôr
que quando chega a noitinha
dorme feliz sossegadinha

voa então
em seus sonhos
com brincadeiras de magia

para de manhã acordar
e correr para o quintal da alegria


António MR Martins

imagem  de RF Royalty Free, na net

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Relógio do tempo das palavras

As palavras não morrem.
As palavras vivem do tempo que a caneta leva a desenhá-las.
As palavras parecem letras batidas,
vivem para nunca serem esquecidas.

As palavras carregam a emoção contida
das vidas e das conversas,
dos anseios e dos receios.
As palavras brilham,
as palavras mimam,
as palavras fazem sonhar que as palavras são capazes de amar!

As palavras não morrem.
As palavras não envelhecem,
nem se enchem do pó da terra.
As palavras perpetuam os homens,
e a vida... bem, a vida pode ser um conjunto de palavras unidas.
As palavras vivas habitam no relógio do tempo e
eu, eu, apenas gosto de brincar com as palavras porque o meu relógio de vida não é relógio de tempo.

Ana Lopes

Descanso nas ondas do teu mar

Há um mar intenso e profundo
Na bravura da incandescência
Roteiro de um percurso inacabado

Nele existem ondas de ternura
Mas também as há bravias e agrestes
Nesse viajar acomodado a teu lado

Há um sol caminhante que se reflecte
Com o movimento do dia para a noite
E se vê nesse mar de ânsias filtrado

Projectando a plenitude delirante
Em fogos melodiosos no seu crepitar
Pelo sabor salgado mas sempre salivado

Há uma calmaria de um intenso desejo
Resplendor que pontifica todo o sentir
Que me percorre como rubor idolatrado

Sensação de paladar jamais saboreado
Que integra esse conteúdo marítimo
Tão balsâmico e a cada dia mais desejado

São as águas do viver
Em movimentos de espuma e saliência

É a almofada onde adormeço
Num afago de constante envolvência

É o mais belo sonho
Do qual nunca queremos acordar

É o mais forte sentido
Na mais bela conjugação do verbo amar

Ai como é bom descansar
Nas ondas do teu mar

António MR Martins

imagem da net

sábado, 22 de janeiro de 2011

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos

Deixarei os jardins a brilhar com seus olhos
detidos: hei-de partir quando as flores chegarem
à sua imagem. Este verão concentrado
em cada espelho. O próprio
movimento o entenebrece. Mas chamejam os lábios
dos animais. Deixarei as constelações panorâmicas destes dias
internos.

Vou morrer assim, arfando
entre o mar fotográfico
e côncavo
e as paredes com as pérolas afundadas. E a lua desencadeia nas grutas
o sangue que se agrava.

Está cheio de candeias, o verão de onde se parte,
ígneo nessa criança
contemplada. Eu abandono estes jardins
ferozes, o génio
que soprou nos estúdios cavados. É a cólera que me leva
aos precipícios de agosto, e a mansidão
traz-me às janelas. São únicas as colinas como o ar
palpitante fechado num espelho. É a estação dos planetas.
Cada dia é um abismo atómico.

E o leite faz-se tenro durante
os eclipses. Bate em mim cada pancada do pedreiro
que talha no calcário a rosa congenital.
A carne, asfixiam-na os astros profundos nos casulos.
O verão é de azulejo.
É em nós que se encurva o nervo do arco
contra a flecha. Deus ataca-me
na candura. Fica, fria,
esta rede de jardins diante dos incêndios. E uma criança
dá a volta à noite, acesa completamente
pelas mãos.

Herberto Helder

Pura amizade

Chorava um menino sentado por algo que havia perdido,
quando outro se senta ao lado
e lhe dirige a palavra sentido.

Porque choras assim amigo,
quando está um dia de sol?...
Logo ele se sente em abrigo
e desembrulha o seu lençol.

Perdi o meu carrinho de lata
que era o único que eu tinha!...
O outro ouve e então desata
a sua ideia muito fresquinha.

Fica com o meu deste bolso
que no outro há um segundo;
não preciso de reembolso
és o melhor amigo do mundo!

António MR Martins

imagem da net

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

LAMENTO SURDO

Já corri por becos sombrios
Um desejo
De me esconder
Para lá de um nome

E tu encontras-me
Nas tristes madrugadas
E choro
Por não te ver

O grito agudo dos ventos
Que se esconde
Para lá das marés
Está inactivo

E os meus olhos
Abrem-se num foco
Que se estende
Por entre as dunas esquecidas

Sou eu
Num lamento
Surdo

Dolores Marques

in livro "Subtilezas da Alma", página 36, edições Edium Editores

asas bravias

batem
sem contenção
num movimento rudimentar

as asas
da contradição
não aceitam conformismos

não têm a beleza
de um majestoso voar

não têm a riqueza
que embeleza a visão

não são simétricas
na sua envolvência

não registam
o agrado dos semblantes

mas são a força pura
da liberdade

António MR Martins

imagem in http://www.fotoplatforma.pl/pt/fotos/5176/, na net

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

hoje é noite de não pensar

hoje é noite em que não quero pensar
de sacudir o espantalho da ansiedade
tenho os pensamentos arrumados na gaveta

não quero o pó das sensações
espalho ao vento a consciência
e conscientemente durmo livre dela

ou me remeto ao silêncio do meu casulo
ou a água escorre nua no meu corpo
e tu delicadamente vens sorvê-la gota a gota

é melhor não ficar estátua perdida sem jardim

António Paiva

Obs. - Hoje o António foi pai! Existe uma nova LUZ no seu seio e de sua companheira. Um momento grandiosamente feliz para estes novos pais. O António é um enorme amigo... da palavra e sobretudo da humanidade. Admiro-o! Tenho-o dito, amiúde. O poema aqui publicado faz parte da obra "70 poemas por um sorriso", publicado na página 38, edições Reditep. A totalidade da receita deste livro foi doada  pelo António, revertendo a favor da APPACDM, de Setúbal. O António é, também, um homem de causas e está sempre disponível. Obrigado António por seres como és e por seres quem és, um escritor que cada vez mais admiro e não me canso de referenciar. Obrigado António Paiva!  Minhas felicitações!

Corre por ti a água

Por ti corre a água
Em abundante fluir
Água de emoções
Às vezes contradições
Mas sempre verdadeira

Por ti corre
Em afagos carinhosos
Em melodias das mais simples
Mas de vibrar concludente
Anónima no seu carácter

Água imensidão
Que brota em todos os cantos
Projectada por todos os poros
Como pura manifestação
Da tua grandiosidade

Por ti sem ter volteio
Desliza na plenitude
Proveniência de aguaceiro
Ou de um jorrar possante
Nas margens do teu talude

Por ti correm as águas
Do eterno e bom sabor
Regando sempre a preceito
Com nuances de puro amor
No teu interiorizado jeito

Águas de todas as fontes
De rios que correm num leito
Entre vales e muitos montes
Numa ternura constante
Que se torna cativante

Por ti corre esse líquido
Porventura precioso
Num deleite consentido
Que te eleva a ser majestoso
Por tudo o que é permitido

São os tentáculos do amor
Em múltiplas rias do sentir
Onde as águas permanecem
Após terem corrido de ti
Em lagoas que enlouquecem

António MR Martins

imagem na net

sábado, 8 de janeiro de 2011

[Incerto e obscuro é o destino]

Incerto e obscuro é o destino
e o mais certo é o que nele há de fatal
Mas se a pátria for um valor tudo será pior
porque ter-se-á perdido o sentido da unidade

A separação será mais funda mais fundo o desatino
sem o sustentáculo de uma comunidade
e a chama da pátria não será a rosa viva
do coração de cada homem como verdade ou valor

Ao silêncio de Deus podem os homens responder
com as constelações que só a pátria gera
porque ela é o valor que outros valores promove

Por ela a estranheza do mundo torna-se familiar
constituindo um lugar habitável e ameno
e um lugar será a terra e um lugar será o mundo

Poderá ele ser na mão a tensão pacífica de um arco
ou a verde ondulação de uma anca transparente
e uma lúcida mulher com o aroma do horizonte?

António Ramos Rosa

in livro "Pátria Soberana seguido de Nova  Ficção", Prémio Literário de Sintra - Ruy Belo/2001, página 29, edições Quasi

Tanto sofres linda criança

Sentida!...

Na face o rosado de suas bochechas,
embora minguadas.
A boca curvando suas linhas
em desígnios de tristeza.
Uma gota
lhe caiu de um dos olhitos.
O soluçar,
do vai e vem,
se apodera de seu semblante…
enquanto desliza
aquela pequena e ferida lágrima.

Rosto de criança!…
Não daquelas que temos connosco,
em casa.

Outra menina?
Outro menino?
Outro mundo?
Outra existência?

Mas tudo isto se passa ao nosso lado!

Criança filha,
que não tem pais.
Criança neta,
que não tem avós.
Criança sobrinha,
que não tem tios.
Criança prima,
que não tem primos.

Ai como é dura a vida
e como é tão rude subsistir!
Ai como é diferente a medida
de todo o universo no existir!

E ainda há crianças felizes!...


António MR Martins

imagem (criança asiática de rua), na net.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

IMPULSO!

o impulso inicial
se viesse de fora
tinha força contínua

se viesse do âmago
teria velocidade
e aspecto de pândego...

o impulso que dei
aos saberes de outros
levou de vencida

sem fugir da lei
uns quantos de poucos
a enaltecer a vida!

(ainda se ao menos tivesse sido assim...)

Fernando Morais

in livro "Ao Povo do Mundo", página 45, edições Temas Originais

Existe a força que vem de nós

Existe um prazo em cada hora
neste tempo que se demora,
por onde só trovejam sinais
muitos deles somente virtuais.
São ríspidas chamadas à razão
e ao tempo de cada humano
pelo seu uso e sua duração.
São gritos castigadores mas reais
que tentam manobrar no engano
e no moderar de todos os capitais.

Existem sinais no que penso
que não transponho à palavra
pelo significado que não teriam
nas desconexas ideias do mundo.
Utopia de todos os mares
e do céu que os acompanham
num grito revolto e profundo.
São desencadeados tremores
que sentem a tristeza parceira
neste vulgar corrupio de dissabores.

Existe um espectro dissonante
neste corpo também pensante,
materializado em som estático
que se mantém assaz apático.
São as presas inconstantes
que nos envolvem galopantes
e se tornam dilacerantes.
São os meios que nos revoltam
e nos fazem sentir nada
no nada que realmente somos.

Existe sempre a esperança
entre tanto contratempo
e nos traz sempre à lembrança
termos sido criança num tempo.
Lutemos com as nossas mãos
pela força que vem da mente
e com a arma que nos pertence.
Urge quanto antes decidir
que neste mundo de interesses
a coragem da razão é que vence.

António MR Martins

imagem da net

domingo, 2 de janeiro de 2011

Assumo-te

Sou eu quem te chama.
Aclama por ti dia e noite.
Apelo para te ver.
Cheirar a tua pele e
sentir o teu corpo suave.
Loucura que me mostras, inocente,
esta mistura doce do teu cabelo entre os meus dedos.
Solitário sou quando não te tenho
mas anseio.
Amo-te na passagem de todas as horas
mesmo quando fechado neste armário que é o meu corpo.
Espalha em mim a delicadeza do seres mulher,
que te assumo, urgente,
no meu futuro a dois

Gonçalo Lobo Pinheiro