segunda-feira, 22 de outubro de 2012

DE FELIZ E DE LOUCO... O POETA TEM UM POUCO

 

Tão pouco me arrisquei para sentir
(Enquanto for de si simples sonhar,
Ao louco tem a lei brando julgar),
Portanto me atrevi só em sorrir...

Da arte quis a essência de ser só
Autora dos meus próprios sentimentos,
D'amar-te fiz a história dos momentos -
Embora de céus breves, ébrio pó.

Ainda assim, pupila da alegria
Serei, enquanto em versos me escrever
E d'alma me entregar à fantasia.

Ainda em mim cintila este querer
Sem lei, canto ou meças de estesia,
Só bálsamo em trégua de viver...

Teresa Teixeira

Poema ao qual foi atribuído o 1º. prémio no I Concurso de Poesia da Associação Cultural Draca, 2011, in livro "Da serena idade das coisas", página 13, edições Temas Originais, 2012 (O prémio foi a edição de um livro, este ora referido).

A árvore da vida

 


ao tronco me encosto
na sombra efémera
desguarnecida no tempo

aqui arrecado
os prantos que são da vida
encerrando-os em minhas gavetas

aqui alinhavo
dissertares e percursos vindouros
esperançosos

aqui embalo palavras
agitando-as depois
e retirando-as  de seguida
do pensamento
uma a uma

nestes ramos
se penduram sentidos
do simples descanso
do voo de tantas aves

é nesta árvore
onde o meu momentâneo lar
de memórias
acontece

António MR Martins

sábado, 20 de outubro de 2012

NA BIBLIOTECA

 
foto de Alfredo Cunha, in Jornal de Notícias online
 
O que não pode ser dito
guarda um silêncio
feito de primeiras palavras
diante do poema, que chega sempre demasiadamente tarde,quando já a incerteza
e o medo se consomem
em metros alexandrinos.


Na biblioteca, em cada livro,
em cada página sobre si
recolhida, às horas mortas em que
a casa se recolheu também
virada para o lado de dentro,

as palavras dormem talvez,
sílaba a sílaba,
o sono cego que dormiram as coisas
antes da chegada dos deuses.


Aí, onde não alcançam nem o poeta
nem a leitura,
o poema está só.
‘E, incapaz de suportar sozinho a vida, canta.’



Manuel António Pina

(homenagem ao grande poeta falecido ontem, com 68 anos - 18-11-1943 a 19-10-2012)

Refrescar da alma

 


Intervalo os meus receios
onde escondo um sorriso
estabelecendo os meios
para tudo o que preciso

me inundas de fragrâncias
sensibilidade sem apelo
pelas leves ondulâncias
que enfeitam o teu cabelo

o teu aroma benfazejo
me envolve em novas rotas
entre tanto e mais desejo

se esquecem tantas derrotas
quando me dás outro beijo
e alegre me amarrotas

 

António MR Martins

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

[A vertigem das rosas que enfeitam o abraço]

 
 
A vertigem das rosas que enfeitiçam o abraço,
lembrando que o jardim se acende no peito,
em aromas de fogo e gotas de árvore,
que lançam lágrimas de desejo,
no lugar onde estremecem as folhas.

E fervem pétalas na boca das flores,
onde os rouxinóis enfeitam o voo.

Dalila Moura Baião

Rapsódias da natureza e da vida

 


Caminham as mãos dadas
num acolhimento perfeito
entre o sopro do falante vento
que lhes seca o pendente suor
e os salpicos solares
que embrenhados nas redondezas
aquecem aquele uno caminhar

a erva se entende ao redor
e o suspiros das flores
aguardam a chegada das borboletas
mas são as abelhas
que as afagam e polonizam
num ritmado e contínuo labor

e as mãos ficam esquecidas
pela inquietude da mente
soletrando carícias
por entre os corpos deitados
na erva vencida pelos movimentos
enquanto o soberbo canto das aves
apregoa mensagens de amor

 

António MR Martins

domingo, 7 de outubro de 2012

TRAJECTO

 

Chorei
lágrimas que não brotaram
nos olhos recuaram
e na alma caíram
a alma me afogaram
e aos olhos subiram...



Rogério do Carmo

Invento-te pelas palavras

 
Foto tirada na Quinta do Penedo Alto (Cernache - Coimbra).
 


São as grades do teu coração
que me aprisionam o ser
e nessa vasta imensidão
se percorre o acontecer

sem limites deito o olhar
numa infinita mensagem
pelas palavras de encantar
que entre tudo interagem

soltam as raízes dispersas
no desenvolver do alento
duma qualquer flor às avessas

sonho-te como um portento
e não te suplico por meças
nos versos em que te invento

 

António MR Martins

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Poema Original

 
 
Original é o poeta
que se origina a si mesmo
que numa sílaba é seta
noutra pasmo ou cataclismo
o que se atira ao poema
como se fosse ao abismo
e faz um filho às palavras
na cama do romantismo.
Original é o poeta
capaz de escrever em sismo.
 

Original é o poeta
de origem clara e comum
que sendo de toda a parte
não é de lugar algum.
O que gera a própria arte
na força de ser só um
por todos a quem a sorte
faz devorar em jejum.
Original é o poeta
que de todos for só um.

Original é o poeta
expulso do paraíso
por saber compreender
o que é o choro e o riso;
aquele que desce à rua
bebe copos quebra nozes
e ferra em quem tem juízo
versos brancos e ferozes.
Original é o poeta
que é gato de sete vozes.

Original é o poeta
que chega ao despudor
de escrever todos os dias
como se fizesse amor.

Esse que despe a poesia
como se fosse mulher
e nela emprenha a alegria
de ser um homem qualquer.

Ary dos Santos


se perde mais uma lágrima


desnudei-me das palavras
permitidas
sem consenso

limitei-me a este ser
e ao que ele está apenso
logo penso

que as marcas da angústia
da tristeza
da audácia
e da incerteza
têm sabor imenso

que as réstias da esperança
no labor
no viver
no amor
e no sobreviver
me deixam suspenso

que vil destino nos prepararam
de que infortúnio nos dotaram
e como nos simplificaram
continuo tenso

por fim resta-me a lágrima
sem mais querer imaginar
para a limpar
do bolso retiro o lenço

e desfraldo-o
ao vento
num adeus intenso

 
António MR Martins

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

A morte

 
 

 
A morte é sossego
A morte é Paz!
Porque choramos os mortos
Se a morte é ausência de dor
para quem sofre
A morte existe para acabar
com o sofrimento
com a solidão
com o cansaço que a vida
.................. provocou!

Ana Casanova

definitivo (re)encontro

 
"Domingo", foto de Gonçalo Lobo Pinheiro
 


parto
lentamente
sem para trás olhar

oculto-me
na suja vidraça
suspensa numa velha parede

parto
sem um elaborado destino
meio intencionado
no retomar da viagem

os sons poderão diferenciar-se
e os registos confundirem-se
nesta premente fuga
ansiada por quase todos os mortais

assim parto
para um outro lugar
uma outra paragem

essa é a radical sentença

ofuscarei
de vez
todas as miragens

buscarei o reencontro
com a tua presença

para sempre

 

António MR Martins