terça-feira, 2 de junho de 2015

Fernando Melro





21. águas futuras

A palavra em que me vejo
embarcado e livre
tem no seu ventre as viagens
que me beberam os dias
e as noites me devoraram.

Neste navio de sílabas
o som de ventos antigos
traz as memórias distantes
com maresias de sonho.

Da palavra alcanço as margens
das ilhas imaginadas
e encontro a gente nativa
das terras de além do medo.

Na palavra crio vénus
e as ninfas do meu desejo
navego as águas que invento
rasgo a bruma do silêncio.

Fernando Melro (1930-2014), in “ Memória das Águas” (Ciclo das Águas Refluentes), página 46, edição de autor, Lisboa 2003. 

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