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Poema do
lençol sobre o corpo
Nesta
absurda e constante primavera
de
Janeiro a Dezembro remoçadaem outros insurrectos novos olhos,
outras mãos, outros dentes, outros sexos,
neste mover do corpo que a semente
na urna sequiosa deposita,
no facho olímpico, vitorioso e ardente,
eixo real do mundo em cujo torno
os dias e as noites acontecem,
morrem os homens um a um contados,
ressuscitam os homens no conjunto.
Com
gesto lento e sábio, os dedos, como pássaros,
soerguem
um lençol.Ei-la, a mansidão vulcânica da carne,
o tumulto sereno das entranhas,
a chispa do olhar por entre as pálpebras,
pé ante pé, subrepticiamente.
Geografia da carne esculpida em relevo,
as colinas dos seios, a planície do ventre,
as enseadas do amor onde os sonhos se abrigam.
Ei-la estendida e pronta a continuar a vida,
as pernas entreabertas, os lábios implorando,
sem palavras, o néctar estimulante.
Sobre
o corpo o lençol, estendido como um véu,
molemente
define os limites da carne.São marcos miliários os peitos levantados
na estepe onde a memória pastoreia.
Pernas hirtas que nada já separam,
as colunas do templo derrubadas,
pressentem-se, e os joelhos se adivinham.
Seguem-se os pés agrestes no termo da figura.
Ali termina o ser abruptamente
como num promontório a terra acaba.
António Gedeão (1906-1997), in “Poemas Póstumos”, páginas 91, 92
e 93, Edições João Sá da Costa, Lda., colecção “poética”, 5.ª edição,
2000.
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