sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Simples poema de Natal


Foto de António Martins, Ansião 2015.





É Natal
o céu está tão cinzento
uma criança segue a chorar
a cada esquina um lamento
nesta quadra de encantar.

É Natal
as calças do menino rotas
os sem-abrigo sem nome
as políticas continuam loucas
a cada travessia da fome.

É Natal
há presentes inacabados
às questões respondem não
e os simples reformados
vão ver mais dez euros na mão.

É Natal
suspira-se a toda a hora
as cirurgias não se fazem
a saúde tanto demora
e os doentes quase jazem.

É Natal
há tantos coletes amarelos
que estrebucham dissabores
uns descalços outros com chinelos
vão esquecendo seus amores.

É Natal
passa um dia e noutro tempo
tudo volta à mesma forma
neste mundo de contratempo
onde ser-se pobre é a norma.

É Natal
os corruptos são os maiores
nestas leis que nos calem
os juízes são bem menores
e sem honra nada valem.

É Natal
nasce o Menino nesta noite
depois olha à sua volta
e antes que leve um açoite
vai-se embora por revolta.

António MR Martins

sábado, 15 de dezembro de 2018

Vencedor da "1.ª Edição do Prémio Literário Arte CresSendo" - 2018


CONCURSO LITERÁRIO ARTE CRESSENDO | A Arte CresSendo tem o prazer de anunciar António MR Martins como VENCEDOR da «1ª. Edição do Prémio Literário Arte CresSendo», na categoria de «Poesia», com a obra «Manobras Sub-reptícias».
Recordamos que esta iniciativa tem como objetivos: (i) incentivar à apreciação e produção literárias, (ii) desenvolver hábitos de escrita e de leitura partilhada, e ainda (iii) promover a rentabilização do tempo livre através de actividades criativas.
Desde já, os nossos PARABÉNS ao vencedor, e um imenso OBRIGADO aos(às) restantes participantes. O poema foi selecionado de entre vários pelo Júri presidido por Carlos Marinho, diretor do espaço CresSendo e coordenador do projeto Arte CresSendo, e integrado por @Amaro Figueiredo, @Sara F. Costa, e @Diana Nogueira.
A todos(as), deixamos o convite para que continuem a seguir os nossos projetos, e a estarem atentos(as) aos desafios que em breve lançaremos.
Segue abaixo a obra:
"Manobras sub-reptícias
Uma fechadura que falha a desenvoltura
torna-se um entrave para a manipulação,
faz extravasar os nervos
ondulados da simples pasmaceira.
O furto compensará
toda a descompensada criação
e os arreios da memória confundem-se
com o tempo de cada demora
para a mais singela execução.
Há uma chave pendente
para o clique de cada abertura
e a ferramenta escondida
traz o segredo do amplo conhecimento
de qualquer gatuno.
Nada resta de significativo,
que permita armadilhar a consecução
de qualquer obra,
mesmo que seja a última,
e o espólio estará sempre à mercê de cada um,
bastará colocar à tona da diligência
a sua soberba ligeireza.
Haja pretendente profícuo para tal façanha!..."


sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

Triste sina


Imagem da net.




Amarrotam os detalhes do pensar
numa amálgama trépida de luz,
incendiando amargos sem sarar
em tudo o que o imo reproduz.

Baralham-se respostas e ilações
na efémera conjectura da voz,
apela-se a tantas concertações
ao acordo desfeito de todos nós.

Suprime-se a certeza ligeira
de modo a não produzir asneira
que resfrie tal desentendimento.

Galgando-se muros ou as montanhas
com tantas trapaças e artimanhas
não nos soltamos de tanto tormento.

António MR Martins

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Vera Sousa Silva


Vera Sousa Silva, imagem da net.





À chuva

Descemos a rua
sozinhos no meio da multidão
de gente sombria,
vestida de preconceitos
e virtudes.

A palavra aquece-nos,
o corpo cede ao desejo
e a esquina mesmo ali,
escura, sorridente,
convidativa!

O vestido sobe,
as mãos descem,
segredam-se vocábulos,
misturam-se gemidos,
e entras em mim
valente, voraz,
entre gritos sussurrados…

O prazer acomoda-se
no meu corpo quente
e tu…
Tu jorras torrentes de amor,
encharcas-me de desejo
entre carícias…

E a chuva segue indiferente o seu destino!

Vera Sousa Silva, in “Bipolaridades”, página 59, edições Lua de Marfim, Maio 2012.  

sábado, 8 de dezembro de 2018

Apocalipse


Imagem da net.




Nas ásperas caminhadas da vida
se tolhem os acicates supridos,
naufragando na baía esquecida
entre tantos sonhos adormecidos.

São vãs as palavras reconfortantes
desembainhadas à toa, sem pensar,
se esgrimam mechas dilacerantes
ante o aportar de cada penar.

Saem luzes do céu de modo brusco
vil contaminação em lusco-fusco
desencadeando tristeza sem fim.

Pelos gritos estrebucham os gestos
todos fogem em movimentos lestos…
então, alguém grita: - Esperem por mim!

António MR Martins

sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Dalila Moura Baião


Dalila Moura Baião, imagem da net.





ASSOMBRO DE ASAS

No intervalo das árvores o céu rompia o útero
das nuvens e cumpria o mistério de ser rio.
Alagadas as horas, invertiam o tempo na corrida
e deslizavam para norte ocupando as águas na terra
rasgada de vozes e assombro de asas.
O peixe e o pão! Divino banquete nas bocas famintas
guiadas num verso rezado a propósito da seiva
a circular nas mãos
onde cabia uma maré de contentamento
ou simplesmente a fúria fervida
de beber a dor de nada ter. Os pássaros inventaram ninhos
onde a esperança se entrelaça! É preciso colher novo voo e
soltar as mãos!

Dalila Moura Baião, in “Quando o mar corre no peito”, página 46, edições El Taller del Poeta S. L. (Espanha), 2014.     

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

Pelo teu rosto


Imagem da net.




Pinto teu rosto com as minhas mãos
levadas pelo traço das memórias,
torno-te jovial perante os nãos
de tantos episódios e histórias.

Coloco um sombreado no olhar
um ligeiro sorriso em teus lábios,
o rubor na face traz o despertar
de todos os pensamentos mais sábios.

Aliso a tua eloquente testa
e desenho cada pormenor que resta
com um sentido próprio e invulgar.

Finalizo com as curvas do queixo
neste teu retrato, que aqui deixo,
uma simples lembrança para te dar.

António MR Martins

domingo, 2 de dezembro de 2018

gisela ramos rosa


gisela ramos rosa, imagem da net.




[Quando o caminho]

Quando o caminho
é um grão que desenha o movimento
e com os seus passos lentos não apela o abismo
ou a vertigem dos que persistem na roda da matéria

quando o caminho é um rio que se prolonga
restituindo um novo olhar sobre a Casa
e persiste escrevendo ondulações sobre o espaço
nos ramos das árvores nas janelas nos muros
em redor do coração de quem sente

quando o caminho é um rebento que agita e leva
a raiz para um lugar sem fronteiras enunciadas

o Ser é a Casa, espaço que flutua
Alma onde as pedras se elevam
como escada para a herança
das árvores que queremos abraçar

gisela ramos rosa, in “tradução das manhãs”, página 24, edições Lua de Marfim, 2013.