sábado, 27 de abril de 2019

Jidi Majia


Jidi Majia, imagem da net.





MENSAGEM

O que desejo
é o que já desejaste para ti.
Sou apenas um símbolo
na imensidão do firmamento estrelado.
Valho menos que um momentâneo raio de luz.

Procuro simplesmente uma oportunidade inesperada
dentro de uma entropia maior
como um rio de fantasias
que lança gargalhadas e lágrimas
em todos os cantos
de áreas ilusórias.

Acreditava que a terra era muito larga.
Na verdade, esse foi o meu erro.
As formas dos mortos dissipam-se diante de nós.
Ó mar do tempo, podes dizer-me
para onde foram todos?


Jidi Majia (China), in “Palavras de Fogo”, tradução de José Luís Peixoto, página 89, Rosa de Porcelana Editora, Fevereiro de 2019.  

sexta-feira, 26 de abril de 2019

Moderação carnal


Imagem da net.




Trazes o canto oco do cio
no silêncio esquecido das fontes
onde murmuram
as águas mais profundas

desvias o sentido de todas as palavras
e não deixas
despertar a correnteza em teu leito

quando as fontes acordam
a transformação
é única e sedutora

e a inquietude
aquieta-se por entre teus sentidos.


António MR Martins

sábado, 20 de abril de 2019

Gisela Casimiro


Gisela Casimiro, imagem da net.




TU AINDA ESTÁS VIVO

Substituamos então
a serradura, os pregos e alfinetes
pelo meu sorriso,
que o teu olhar pousa em mim
como um casaco destinado
há muito a deixar de servir.

Substituamos então
o alguidar perfumado,
a sede e os lamentos
por este espinho,
que o teu corpo ousa em mim
como uma esperança
desajustada.

O templo pode enfim fechar.
Trago ao peito o pó
das tuas sandálias
 e se me levanto ou deito
as horas parecem mudar.

Em tudo isto um colo
que não ficará por cumprir
e silêncio e brasa
dentro de mim.

Gisela Casimiro, in “Erosão”, página 16, Editora Urutau, 2018.

quinta-feira, 11 de abril de 2019

Pelas ruas de Coloane


Coloane, uma rua da vila. Foto de António Martins.




O oceano pacífico é mesmo ali ao lado
onde inventaram a imitação dos pastéis de belém
ou de nata
como se queira referir
vendem-se às centenas
diariamente
em caixas de seis em duas caixas com doze
ou dezoito pastéis distribuídos por três caixas
mas também se vende individualmente
ou aos pares
muitas vezes em trio

faz trinta anos a criação deste invento macaense
que faz com que centenas de pessoas ocorram
diariamente
à antiga vila piscatória de coloane

mas também por lá existem templos
cafés bares e restaurantes
vistas para a china continental
um antigo estaleiro que se quer monumento
e um rio que corre para o oceano

embarcações fora de vida
barcos fluviais resistentes
outros navegantes viajantes

ah! é verdade
também por lá encontramos uma igreja
escolas e casas de saúde
e uma biblioteca

António MR Martins

sexta-feira, 5 de abril de 2019

Pelo olhar de Xyza Cruz Bacani


Xyra Cruz Bacani (Filipinas), fotógrafa, ex. empregada doméstica.
Imagem da net.




“Somos como o ar”
na efémera palavra estendida
ao longo da objectiva aberta
e pelo olhar com que observas sentindo.
Um clique surge espontâneo
entre o serviço de teus préstimos domésticos
na azáfama da ondulação de cada dia.

Mas descobriram o tesouro
que acomodaste no teu baú
do filipino silêncio.
Todas as imagens com que interpretavas
o que vias de relevante
na nitidez ou não tanto
do inesperado (des)conforto da mente.

Agora já não serves
nem de ti se servem
de um outro qualquer modo.
Explanas a corrente dos dias,
sem contares o tempo como outrora,
das gentes que te rodeiam
entre os minutos e os segundos
das vidas em contínua viagem
e de todo o seu breve esfumar.

Agora tens um livro, o teu livro,
repleto de imagens do teu olhar
onde a cada foto tu sentes:
- “somos como ar”!

António MR Martins
2019.04.05 (Dia dos mortos em Macau, China)