sábado, 25 de setembro de 2021

Susana Nunes

 

Capa do livro "Versos Sem Tempo", de Susana Nunes


QUANDO A TUA PELE ME BEIJA
 
Fico de sede em concha
posição embrionária e mágica
num enrolar de mim em caracol
e de plenitude cheia…
 
Por força da força da Natureza
e quando a tua pele me beija
sinto o lume do teu aproximar quente
no meu que se espraia e se estende
no exalar perfumado da tua madrugada
 
Desenrolo-me então lentamente
e de repente, a humidade do suor, cheira
faz-se maior e de nós se abeira
 
A palma da tua mão contra a costa da minha
aflora rainha e desliza no escorregar doce
da veia saliente que se entrega inteira
 
Fico no latejar latente
no sangue ardente que agita e serpenteia
o corpo que vibra na mente que se despenteia
 
Quando a tua pele me beija
e eu sinto que só pode ser a tua
todo o amor em nós já se desnorteia
fico de convexo teu
depositado no côncavo meu
e a concha abre e fecha agora em prosa nua
 
Na rua, o Sol a raiar desponta
a atravessar os orifícios da madeira
da corrida e branca persiana
 
Mergulhamo-nos nos cristalinos lençóis da nossa cama
no fechar dos olhos nos brilhantes sais
porque ambos sabemos ser a forma
de hoje e sempre nos olharmos muito mais
 
Susana Nunes, in “Versos Sem Tempo”, páginas 133 e 134, edição de Autor, apoio Autor Publica, 2021.     

sábado, 18 de setembro de 2021

E se os amigos cantam

 

Imagem na net.


Essas vozes ultrapassam
o simples sentido das coisas
e os sons tornam-se efémeros
perante a enormidade das razões.
 
Há sempre um apelo presente
em cada canção de amigo
e as luzes do esplendor
farão permanecer a dor da amizade.
 
Sim
porque a amizade também dói
ou poderá fazer doer
e isso tanto poderá acontecer
em dias soalheiros
como nos dias mais cinzentos
enfeitados com chuva.
 
 
António MR Martins

António Graça de Abreu

 

Capa do livro "Terra de Musgo e Alegria",
de António Graça de Abreu


EM SILÊNCIO
 
A lua desliza entre braçadas de nuvens,
em silêncio,
o sol nasce nos lábios da montanha,
em silêncio,
as nuvens dialogam com os pássaros,
em silêncio,
a borboleta pousa na flor,
em silêncio.
A alegria de te amar,
também em silêncio.
 
Gosto do silêncio
no grande vazio
e a correr dentro de mim.
 
Um dia,
quando me recolher
no aconchego dos braços de Deus,
levar-te-ei comigo
para o eterno silêncio.
 
António Graça de Abreu, in “Terra de Musgo e Alegria”, página 53, edições Nova Veja, 2005.     

sexta-feira, 10 de setembro de 2021

A imensidão do amor

 

Imagem na net.


Amando tanto que nada supera tal
se enlevam sentidos agonizados,
que à saída de um imenso lamaçal
se superam conceitos avaliados.
 
Quando um grande amor não finda
desliza à tona dos rios-encanto,
numa  plenitude algo desavinda
pelo malogro suspeito do pranto.
 
Se o amor se inventa na hora
por vezes se empertiga na demora
desfalecendo e empolgando-se depois.
 
E nas traições descabidas tanto sofre
nos embates surpresa vindos de chofre
na epopeia sempre sentida a dois.
 
 
António MR Martins
 
 
Inspirado no poema de Jorge de Sena “Amo-te Muito, Meu Amor, e Tanto”, in “Poesia, Volume I”.

segunda-feira, 6 de setembro de 2021

Julieta Fatal – 25 de Novembro de 1922 / 18 de Março de 2012 –

 

Julieta Fatal


Ingenuidades
 
Ó meu amor, foi toda nua, toda,
que me tomaste, meu amor, tomaste!
Nua de tudo, meu amor, de tudo,
nua de afecto, meu amor, de afecto.
Eu só na rua, numa grande roda,
toda metida no ângulo recto,
serena e muda,
como convém a quem
por tudo se desnuda!
 
E assim tão nua, meu amor, tão nua!
Falei do mundo, meu amor, falei!
Do sangue todo que apodrece na rua,
da mágoa toda que entontece a rua,
da vida toda que escurece a rua,
e toda nua, meu amor, tão nua,
andei febril e a divagar sem lei!
 
Agora, amor, ó meu amor, agora,
não deites fora o que na rua dei!
 
Julieta Fatal, in “Ingénuo, Leve, Rasgado”, página 12.   


domingo, 5 de setembro de 2021

Laura DaSilva

 

´
Capa do livro "Névoa em Luz", de Laura DaSilva.


Dois poemas:
 
[Perto do céu]
 
Perto do céu
Dum firmamento
Que se escoa
Num azul e branco
Que magoa!
Escarpas esguias
Nas montanhas frias
Com o corpo que jaz.
E da Alma apenas
Fica um tormento:
De que lugar sou?!
 
12 Abril 2014
 
[Estar num refúgio]
 
Estar num refúgio
Onde a dor e a morte
Se entregam
Sentir que partir
É voar num além!
Esboçar raios de luz
Num estremecer
Assim ficar recolhida
Apenas esquecida
Sem nada saber
Dessa partida…
 
20 Abril 2014
 
 
Laura DaSilva, in “Névoa em Luz”, páginas 46 e 47, edições MinervaCoimbra, Outubro de 2019.

sábado, 4 de setembro de 2021

A tua seca pele

 

Imagem na net.




Conheço o sal da tua pele seca

depois que o estio se volveu inverno

da carne repousada em suor nocturno.

 

Jorge de Sena, in poema “Conheço o sal”

 
 
 
 
Conheço essa pele
onde o creme desidratante
esbanja toda a sua sagacidade
e proporciona
um arrepiante deslizar sedutor
no âmbito da sensualidade esquecida.
 
Há um trilho a percorrer
na digitalização
das tuas acomodadas impressões
que soltando-se
inebriará
em consonância
todas as tuas propriedades corporais.
 
Depois os beijos molhados
farão derreter todo o sal
que emanará de todos os teus poros
num autêntico desalinho alinhado
na perfeição.
 
 
António MR Martins