quinta-feira, 1 de março de 2012

"Um Quadro"



O pintor abre a janela,
o aroma de um pêssego cola-se na tela.
Sente as mãos da manhã envolverem-lhe a pele:
gotas de tinta
pinceladas ao acaso.
Apetece-lhe o quadro, a madurez do fruto que se desfaz
a polpa, a cor acetinada misturada de memória.
A lucidez de um quadro que se avizinha,
entrecortado de vento,
- o secante da pintura –
um rosto, um fruto, um corpo de mulher
um olhar deitado no feno de Verão.
uma cascata. Um chuvisco de Agosto
um luar que se funde na trovoada…
criação do nada em aguarelas adormecidas
enquanto a tela mergulha no ocre da terra
como quem possui lingotes de ouro
- derretidos a preceito –
prevalece o aroma do pêssego:
e sente-o suave, aveludado
num ombro de mulher onde cola os dentes
um quadro, pintado no desejo!
Anoiteceu e nem deu por isso…
São horas de fechar a janela.


Dalila Moura Baião

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