terça-feira, 22 de maio de 2012

A apresentação de "Máscara da Luz", que havia de ter sido feita, a 19 de Maio de 2012, por José-Luís Ferreira


"MÁSCARA DA LUZ" de ANTÓNIO MR MARTINS,

o Tratado Verdadeiro duma Poésis do Quotidiano

Entendo como Tratado Verdadeiro duma Poésis do Quotidiano, a leitura que me permiti fazer deste livro de António MR Martins, induzido pelas suas poesias e conduzido pela pertinente análise de Catarina Moura Castel-Branco Boavida, no seu invulgar prefácio, de singela e profunda eloquência, fechada à chave, numa sábia sentença: «Não tentemos mudar o Mundo… / Tentemos antes civilizadamente humanizá-lo. / Ou humanamente, civilizá-lo».

O próprio Autor permanece, preambularmente, auto-(re)identificado, porque, sem […] «saber fugir da manha» […] «sem esquecer a verdade» […] persiste em […] «fantasiar a contenda, / mesmo que o leitor não entenda, / esperar a inspiração, / procurar a solução, / buscar a imensidão / e jamais ter emenda. // E continuar a escrever versos!...»

…e é por causa de um e, da outra, que – ao assumir o privilégio da apresentação deste seu livro, na terra onde nasci (e onde escrevi, há 59 anos, os meus primeiros poemas editados, na página literária dum diário lisboeta) – me permito, impudicamente, fabricar um poema de apropriação, projecção parcial de títulos dos seus poemas que – nele publicados (sem desprimor dos restantes) – mais apreciei: mas, isso, fica para o Fim!...

Tive e terei viva, comigo, sempre!, a presença memorial dos meus irmãos Poetas, assexuados e sem hierarquia de idade nem cor-de-epiderme, de fortuna ou fealdade: todos irmãos, alguns mais, do que outros! Sem culpa, nem remorso, pela emoção (ir)racional da Palavra, na racionalidade emocional e, supremamente inteligente, do pensamento crítico livre – o sangue e o esqueleto, que nutrem e suportam a carne, a sensibilidade da força à flor da pele, a "Máscara da Luz" da alma, a música da voz humana, tal como aqui a sinto plasmada. Neste exercício complexo de Arte Literária, o Livro com esse título.

A Poesia pode estar em qualquer lado, em todo o lado, em toda a parte, em qualquer sítio, (Jorge de Lima) como se não ocupasse espaço e não tivesse lugar, a qualquer hora de relógio, na expedita semana lunar ou na assimetria mensal dos calendários… A Poesia é a Arte-Síntese da Palavra… no Poema.

…Ou pode ser – precisamente, ao contrário: um mecanismo de dizer o máximo (ou o mínimo), com o máximo de palavras, gozando a métrica e a rima fonética, escrita às escadinhas, para gritar ou murmurar, vociferar ou – mais complicadamente – funcionar como acção gratuita, substitutiva do sexo freudiano, na masturbação mental, na agressão sádica ou no passatempo masoquista…

Tanto pode não ser susceptível de forma convencional, como pode (in)variável e, generalizadamente, ser escrita em qualquer língua, (in)vulgar, (in)comum, ou (in)existente. Cheia (ou vazia) de gramática. Caligráfica e (des)obrigada, da responsabilidade implicada por qualquer delinquência ortográfica…

…trate-se da Língua-Pátria Portuguesa ou de outro idioma linguístico de escrita elegível. Legível (ou ilegível), ...ou seja: uma língua Materna / ou Paterna / a língua da sogra; …uma língua viva / ou uma

língua morta; uma língua de cobra / uma língua de cabra; ou em língua estrangeira: a mais difícil e antiga língua popular / em calão / na gíria / ou na (in)compreensibilidade vulgar da erudição…

Pode dizer-se, em surdina ou alta-voz, rouca ou bem timbrada: em língua bífida, belfa, gaga e muda. Ou gestual. Em silêncio e às escuras. Ou em chamas. Em música, sem palavras / pode ser escrita e lida com perfídia / subvertida e malfazeja / chorosa, magoada, melancólica / queixosa, revoltada, pela indignação / pode ser verdadeira / e pode ser falsa / pode ser escrita muito-bem / muito-mal e assim-assim – sempre com a beleza que vai dos luares no firmamento, às tempestades / dos vulcões ou dum tsunami à paz aparente da calmaria – …a Poesia pode ser tudo. Ou nada.

Como um tiro-a-sério, de caçar, para matar (na defesa, ou por ataque) ou apenas pela pontuação de acertar num alvo artificial. Ou um tiro de pólvora-seca. Um tiro-sem-bala. Um jogo sem bola… um foguete. Ou uma bomba!

A Poesia pode ser escrita, portanto. E traduzida, vertida, adulterada, ou subvertida, por qualquer ser humano: Autor …ou Leitor.

…o Verosímil e o Inverosímil na Poesia e na Vida, são como o semelhante e o dissemelhante. O crível e o incrível: a verdade-factual e a verdade-imaginária, boiando no charco de uma mediocridade ociosa e marginal ao pensamento prático comum…

A vulgar poesia do quotidiano não é menos bela (nem mais bela) do que a bela poesia bélica, a poesia marcial, em prosa às escadinhas, em hino, em marcha ri(t)mada, cantada a um-dois / esquerdo-direito, ou a passo em frente, passo ao lado, como a polca …ou a um-dois-três, como a valsa. Alto! Descansar! Destro…çar! Acabou a guerra!

A Poesia de Contestação, de Intervenção e Propaganda, Política e Social, de Escarnho-e-Maldezer… Épica, Lírica, Trágico-Dramática, Cómica… (teatral, opera’tária, letrista e de letreiro, mural ou de placard)! (Ribeiro de Mello)

Há, houve sempre e, eu ouvi, até ensinamentos – de muitos explicadores sábios (mas pouco-estudiosos) lentes-e-repetentes de literatura e técnicas de versificação, que não eram nem são Poetas – árabes ou hebreus, nem gregos ou troianos, latinos, celtiberos ou lusitanos… germano-saxónicos, védicos ou sino-nipónicos – mas que ensinavam à burguesia iletrada, a diferença morfológica que se faz, entre a prosa e a poesia… e vice-versa.(Molière)

A saúde poética e o erotismo, o mal-estar social, a dor d’alma dos doentes, a fome das crianças, as dores-de-mãe, o cansaço assimétrico das velhas e dos velhos, inúteis, resistentes às diversões ocupacionais e aos passatempos experimentais dos gerontólogos, inimigos da eutanásia, investigadores egoístas da ciência da comprovação… parlamentares corteses, políticos e juízes!

Os coveiros das revoluções, os sufragistas da heroicidade patriótica, os coleccionadores de caveiras, são os proprietários intelectuais dos dois termos constitutivos da palavra composta: «Liberdade-Morta»

«Morta», o adjectivo que assassinou o nome e o conteúdo, a essência neutro/feminina do substantivo singular «Liberdade», abstracto, ilegal, indefinível, essencial à Vida Humana!

A expressão «Liberdade-Morta», sarcófago da Palavra-arquivada em estantes-mausoléu-de-livros, Bibliotecas desertas, abandonadas, museus de-lixo-e-luxo, cemitérios de uma cultura inútil de artefactos, tristes e silenciosos.

A primeira leitura de uma Poesia ou dum Poema (sacrilégio, ou comunhão devota) feita por um leitor estranho à sua escrita, é sempre uma apropriação. Uma invasão legítima, pública, ou secreta.

A segunda e a terceira leitura do mesmo poema, entram em domínios de alto-risco e roubo tendencial: a Poesia é sujeito passivo de apropriação, memorização e récita, perversão e desrespeito, a traição potencial.

Como se a Poesia não fosse «para comer» (Natália Correia) mas para ser roubada e explorada, para ser comida ou deitada fora, rasgada sobre uma lixeira, ou para «servir de mortalha ao cadáver duma ave, ou dum gato»!

A Poesia, hoje, é de hoje! Pode estar no Tempo, não sair do papel. Não ser escrita, sequer, como sempre(?). Mesmo que um dia não existissem mais Poetas, que a registassem, que dela fizessem Arte Literária (por exemplo) … Ela a Poesia, continuaria a existir e a manter-se à espera do Regresso dos Filósofos, dos Vates, dos Poetas!

Por ser imaterial, a Poesia veicula-se através de tudo quanto é (ou não é) sítio, aparenta mudar de forma e estilo, de modo e de maneira.

Poderá parecer que existem(?), hoje, mais poesias, mais Poemas e mais Poetas …sobretudo àqueles que não fazem a mínima ideia (e muitos são) de que a Poesia exista, porventura, no íntimo da sua própria identidade humana (divertida e distraída) cívica, ou destituída de civismo, a lattere dos índices habituais de analfabetismo…(Paseyro)

Muita da Poesia que hoje nasce (existe e se conhece), não pode ser copiada, nem plagiada, nem restaurada, nem contrafeita, nem coincidente, nem simétrica ou assimetricamente posicionável, em relação a qualquer passado do qual seja ou possa vir a ser futuro. Poderia ser consumida, mentalmente assimilada e digerida, como alimento!

Em múltiplas acepções, existem – actualmente – novos meios e suportes de escrita digital, constituindo um novo veículo virtual para a Poesia: a E-Poesia existe. Existem Web-Poemas. Existem E-Books de Poesia. Existem novos simulacros, materializando novas literaturas, na efeméride comunical das auto-estradas da Internet, nos jogos da guerra da Informação simultânea, caótica e Global… (F. Carvalho Rodrigues)

Um Livro Impresso (uma brochura, uma encadernação) passará, em breve, a ser tratado como raridade: um precioso e exótico artefacto old fashion, raríssimo e disputado, pelos patrões dos antropólogos!

Provavelmente, um dia, noutro tempo, noutro espaço, novas formas de vida olharão (com aquilo que tenham para vê-lo, ou identifica-lo) para um livro …como para algo misterioso, quiçá fascinante… senão

perigoso: um estranho objecto arqueológico, vestigial da existência dos seres humanos, paradoxalmente inventivos e reaccionários, progressivos e regressivos, construtivo-destrutivos, solidários e assassinos-suicidários, o que somos hoje – nós, que aqui estamos – à imagem e semelhança de um taxa mediana na estatística da população universal desta imunda e bela Nave dos Homens!

Nada disto será exclusivo poético autoral do António MR Martins. Porque ele é Poeta: um Poeta. E não é os Poetas-todos. Nem o maior poeta, no rink da competição literária, ou na feira-das-vaidades do poet’astrocenso. (Camões)

Ele sabe disso. Ele sente isso. Essa humildade é uma das mais legítimas razões do seu orgulho. De Pessoa Humana. Pensante e sentimental. Inteligente e emocional. E, saber-se isso, dele, é extremamente importante: porque é essencial para ser Poeta. É uma raridade, hoje, tal qual, supostamente, a existência de livros o será. No futuro.

JOSÉ-LUIS FERREIRA SAMBORINHO, CARAMULO, 2012, 14 DE MAIO

Sem comentários: