terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Arnaldo Saldanha Abreu


Arnaldo Saldanha Abreu, imagem da net.




Transparências

Em cima da mesa uma ampola de sangue.
A criança fervilha de curiosidade para agarrá-la.
Uma luz branca incide no tampo envernizado.
O reflexo percorre a transparência do pai estilhaçando
as delicadas extremidades de vidro.
O homem verte vinho para um jarro e tinge de tintura a água.
A mulher abre um frasco de amor e escurece de vermelho
fatias de pão.
As filhas têm tranças de cabelo azeitona e de trigo dourado.
À mesa todos se riem por ele ter a boca pintada de ameixa.

Na manhã seguinte quebrou a ampulheta e destruiu
o mecanismo de conta-gotas.

O reflexo imobilizou-se no rapaz que cresceu
e que vê pelas mãos à transparência.

Arnaldo Saldanha Abreu, in “Transparências e outros anexos”, página 7, edição de autor Euedito, 2014.

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