terça-feira, 9 de julho de 2019

Hilda Hilst


Hilda Hilst (1930-2004), imagem da net.




[Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca]

Toma-me. A tua boca de linho sobre a minha boca
Austera. Toma-me AGORA, ANTES
Antes que a carnadura se desfaça em sangue, antes
Da morte, amor, da minha morte, toma-me
Crava a tua mão, respira meu sopro, deglute
Em cadência minha escura agonia.

Tempo do corpo este tempo, da fome
Do de dentro. Corpo se conhecendo, lento
Um sol de diamante alimentando o ventre,
O leite da tua carne, a minha
Fugidia.
E sobre nós este tempo futuro urdindo
Urdindo a grande teia. Sobre nós a vida
A vida se derramando. Cíclica. Escorrendo.

Te descobres vivo sob um jugo novo.
Te ordenas. E eu deliquescida: amor, amor,
Antes do muro, antes da terra, devo
Devo gritar a minha palavra, uma encantada
Ilharga
Na cálida textura de um rochedo. Devo gritar
Digo para mim mesma. Mas ao teu lado me estendo
Imensa. De púrpura. De prata. De delicadeza.

Hilda Hilst, 1930-2004, in “júbilo, memória, noviciado da paixão”, página 73 (I, de “prelúdios-intensos para os desmemoriados do amor”, para Mora Fuentes), edições Companhia Das Letras, poesia de bolso, 2018.  

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