sexta-feira, 9 de novembro de 2012

A ferida

 

Real, real, porque me abandonaste?
E, no entanto, às vezes bem preciso
de entregar nas tuas mãos o meu espírito
e que, por um momento, baste

que seja feita a tua vontade
para tudo de novo ter sentido,
não digo a vida, mas ao menos o vivido,
nomes e coisas, livre arbítrio, causalidade.

Oh, juntar os pedaços de todos os livros
e desimaginar o mundo, descriá-lo,
amarrado ao mastro mais altivo
do passado! Mas onde encontrar um passado?


Manuel António Pina

in livro "Os Livros", página 17, Assírio & Alvim, Lisboa, 2003.

1 comentário:

Helen De Rose disse...

Fiquei pensando: será que um Poeta consegue renegar sua poesia? Tenho dúvidas, difícil renegar um filho concebido...

Boa noite,

Helen.