quarta-feira, 29 de junho de 2011

Decisão



Deixei de falar
e pensar
não penso mais.

Deixei de escrever
também
deixei de ouvir.

Para mim
as palavras
morreram
definitivamente.

No entanto
conservo o olhar
e permaneço
diante do oceano
a me observar
partindo de mim
todos os dias
não sei exatamente
para onde.

Sempre que volto
trago pérolas
que devolvo
imediatamente ao mar.

Quando anoitece
adormeço
para a vida
e então
me deixo esquecer
sem respirar.


Álvaro Alves de Faria

in “Sete anos de pastor”, Coimbra, Portugal, 2005

Escrita literária


Na prateleira as lombadas
entre os livros empilhados,
pelas folhas encadernadas
de conteúdos misturados.

Vendo as fotos dos autores
tanta diferença além sexo,
leitura de muitos sabores
tendo seus textos em anexo.

Tanto se escreve da morte
da palavra que não se cala
na esperança que é sorte.

O romance que não abala
e no verso perde seu norte,
pela literatura embala.


António MR Martins

imagem in http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1203 da net.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

MIL NOVECENTOS E CINQUENTA E SETE


Vi um camião esmagar

a parte de trás de uma sardanisca.


A parte da frente da sardanisca

continuou a andar pela estrada

mas o polícia de trânsito informou

que não tardaria a nascer-lhe

uma nova parte de trás.


A frente do camião é que ficou

sem conserto.


Amadeu Baptista

(in Açougue, Corunha, Espiral Maior, 2009)

No blogue: http://amadeubaptista.blogspot.com/

Ao correr das águas


Na redundância daquele açude
impera a sôfrega imprudência
entre as suas espumosas águas

As cascatas ali se espelham
em preâmbulos nostálgicos
e ânsias salivantes
num pleno contraste efémero
por onde caminham as tendências

O leito inconsolável
alberga a artimanha da corrente
num percurso flamejante

Naquele açude
se ultima tanta filtragem
onde os detritos se desconsolam
pelos conceitos da imensidão

A água
essa segue correndo

Até que possa fazê-lo


António MR Martins

domingo, 26 de junho de 2011

Sou bem capaz de matar


Sou bem capaz de matar
Sou um serial killer banal
Cometo crimes de faca e alguidar
E ninguém me leva a mal

Já matei um presidente
Já matei um deputado
De um ainda tenho um dente
Do outro um tostão furado

Enforquei a minha sogra
Degolei um assalariado
Um país que sempre demora
E um padre remunerado

Vi olhos rogando misericórdia
deu-me gozo circuncizá-los
Focei como um porco na mixórdia
Deixei as feridas ganharem calos

Já matei um otário, um Papa
Já matei o maior vigário
Um tipo dissimulado e à socapa
Que me queria vender o Sudário

Eu matei o próprio Cristo
E trago Judas tatuado nos braços
No coração uma espécie de quisto
E nos dedos a procissão dos passos

E tudo isto porque escrevo
porque sou devasso e livre
Porque mato até o medo
e tudo aquilo que nunca tive

O meu destino é de sangue
Tenho atrás de mim um rastro
Madalenas que me deixam exangue
E tudo aquilo com que me basto

Por isso o meu poema é de morte
Um rasgo cirurgico no peito
Um eterno tentar da sorte
Neste amor mórbido do leito

Quando me leres, benze-te
Três vezes antes de me amares
O que sou em verdade, pertence-te
Pensa bem antes de me matares


José Ilídio Torres

Deslumbradas expectativas

Entres as pedras gastas do cais
abalroa o navegar preciso
e coerente
da imensidão da bravura incontida
restam lampejos
de águas passadas por tantas memórias

Ali se afundou
a parte sobrante do riso
de imensa gente

Saem as últimas loucuras
em devaneios
no tempo tido por profícuo
em cada respirar

Eis o susto da sobrevivência
numa avaliação constante
como um mero aviso
de fugaz apelo irreverente

A sobra é inconsistente
e o espaço que a medeia
improvisa o desequilibrado futuro
sem a mínima noção exacta
do que são a polivalência
e a exemplar capacidade do mundo

Faltam as decisões
na validade da esperança

Uma réstia de fundamentos
perspicazes e relevantes
encandeia um sol posto
perante este apagado sorriso
entre a penumbra
de todo o ofício pendente

Do inferno ao paraíso
há um trato emergente
que se separa
no ápice de cada descontentamento

Eis um abraço que guiso
por cada olhar saliente
entre o melindre
do que é preciso
e o fastidioso
estado de conivente

António MR Martins

sábado, 25 de junho de 2011

Peso do Mundo


A poesia não é, nunca foi
uma enumeração ou composto
de exuberância, bondade,
altitude, nem arado
ou dádiva sobre chão
prenhe de mortos.

Nem o arrependimento
de Deus por ter criado o homem
com o rosto da sua memória,
ao lado dos seus vermes.

Tão-pouco fôlego dos que amam
abrindo a porta límpida
do corpo e chovendo sobre a terra,
ou carregam como tartarugas
o peso do mundo.

Nem reverência por um tigre,
pela leveza maligna de todas as patas,
pela sonolência junto à estirpe
aprisionada também
na dureza de ser tigre.

É o milagre de uma arma
total, de uma só palavra
reduzindo o átomo à completa inocência.

António Osório

in livro "A Ignorância da Morte"

José Pereira, de "Os Belenenses"


Guarda-redes
De excelentes recursos

Alcunhado
De pássaro azul

Pela beleza de seus voos
E pelos seus técnicos usos

Via o jogo
À distância
Estudando o contragolpe

Excelente a operância

Seguras mãos
Nas defesas

Regularidade
Nas prestações

Um guardião
De outras dimensões


António MR Martins

sexta-feira, 24 de junho de 2011

[Esparso e subtil era o pólen da pedra]


Esparso e subtil era o pólen da pedra
e a sua amêndoa opaca cintilava
como um punho de nervos e de olhos
entre os joelhos negros da matéria.
Era um porto de folhas como um barco
suspenso ou um fruto do silêncio.
A luz incidia sobre os montes vermelhos
cerimoniosamente lentos e suaves.
Algo amanhecia em fluvial frescura
como um jorro de frágil cristal.


António Ramos Rosa
in livro "DEZASSETE POEMAS", 1992, página 49, Editorial Escritor, Lda. 

Matateu, de "Os Belenenses"


Uma técnica superior
Um poderoso remate

Driblava de cor
Poderoso no embate

Um símbolo
Da Cruz de Cristo ao peito
Para os lados de Belém

Como ele

Nunca apareceu ninguém

Para o futebol
Um enorme jeito

Em espaço curto fintava
Em pequeno espaço livre
Rematava

Muitas vezes
Era golo

No seu clube
Ou na selecção

Sempre a mesma precisão


António MR Martins

quinta-feira, 23 de junho de 2011

a tua voz


a tua voz
:uma alameda de sons
encostada ao corpo,
traz-me a pedra das infâncias
a afiar-me os dedos
a mim
que sei de navalhas
o que outros sabem das mortes
como se os dedos
pudessem ir além do gesto.
O gosto do sangue é este:
- dizeres-me em que camas te despiste
         que outros nomes intima disseste.


Mário Contumélias

in livro "O Ofício das Coisas", colecção "imagem do corpo", nº. 34, página 56, edições Ulmeiro.

Vicente Lucas, de "Os Belenenses"


O saber estar
E elevar

Precisão no corte
Não perdia o norte

Cabeça elevada
Pensando o jogo

Excelente temperamento
Sem um lamento

O rei Pele secou
Sem que se desse por isso
A multidão pasmou
No Mundial de 66
Feitiço

Jogava de pantufas

Ao jogo baixo
Não recorria
Nem faltas duras
E em desacatos não se metia

Uma referência
Sempre sorria

Um acidente
Tirou-lhe a vista
E a alegria


António MR Martins

quarta-feira, 22 de junho de 2011

[na hora de pôr a mesa, éramos cinco:]


na hora de pôr a mesa, éramos cinco:
o meu pai, a minha mãe, as minhas irmãs
e eu. depois, a minha irmã mais velha
casou-se. depois, a minha irmã mais nova
casou-se. depois, o meu pai morreu. hoje,
na hora de pôr a mesa, somos cinco,
menos a minha irmã mais velha que está
na casa dela, menos a minha irmã mais
nova que está na casa dela, menos o meu
pai, menos a minha mãe viúva. cada um
deles é um lugar vazio nesta mesa onde
como sozinho. mas irão estar sempre aqui.
na hora de pôr a mesa, seremos sempre cinco.
enquanto um de nós estiver vivo, seremos
sempre cinco.


José Luís Peixoto

in livro "a criança em ruínas", colecção "Uma existência de papel", nº. 18, página 13, edições quasi.

Caminhos comuns


Num passeio o ressalto
Da pedra inerte sem fundamento
A atrocidade irrelevante empolga devaneios

Um brilho no olhar de cada ribalta que passa
E o enredo se estabelece

Há um pedaço de vida a cada esquina
E outro no chão esquecido

As vozes se incorporam
Trazendo consigo o som da cidade
Sem influências ou conjecturas

Mais um dia que cresce
No quotidiano de um percurso habitual
De todas as vivências citadinas


António MR Martins

sexta-feira, 17 de junho de 2011

"Insubmissão"

Comparavam-na com Antígona:
- por ser rebelde e insubmissa –
tinha nas veias a poeira
por onde o sangue se tinha escoado.
Acreditava que os deuses
decidiam
e que os homens, os terrenos
se podiam saciar
como as hienas,
forjando caminhos
de putrefacção
entre os escombros do odor
inalado, sobre a incoerência da vida.
Desistente nunca fora!
A rebeldia acendia-lhe o olhar
forjando caminhos
– ainda que conducentes à morte –
A morte, será apenas o prémio:
da fúria dos deuses,
derrubando grutas de silêncio,
onde a fome penetra agonizante
e se agita perante a rebeldia
que a detém.

É o amor que morre
No suicídio da inabilidade perante a luta
E a razão.

É a vida que se consome num pregão
Gritado na fúria
Que se obstina perante o poder que se mascara
Na indigência da valentia acossada.


As hienas vigiam a gruta:
sabem que a rocha se transformará em ossada
e que em breve os cães madrugadores
irromperão famintos
espetando na carne sobrante,
os incisivos dentes de areia
– que farejaram o homem soterrado –
e não encontram nada:
A fome e o desespero,
enterraram-se na revolta,
insuflada contra o déspota Creonte.
- que alterando o nome –
não alterou o desfecho:
Antígona voou no dorso da coragem!

Tal como ela, a quem a esta, comparada,
soltou um raio de decisão
e se fez vento,
se fez olhar,
se fez silêncio,
na montanha de açucenas,
onde divide o pão
e sepulta as migalhas de ternura…
Não vão as hienas, trespassá-las!


Dalila Moura Baião

poema a ser publicado num próximo livro da autora

Sublime extracto de amor


No sólido fulgor da ventura
onde os ânimos revoltam,
o espaço arde e perdura
entre os pruridos que se soltam.

A água aveluda o fogo
perante névoas de ar preso,
sobram as estrelas a quem rogo
só, estático e indefeso.

Na noite atento ao cintilar
das chamas algo adormecidas
afiro as ondas do teu louvor.

De esguelha luziu o teu pulsar
e se queimam as tuas feridas
renascendo celso tanto amor.


António MR Martins

imagem da net

terça-feira, 14 de junho de 2011

Poema da Memória


Havia no meu tempo um rio chamado Tejo
que se estendia ao Sol na linha do horizonte.
Ia de ponta a ponta, e aos seus olhos parecia
exactamente um espelho
porque, do que sabia,
só um espelho com isso se parecia.

De joelhos no banco, o busto inteiriçado,
só tinha olhos para o rio distante,
os olhos do animal embalsamado
mas vivo
na vítrea fixidez dos olhos penetrantes.
Diria o rio que havia no seu tempo
um recorte quadrado, ao longe, na linha do horizonte,
onde dois grandes olhos,
grandes e ávidos, fixos e pasmados,
o fitavam sem tréguas nem cansaço.
Eram dois olhos grandes,
olhos de bicho atento
que espera apenas por amor de esperar.

E por que não galgar sobre os telhados,
os telhados vermelhos
das casas baixas com varandas verdes
e nas varandas verdes, sardinheiras?
Ai se fosse o da história que voava
com asas grandes, grandes, flutuantes,
e poisava onde bem lhe apetecia,
e espreitava pelos vidros das janelas
das casas baixas com varandas verdes!
Ai que bom seria!
Espreitar não, que é feio,
mas ir até ao longe e tocar nele,
e nele ver os seus olhos repetidos,
grandes e húmidos, vorazes e inocentes.
Como seria bom!

Descaem-se-me as pálpebras e, com isso,
(tão simples isso)
não há olhos, nem rio, nem varandas, nem nada.


António Gedeão

Livro perfeito

Há a página aberta
no livro da perfeição;
é leitura descoberta
com grande satisfação.

Noutra página incerta
nos traz à leitura rigor;
anseio que tal desperta
ao menos atento leitor.

Seu conteúdo envolve
a mensagem majestosa
e a palavra manobra.

A mente assim dissolve
a poesia deliciosa
do conteúdo da obra.

António MR Martins

imagem na net

QUALQUER MÚSICA


Qualquer música, ah, qualquer,
Logo que me tire da alma
Esta incerteza que quer
Qualquer impossível calma!

Qualquer música - guitarra,
Viola, harmónio, realejo...
Um canto que se desgarra...
Um sonho em que nada vejo...

Qualquer coisa que não vida!
Jota, fado, a confusão
Da última dança vivida...
Que eu não sinta o coração!


Fernando Pessoa

in livro "Poesias" (Obras Completas de Fernando Pessoa), página 220, Edições Ática

palestra

o sonolência opera
no escutar da palavra vã.

tudo cheira a repetição
na podre atmosfera
do desespero.

não há discurso
que acate
este clima de negligência.

tudo soa a imperfeição
neste sonegar constante.

António MR Martins

imagem na net

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Apresentação do livro "Águas de Ternura", em Ansião, no Auditório do Centro de Negócios, 12 de Junho de 2011


A mesa de honra.
Da esquerda para a direita: - Drª. Teresa Ramos, directora da Biblioteca Municipal de Ansião, que apresentou a obra, Drª. Célia Freire, Vereadora do Pelouro da Cultura do Município de Ansião, moderadora da sessão e que fez a apresentação do autor e o poeta António MR Martins.


O poeta Luís Ferreira lê um poema de "Águas de Ternura".


A escritora Manuela Fonseca, também, lê um poema da obra em apresentação.


É a vez da escritora Maria de Fátima Gouveia.


Os membros da mesa atentos ao desenrolar do momento musical desta sessão.


António Simões musicou um poema do anterior livro do autor, "Foz Sentida", e interpretou-o nesta sessão. Foram emocionantes momentos.


Ocasião para António MR Martins fazer uso da palavra.


Nos momentos finais, o habitual autógrafo.