segunda-feira, 30 de junho de 2014

Telma Estêvão





AMARGURA

É como se em mim pousasse
Uma angústia lívida e lenta
Um sussurrar de véus em oração
O desnudar de um sal morno
Nos lagos do meu corpo arrefecido.

É como se em mim assentasse
Todo o luto da minha alma
Tecesse incompreendida
Um colar de uivos
Gélidos e cortantes

Percorresse sozinha a madrugada
Esquecida e abandonada.

É como se nos orvalhos, desgraçados
Vestidos de mim, arrastasse amargura
E sentisse a exigência vaga
E o suplicar longínquo
Dos perfumes desaparecidos, da Primavera.

É como se nos meus olhos, escarpados
Salpicados de alvura
O sol não penetrasse…
E as sombras efémeras gemendo
Não se encostassem eternamente a mim.

Telma Estêvão, in “Sob este céu azul, esta distância”, página 31, edições Arandis Editora, Março de 2014.

Recanto do encanto


Imagem da net, em: www.groupon.com.br



No bordo do gineceu
De uma cândida flor
O traçado sublime

Por onde se sente o fragor
De um perfume inalado
A partir da tua pele serena
Onde atracam
Os sentidos da esperança
E da felicidade

Perante a eternidade
Plausível

António MR Martins

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Teresa Teixeira





ALCANCE

…no eixo do mundo
na linha imaginária das asas
elevo-me em pontas
faço das estrelas um fio de contas
e regresso
ao estado elíptico das palavras –
numa curva
quem sabe
quem sabe
estará um abraço.

Teresa Teixeira, in “ Voo Livre”, página 58, edições Versbrava, Abril 2014.

melodia da saudade




cantam os pássaros
no meio dos silvados
enquanto
a saudade emerge
em batidas compassadas
a cada preâmbulo
das madrugadas esquecidas

a cada amanhecer
os pássaros regressam
saltando daqui para ali
perante o acordar seguinte

e às últimas
penosas batedelas
continuam cantando
a melodia da saudade

António MR Martins

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Francisco F. Gomes





Desejos doces

Pousem
Colmeias
Sobre seus túmulos
E deixem que o mel
Se escoe para dentro
-
Quando morrerem
E deste mundo se forem
-
São desejos pedidos
-
As ruas do paraíso
Serão douradas
E cheias de sol
Mas basta-lhes
O pequeno talhão
E um pouco de mel
Para adoçarem a viagem
E esquecer o amargo
Do mundo cruel
De “férias” em romagem
De tanto embargo
-
Pousem
Colmeias…

Francisco F. Gomes, in “Notas ao acaso”, página 82, edição de Autor, 2014.

Incontrolável contorno


Imagem da net, em: www.olhares.uol.com.br



Contorno as gengivas do teu canto
paladar agridoce da aventura,
saliva solta, lágrima e pranto,
dentes cerrados, ténue candura.

Contorno a espiral do teu corpo
adjacente ao vislumbre do olhar,
omitindo um qualquer anticorpo
que dificulte sublime desbravar.

Contorno eufórico tudo de teu
em amplitude que faz ruborizar…
relevando-me para o apogeu.

Contorno mesmo sem saber contornar
sintoma de que algo bom renasceu
pelo mais puro sentido de te amar.

 
António MR Martins

terça-feira, 10 de junho de 2014

José Gabriel Duarte





(NAS RUAS DA CIDADE)

Nas ruas da cidade escura e poluída
Vagueiam sombras de gente abandonada

Procurando entre os despejos de comida
Os sabores de uma mesa recusada

Adormecem cansados e sofridos
Pelos cantos dos becos e vielas
Abrigam-se do frio quase despidos
Debaixo das varandas e janelas

Como se nada de verdade eu dissesse
Como tanto do tão pouco se esquece
Mas é muito desse nada que envergonha

Não dessa gente pobre e desolada
Mas de outra rica e insaciada
Que essa cidade não vê,… nem sonha.

 
José Gabriel Duarte, in “No outro lado de mim”, página 95, edições Chiado Editora, Outubro, 2012.

apaziguantes sensações




esperei-te na descoberta
do sorriso inacabado
e de um abraço
dependurado
 
descobri-te ante a espera
por entre
um caminho desencontrado
na origem da encruzilhada
espevitadora de todas as nuances
que eclodiram
ao desenlace de um momento
 
António MR Martins
 
 

segunda-feira, 9 de junho de 2014

Rogério Martins Simões (Romasi)




Por quem a minha alma se ausenta

Aquela por quem minha alma se ausenta,
Divina musa que o meu tempo laça,
É sal que me tempera; que reinventa
A noite, quando a noite nos abraça…

Aquela que me tenta e tanto atenta:
Ilumina, fascina, e tem na graça:
A graça com que embala e movimenta,
Meu corpo que perdido esvoaça.

Aquela que na dor me faz rochedo;
Que por amor me perco e perco o medo:
É voz deste sofrer intolerante.

E se nem andar sei aquando ausente,
Aquela por quem meu amor tanto sente:
É beijo deste belo e terno instante.

 

Praia das Bicas, 21/10/2013 20:53:10

Rogério Martins Simões (Romasi), in “Golpe de Asa no Sequeiro”, página 80, edições Chiado Editora, Maio, 2014.

sem pendentes significados


Imagem na net, em: www.ouimadame.blogspot.com



onde vacila o verso
se encaram as mudanças
no amplo sentido do conformismo

existe um apego inabalável
que suporta a força rudimentar
em que as palavras fogem à montra
da consolidação

tudo se resolve pela revolta intensa
do mesmo som à mesma porta

perante a validez dum contínuo abraço
da metáfora descrita
e prescrita de todos os conceitos

António MR Martins

sábado, 7 de junho de 2014


Aqueles que esquecem o passado, como já muitos sublinharam, estão condenados a repeti-lo.
 
Desmond Tutu
 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Vítor Cintra





NOBRE POVO

Foi este povo heróico de Camões,
Nação que, por seus filhos, os mais nobres,
Em lutas com fantasmas, deuses, ogres,
Chegou a novos mundos. Fez nações.

Com sonhos de aventura no olhar,
Com alma e com grandeza de gigantes,
Rumaram a destinos bem distantes,
Lançados na conquista desse mar.

E porque, perseguir uma miragem,
Além de mais engenho e mor coragem,
Exige muita força e maior fé,

Poder domar, assim, o oceano
Só mesmo o nobre povo lusitano,
Humilde e arrojado como é.

Vítor Cintra, in “ Romeiros dos Oceanos”, página 32, edições Lua de Marfim, Maio de 2014.

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Clara Maria Barata




Para nunca mais

Para nunca mais
o silêncio das sombras
aquietadas em servidão
para nunca mais
a cinza do olhar
na luz magoada de um perene inverno
para nunca mais
esta dor que cerca
como um muro
semeando lodo à flor das águas
para nunca mais
os dias que jazem
onde a sorte dorme
e as noites se inquietam
de geladas luas sem candeias
para nunca mais
o pão da vida a lágrimas comprado.

Clara Maria Barata, in “No silêncio das luzes e das sombras”, página 14, edições Temas Originais, Maio de 2014.

história com amor




naufrago em teu corpo
sucumbindo ao tempo
da revolta
e da insistência do prazer

entro em tua ilha
onde abunda a resistência às marés
numa intensa sensualidade
culminada em desejos
sem paralelo

resguardo sentenças
em ecos de fragilidade
onde se acolhem anseios
pelos póros transpirados
em suas fragrâncias plenas

êxtase incontido
nas salivas cruzadas
e nos braços enlaçados
numa profusão única
ante a batida constante
de um epílogo sublime

António MR Martins

terça-feira, 3 de junho de 2014

Edgardo Xavier





Destroços

Trazia-te nos olhos o mar
que recolhi na espera
mas toda a verdade que exigias
só sangrando as palavras pude dar.

Há falas em que o céu se mata
para chegar às ruínas do amor.

Edgardo Xavier, in “Azul Como o Silêncio”, página 16, edições Chiado Editora, Maio de 2014.

Como a vida é surpreendente





Nas arestas da folhagem
Se incendeia o paradigma interventor
Que colide
Com a remessa memorial
De todos os raios solares

Existe um apelo consecutivo
Nessa cadência inquietante
Onde se estabelece o anseio
E a surpresa
De toda a novidade

Entre as folhas
Da frondosa árvore do encanto maior
Soa o desafio da vida
Pelo canto da ave que a embeleza
E perante o vento que a agita
Continuadamente

Sustentando-a
Moldando-a
E fortificando-a para vida

Nesse resistir constante
Sem receios e em sopros de felicidade

 
António MR Martins

segunda-feira, 2 de junho de 2014

Paulo Nogueira





22.

Gostava de escrever para ti
que os dias fossem em função de ti
que os teus olhos iluminassem
antes do Sol nos tocar nas manhãs

Que o mar se avistasse
da nossa janela
que do exterior, fosse tudo claro
Nós, incandescentes de felizes

Que abordássemos o tempo
sem obsessões e sem preconceitos
cientes de que o livro aberto
contém apenas palavras
que só os nossos punhos creem
que só as nossas mucosas decifram

Paulo Nogueira, in “2073”, página 28, edições Lua de Marfim Editora, Março de 2014.