quinta-feira, 31 de agosto de 2017

Chen Li, do Taiwan


Chen Li, imagem da net.



Tunnel

Your sobs, in the distance,
drilled a tunnel in my body.
This morning I was back again to the familiar darkness.
I entered the cell of the honeycomb wnere I belong
and waited for my sorrow to drip like honey.

In the amber hours I congealed myself,
reared by imaginary death, by
fudge of void. Silently your sobs
were tattooed on the leaves of my ears,
and then at the end of the tunnel they sparkled into a

transparent rain tree.

Search for its shape, not its entrance.
A tunnel passes through a life of distress to connect you and me.

 

 
Túnel

Seus soluços, na distância,
perfuram um túnel no meu corpo.
Esta manhã, voltei para a escuridão familiar.
Entrei na célula do favo a que eu pertenço
e esperei que minha tristeza gotejasse como mel.

Nas horas da âmbar eu congelei-me,
criado pela morte imaginária, pela
mentira do vazio. Silenciosamente seus soluços
foram tatuados nas folhas dos meus ouvidos,
e, no final do túnel, eles brilharam numa

árvore de chuva transparente.

Procurei a sua forma, não a sua entrada.
Um túnel atravessou uma vida de angústia para nos conectar.

 
Chen Li, in “The Edge of the Island”, página 152, edição Bookman Books, Taiwan, 2014.

segunda-feira, 28 de agosto de 2017

Epílogo


Imagem da net.



Sinto as dores da conformação
onde a palavra já não mexe
e o apêndice de cada verso
tem uma fugaz presença
no apagão das memórias.

As brancas inodoras permanecem
como devaneio oposto ao seu estatuto.

Cada princípio tem um fim,
dizem! Mas não ultimem a palavra.

Ai
estas dores não abalam
e a resistência
já não tem a força de outrora.
Os registos já não existem
e a consonância entre que já está feito
evapora-se.

Sinto as dores do conflito
das gerações esquecidas
na omissão de cada poema.

Os laços afectam a mediocridade
sem sentido qualificativo
e em quantidades efémeras.
Tudo é passageiro,
ao fim e ao cabo.

Ai
como as dores penetram em meus ossos
num aguçado percurso
em maldição exasperada,
nada parece ter sentido.

Fica o aperto das palavras
pelo nó da discórdia
e na envolvência do verso
que anseia pela liberdade!...

 
António MR Martins

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Camilo Pessanha


Camilo Pessanha, imagem da net.




CANÇÃO DA PARTIDA

Ao meu coração um peso de ferro
Eu hei-de prender na volta do mar.
Ao meu coração um peso de ferro…
Lançá-lo ao mar.

Quem vai embarcar, que vai degredado,
As penas do amor não queira levar…
Marujos, erguei o cofre pesado,
Lançai-o ao mar.

E hei-de mercar um fecho de prata.
O meu coração é o cofre selado.
A sete chaves: tem dentro uma carta…
- A última, de antes do teu noivado.

A sete chaves, - a carta encantada!
E um lenço bordado… Esse hei-de o levar,
Que é para o molhar na água salgada
No dia em que enfim deixar de chorar.

 
Camilo Pessanha, nasceu em Coimbra, 7 de Setembro de 1867 (vão passar 150 anos do seu nascimento), faleceu em Macau (China), 1 de Março de 1926, in “Clepsidra”, página 74, edição bilingue pelo Instituto Internacional de Macau, Março de 2016.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Minha naturalidade Lisboa


Lisboa, Castelo de S. Jorge (visto do Elevador de Santa Justa). Foto de António Martins. 


Lisboa, sete colinas em verso
num íntimo poema da saudade;
de ti nunca, ou jamais me despeço,
Lisboa, ó minha velha cidade.

Tua monumentalidade garante
no passado, presente ou futuro,
da História teu trajar elegante
junto ao Tejo, teu suporte tão puro.

Martim Moniz não deixou fechar portas
entre tantas linhas direitas ou tortas
que te bordaram nesses séculos fora.

És arte, cultura, até ao Chiado,
forte ventre donde nasceu o fado
musa presente da noite à aurora.

 
António MR Martins

sexta-feira, 18 de agosto de 2017

João Luís Barreto Guimarães


João Luís Barreto Guimarães, imagem da net.




Em segunda mão

Uma
casa de artigos à venda em segunda mão é
o lugar ideal para conheceres alguém. Puído
cerzido
mais sábio (a utopia perdida quanto à
duração do amor). Uma loja de usados é
o local ideal para revenderes a tristeza
(livrares-te da ilusão de que a inocência persiste)
deixares cair o apelido que trazias
algemado. Aí
entre coisas raras (sem uso
à espera de vez) está alguém a quem o tempo
ensinou a temperança
(alguém a quem o pesar ministrou paciência)
que recebeu em esperteza o que entregou em
esperança. Numa casa de artigos à venda
em segunda mão quem sabe tens para dizer
o que alguém vem escutar.

João Luís Barreto Guimarães, in “Mediterrâneo”, página 68, edições Quetzal Editores, Março de 2016.

quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Nas marcas da areia


Imagem da net.



Na areia molhada a dois tempos
onde se transformam tantos costumes,
se recriam antigos passatempos
e se instalam perdidos cardumes.

Nova onda se espraia na areia
demonstrando tamanhas evidências,
do oceano não surge qualquer sereia
e água se esvai pelas saliências.

Neste filtrar de enorme beleza
puro representar da natureza
navegam as ondas, no seu vai e vem.

Pelo embalar delicado ou rude
belo marear de grande virtude
e o partir ou chegar me faz refém.

 
António MR Martins

domingo, 13 de agosto de 2017

António Duarte Mil-Homens


António Duarte Mil-Homens, imagem da net.



Poema que alguém não escreveu

Não me consolem!
Não me confortem!
Não me adormeçam o ódio!
Deixem-me soltá-lo e bebê-lo!
Quero respirá-lo e sê-lo!
Quero programá-lo e dizê-lo!
Não mo apaguem!
Não mo corrijam!
Não o estanquem!
Deixem correr…
Quero espalhá-lo ao escrevê-lo,
e para o escrever preciso tê-lo.
Quero fazer dele o ébola
em que cada um de vós,
ao lê-lo, sinta incubar,
virulenta, a indignação,
o medo, o horror,
quiçá a admiração,
o pasmo, a revolta…
mas não o sono, a indiferença.
Que seja a cura ou a doença,
jamais o mono, o forra estantes,
o objecto decorativo.
Figurativo, nunca! Antes abjecto!
Quero que o tenham à perna,
vingador e vingativo
dum passado que vomito,
que exorciso quando escrito.
Que não se afoga no tinto.
Que não se dilui quando o pinto,
disforme e feio.
Que não se cala quando o grito!
Que não me importa se o minto,
se assim o sinto…e ODEIO!!


António Duarte Mil-Homens, in “Voda ou Morte duma Esperança anunciada”, páginas 61 e 62, Edição de Autor, Macau, Setembro de 2010.    

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

Naturalidades



Imagem da net.




É mesmo natural
o paladar das coisas simples
e a estratégia que as define,
sem modos,
sem preconceitos,
sem devaneios,
sem a ávida intenção
de uma crua resolução,
à imagem do prevaricador.

É mesmo natural
o respirar da revolta permitida,
porque nada supera
aquilo que é (im)possível fazer,
mesmo que vá para lá
de toda a imaginação.

É mesmo natural
o sonho,
a esperança,
o desejo,
na vida existencial…
mas tão difícil de alcançar!..

 
António MR Martins

domingo, 6 de agosto de 2017

João Carlos Esteves


João Carlos Esteves, imagem da net.



CREPÚSCULO

Suavemente chega o crepúsculo
com os seus cambiantes serenos
e reflexos fugazes
como etéreas folhas em queda
das árvores outonais

Arauto da noite próxima
prenúncio das horas leves
dos silêncios confortantes
e das solidões incógnitas

Refrescantes sombras crescentes
espalham-se sobre o cansaço
dos momentos já esgotados
na azáfama do dia
como um manto protector
de oblívios perdões

Efémera presença a tua
de brandos momentos tingidos
com tonalidades difusas
transitórios pedaços em mescla
de um bulício angustiado
e de um sossego ansiado

Cai a noite repousante
com os seus véus de mistério
encerrando a magia tépida
do crepúsculo passageiro

 
João Carlos Esteves, in “Gotas de Silêncio”, página 35, edições Temas Originais, 2011.     

Sólido perfume


Imagem da net.



Nalguns suaves cheiros-perfumes
envolvência de simples sensação,
permitindo esquecer azedumes…
benigna solidez da moderação.

Aromas esfumando cicatrizes
afagando a pele adormecida,
vivas mensagens com novas raízes
fortalecem e alegram a vida.

Fomentam surgir várias nuances,
sãs fragrâncias de tantos romances
que rejubilam múltiplos semblantes.

Suco festivo das mais belas flores
no trânsito de inúmeros amores
alto pecúlio para muitos amantes.

 
António MR Martins

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Severino Moreira


Severino Moreira, imagem da net.



SORRISOS SEM PELE

Gosto de um sorriso sem pele
Que eu colho e não nego
Por me trazerem alento e aconchego.

Fatiguei-me dos que são maquilhados,
E teimando plagiar girassóis
Deixam-se medrar a eito pelas ervas do despeito…
Ferem-me os sorrisos formais
Que ardilosamente insinuantes
Simulam brotar das entranhas do peito.

Gosto mais
De um sorriso sem pele
Que só alma boa gere e impele.

 
Severino Moreira, in “Desconexões” (andar pelas fragas do caminho), 2.ª edição, revista e aumentada, página 73, edições Temas Originais, 2016.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

Diferenciados meios


Imagem da net.



Naquele tecer de dois gumes
palpitou a inquietação,
no rebordo dos secos lábios
humedeceu o (des)alento
da matéria improvável
e do teor que a impregna.

O matizar impróprio
adocicou todo o material
e o subestimado enredo,
deixou de vacilar
perante as partículas da seca pele,
que os vinha amedrontando.

Um labirinto de receios e medos
destabiliza toda a solenidade
daquele único momento,
surge o descabido comentário
prolongando tamanha contenção.

A diferença poderá
repelir a consonância
com a simplicidade de todos os sentires,
até aqui arredios,
então tudo se sucederá
de maneira bem diferente.

 
António MR Martins