quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

Amélia Vieira


Amélia Vieira, imagem da net.




[Não ao acaso senhor dos vendavais]

Não ao acaso senhor dos vendavais. Não por acaso são estes teus
sinais.

Eu, sem núpcias e fulgores, não tendo as chamas, também não
quero amores.

Tu, sem a bela capital, não vedes a saudade que sinto enquanto
espero as tuas dores, chagas macias, braçadas, vigias, que semeio
em chão diferente, nestes dias?!

Terra, bem-diz o meu poema. Renegaram-te as nascentes e eras
fêmea. Foste desventrada das sombras do teu reino, e agora,
transformam as fontes e a seiva.

Violeta e rósea é a saudade, como o fundo macio das coisas graves.
Um Outono sem cio que me recobre em toda a minha claridade.

Barqueiro de amor que me vela a sós com os beijos das madrugadas
frias.

Sou eu o dia.

Singular desdita, tu barqueiro que me persegues e me agita, pensa
que:

Tudo desfaço.

Pois nada em mim fica.


Amélia Vieira, in “Abril”, página 45, edições COD, Macau, Setembro de 2017.

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