José Jorge Letria, imagem da net.
[Andamos com o sono desencontrado]
Andamos com o sono desencontrado,
eu e os gatos. Um lava-se, meticuloso,
junto a um busto de Puccini,
outro olha fixamente um retrato
de meu pai, tirado num tempo
em que a felicidade era um anel
perdido entre a urze e o linho,
em que eu não existia ainda
no calendário tumultuoso dos dias.
O meu pai temia os gatos pretos,
mas só eles sabiam do seu sofrimento
e fugiam dele para não terem,
distantes e benignos, de o partilhar.
José Jorge Letria, in “O Livro dos Gatos”, página 30, edições Universitária Editora, Lisboa,
2001.
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