segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Licínia Quitério





PERCURSO

Venho de longe,
de terras pobres
caseadas de portas
com trincos de madeira.

Trago nos olhos
os microcosmos
das brasas das fogueiras.

Nos cabelos,
os cheiros da queima das ervas
a esconjurar maleitas.

No longe havia gente
que atirava palavras
à dor e à alegria
e aos bichos tresmalhados.

Para trás ficaram
as fontes e a sede dos cântaros
e a evidência da Cassiopeia
e o bailado dos vaga-lumes.
Venho guiada pelo murmúrio
de raízes subaquáticas.

Perdi o mapa das viagens
e desprezo regressos.

Aqui cheguei
para conjugar o verbo
no tempo dos meus passos.

Licínia Quitério, in “De pé sobre o silêncio”, páginas 11 e 12, edição de autor, Novembro de 2008. 

Despavimentar mórbido


Imagem na net, em: www.adivinha.blogs.sapo.pt


Não me amedrontem o sentido, só
apegado ao delinear do medo…
numa sequencial morte sem ter dó
entre a euforia e o degredo.

Na paisagem tremida, imensidão
espoliada de tantos anseios,
escolhos retirados da confusão
por entre virtudes e devaneios.

Promiscua conjuntura resistente
pelos sopros aziagos desta vida
e a sensibilidade assaz dormente.

Umbigo saliente, tez batida…
no suprir dum afago, infelizmente
quando soa a ordem da partida.

 
António MR Martins

sábado, 25 de janeiro de 2014

Carlos Carranca




Guitarra Lusitana

Guitarra, meu amor de raiz;
minha mulher encordoada…
Procuro o meu país
no teu corpo de mulher, imaginada.

Contigo subo na fragrância
de teus enlevos
de corsa. Frágil elegância
de tuas ancas nos meus dedos.

Guitarra, meu país por dedilhar!
Percorro-te nas cordas da loucura;
nas ânsias frágeis da dor.

Sinto-te nos dedos. Vamos namorar…
Estreito-te pela cintura.
Guitarra lusitana, meu amor!

Carlos Carranca, in “Coimbra à guitarra”, página 18, edições MinervaCoimbra, 2003.   

um pesadelo na noite


Imagem da net, em: www.lafarlede.fr


o vento intragável
desafiou todo o desânimo
entre as florestas desabridas
perante a inexistência da contemplação

o esvoaçar das aves
escapou à surdina escoltada pela intempérie
entre o eclodir da chuva
a destempero
num bater profundo
das suas bátegas da desconsolação
em enfoques sombrios
perante os trovões da incongruência

a gelidez com que o lençol nos abraça
solicita a companhia de todas as lãs
e da coberta do consolo
mas a avidez do grito do vazio
empalidece a pele dos resistentes
perante a fuga de todas as nuvens

o vento assobia a melodia do suspense
em interlúdios de impaciência
na brevidade do tempo
que vai sumindo sem prestar contas

mas eis que chega outro tempo
que partindo igualmente
nos deixa o silêncio do repouso

e tudo acontece
quando a natureza
veio descansar… na minha cama

 
António MR Martins

sábado, 18 de janeiro de 2014

Pré-apresentação de "Margem do Ser", em Ansião, 2014.01.18

 
No Palco do Sentidos
 
Travessa da Misericórdia, Ansião
 
Mesa de Honra
 
Da esquerda para a direita: Rita Miguel, animadora cultural, que
apresentou obra e autor de "Margem do Ser", Tomás de Melo, que leu dois poemas da obra,
António MR Martins, o autor e Pedro Baptista, editor, da Temas Originais.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

por onde o mar vive


Cabo da Roca, por António Martins.



dos lados do mar
vem a cálida presença
da penumbra dos sentidos
o aroma da respiração dos búzios
e a voz rouca de todas as conchas

dos lados do mar
vêm as nuvens da descoberta
ante o raiar do novo sol
que ilumina certeiramente
a água perpétua de todas as ondas

dos lados do mar
o cheiro inebriante da promessa
e a luz da radiosa esperança
com um sobrescrito lacrado
contendo todos os desígnios do mundo

dos lados do mar
a ousadia pujante da juventude
no percurso da ordeira nação
e o voo das aves cintila
o libertar das amarras da contenção

dos lados do mar
a magia do suspirar ondulante
ante o asfixiar medonho
pelos nódulos da imposição
e o prurido da dor incurável do desalento

dos lados do mar
ecoam gritos espirituais da verdade
inaudíveis por tantos tímpanos moucos
e o desassossego dos irrequietos corpos
esfria-se no esquema da condescendência

 
António MR Martins

domingo, 12 de janeiro de 2014

Pré-apresentação do meu novo livro "Margem do Ser", em Ansião


O autor, António MR Martins, o Palco dos Sentidos e a Temas Originais
têm o prazer de o convidar a estar presente na sessão de pré-apresentação
do livro "Margem do Ser", a ter lugar no espaço de actividades
educativas, culturais e entretenimento Palco dos Sentidos, sito
na Travessa da Misericórdia (esquina da Avenida Dr. Vítor Faveiro),
em Ansião, no próximo dia 18 de Janeiro, pelas 15:30. Obra e autor
serão apresentados pela animadora cultural Rita Miguel.
 
No fim da sessão, saboreie uma bebida connosco. 
 
 
Apareçam e tragam mais amigos convosco.
 
 


A árvore da vida



ao tronco me encosto
na sombra efémera
desguarnecida no tempo

aqui arrecado
os prantos que são da vida
encerrando-os em minhas gavetas

aqui alinhavo
dissertares e percursos vindouros
esperançosos

aqui embalo palavras
agitando-as depois
e retirando-as  de seguida
do pensamento
uma a uma

nestes ramos
se penduram sentidos
do simples descanso
do voo de tantas aves

é nesta árvore
onde o meu momentâneo lar
de memórias
acontece

António MR Martins
 
 

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A candeia das remotas memórias


Imagem da net, em: www.trocadero.pt



Da candeia se apagam
as rédeas da visibilidade
e as gotas de petróleo secam seu desvario
numa acendalha descabida
onde outrora o azeite fazia sua escalada

Da candeia se desfocam
as imagens ternas e afagantes
entre o denodo persistente do frio
e o pavio da concordância
que repele todas as máculas da tristeza breve

Da candeia flamejante
pousada no desvario da memória
se ungem os sentidos
através da tangente da sobrevivência
ante a espera do porvir

Da candeia irradiante
o calor único e a luz ténue
metamorfoseiam
a palidez incandescente
de um passado nunca esquecido

Da candeia velhinha
sobram tantos pedaços de história
na simplicidade do seu manusear
entre as esferas da solidão
e a negrura de tantas noites

Pela candeia sem luz
cresce a escuridão do ocaso
na presença de tantos anseios
que aguardam ansiosamente
a claridade de um novo dia

 
António MR Martins

Vítor Cintra - 3





Lembrando:
SIDÓNIO MURALHA

Se o «Novo Cancioneiro» foi razão,
Ou foi, apenas, uma solução
P’ra criticar visões salazaristas,
Em versos ditos neo-realistas,
Jamais o saberemos. Logo agora
Que quem escreveu já cá não mora.

No mal dizer, porém, há uma certeza,
É tradição da gente portuguesa.
E, quando o mal dizer assenta certo,
A gente sente quase o céu aberto.

 
Lembrando:
DAMIÃO DE GÓIS

Nascendo na nobreza, em Alenquer,
Foi Damião de Góis historiador;
Mostrou na sua vida tal saber,
Que se tornou versátil escritor.

Mas não provou somente a escrever
Os seus imensos dotes e fervor,
Também noutras alturas provou ser
Bom músico e até compositor.

Das artes foi mecenas, por prazer,
Colecionando obras com valor,
Quando era no estrangeiro embaixador.

Voltando a Portugal veio a sofrer,
Por mera insensatez de um delator,
O cárcere às mãos do Inquisidor.

Vítor Cintra, in “ Nas Margens do Esquecimento”, edições Lua de Marfim, páginas 49 e 73, Outubro de 2013.