segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Paulo Henriques Britto



Paulo Henriques Britto, imagem da net.



DE VULGARI ELOQUENTIA

A realidade é coisa delicada,
de se pegar com as pontas dos dedos.

Um gesto mais brutal, e pronto: o nada.
A qualquer hora pode advir o fim.
O mais terrível de todos os medos.

Mas, felizmente, não é bem assim.
Há uma saída – falar, falar muito.
São as palavras que suportam o mundo,
não os ombros. Sem o “por quê”, o “sim”,

todos os ombros afundavam juntos.
Basta uma boca aberta (ou um rabisco
num papel) para salvar o universo.
Portanto, meus amigos, eu insisto:
falem sem parar. Mesmo sem assunto.


Paulo Henriques Britto, in “Macau” (Prémio Portugal Telecom de Literatura), página 17, edições Babel, 2010.  

sábado, 2 de dezembro de 2017

Urgências


Imagem da net.




Nessa eupatia blindada,
profusa em tiritares disfarçados,
se aprofunda
o olhamento a tantas dúvidas.

Há tanta barreira paralela
que não ousas ultrapassar
no aquilatar dos teus problemas.

Separam-se as águas
de todas as fontes
e a leveza da tua envolvência
torna-se irrequieta a cada momento.

Tanto ilogismo balança
em tuas mimosas mãos.

 
António MR Martins

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Rui Rocha


Rui Rocha, foto do Jornal Tribuna de Macau (na net).



[todo o lugar é um lugar vazio]

 todo o lugar é um lugar vazio
nem as árvores nem as pessoas
farão menos vazios esses lugares

 o olhar de hoje será diferente
do olhar de amanhã
como dos dias que se seguem

 contudo tudo continuará vazio
tão vazio como a morte de um deus
que nunca existiu

 
Rui Rocha, in “Taotologias”, página 37, edições Editora Labirinto, colecção contramaré / 11, 2016.

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Plena transformação


Em Ansião, foto de António Martins.




no desnudar da árvore
a transformação
da natureza inacabada.

os gestos arredondam-se
perante os extremos dos ramos
vividos
e as folhas sobrevoam
até à momentânea quietude dum chão
que jamais será permitida.

o vento impulsionará
cada esvoaçar circulante
das folhas perdidas
que se vão juntando
ao longo do muro da separação,
enquanto outras
voltarão à terra, virando estrume,
nesse conceito
de um transformar pleno.

há um sentido para todas as coisas
e a memória
permanecerá viva
a qualquer consequência
dos mais inusitados caminhos.

as imagens,
em qualquer âmbito,
darão sentido
à justificação desse mistério.

 
António MR Martins

sábado, 25 de novembro de 2017

Hoi An (Vietname)


Um das margens do Rio Thu Bom, em Hoi An.
Foto de António Martins.




nos teus velhos laços
da existência
caminham correntezas
de ânsias e melodias,
sob a vigília
das tuas paredes de antanho.

ante a serenidade
das águas, verde-opaco, do Thu Bon,
as tuas pontes testemunham
a passagem de milhares e milhares
de viajantes.

na paisagem
decorada com balões de tantas cores
existe um cheiro de gastronomia, a teu modo,
e os paladares ajeitam-se de forma consecutiva.

o calor traz-nos
o sabor dos corpos
e o louco excitar dos deuses
perde-se no tempo.

as motorizadas
surgem-nos de todos os lados
desenfreando êxtases,
perante as memórias desguarnecidas.

o arroz é companheiro da alma.

mesmo quando a natureza
age de forma louca
e te desalinha
dos teus preceitos desalinhados.

António MR Martins

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Inez Andrade Paes


Inez Andrade Paes, imagem da net.




FLORES ABERTAS

lembras-te da tarde
em que estavas adormecido junto ao cedro
com pedras castanhas a cobrir-te os pés
essas flores amarelas que saíam aqui e ali
eram as alegrias que teus dedos faziam mexer
por baixo das agonias
que teu coração não quis deixar transparecer

diz-me tens saudades daquele lugar?
onde as árvores cantam
e os pássaros param para ouvir
tudo ali é diferente porque de amor se quis
que naquele cedro perto da raiz nascessem pedras castanhas
todas brilhantes como se pintadas de verniz

ali jazem a tua e a minha mão
em forma de raiz para que delas nasça outro cedro

com flores amarelas abertas

é para ti

 
Inez Andrade Paes, in “Da Estrada Vermelha”, página 46, edição da Autora, 2015.  

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Último bónus


Imagem da net.




Às vezes
chove-nos na infância
e ficam turvas
todas as recordações.

Lembro-me
dos raios de sol
que vieram secar
todas essas imagens.

Quase todas desbotaram
e o deslumbre húmido
escorregou-nos pelas veias.

 
António MR Martins

terça-feira, 21 de novembro de 2017

Rogério Martins Simões (Romasi)


Rogério Martins Simões (Romasi), imagem da net.



Por quem a minha alma se ausenta

Aquela por quem minha alma se ausenta,
Divina musa que o meu tempo laça,
É sal que me tempera; que reinventa
A noite, quando a noite nos abraça…

Aquela que me tenta e tanto atenta:
Ilumina, fascina, e tem na graça:
A graça com que embala e movimenta,
Meu corpo que perdido esvoaça.

Aquela que na dor me faz rochedo;
Que por amor me perco e perco o medo:
É voz deste sofrer intolerante.

E se nem andar sei aquando ausente,
Aquela por quem meu amor tanto sente:
É beijo deste belo e terno instante.

 
Praia das Bicas, 21/10/2013 20:53:10

 
Rogério Martins Simões (Romasi), in “ Golpe de Asa no Sequeiro”, página 80, edições Chiado Editora, Maio, 2014.

sábado, 18 de novembro de 2017

Numa folha de papel


Imagem da net.





Na branca folha de papel
rectângulo do meu sentir,
entre caneta ou pincel
as imagens podem surgir.

Risonha fuga à vida,
metáfora discordante;
na palavra permitida
um verbo desconcertante.

Quatro cantos em si mesma,
um espaço por preencher;
com quinhentas se faz resma
pelo pintar ou escrever.

Dobrável de qualquer modo
rasgável de tanta forma,
mensageira no seu todo
contrária à simples norma.

Legendada a preceito
simples nota, grande carta,
sendo livre seu respeito
de utilização farta.

Secreta anotadora,
alvo de tantos costumes;
mensagem libertadora
das palavras, seus perfumes.

 
António MR Martins

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

Teresa Brinco de Oliveira


Teresa Brinco de Oliveira, imagem da net.




Dispersão

não eram limites as palavras nem os caminhos.
nem o rio tinha margens.
não era o caso. nunca foi o caso.
havia uma nascente cristalina perto da casa. não foi ultrapassada.
a casa era branca. ficou escura.
só tentei dizer que não entendia
o escuro da casa. as cores diluíram-se. a parede soçobrou
no silêncio. e só tentei o murmúrio da nascente.
e era justo. e não fui injusta.
e as palavras acabaram sendo vãs
e tão poucas. e por isso se perderam como a nascente.

quando as palavras encontraram o vértice do ângulo
entraram num gráfico de dispersão
irremediavelmente.

 
Teresa Brinco de Oliveira, in “O Riso Rasgado do Tempo”, página 64, edições edita-Me, Maio de 2011.       

quarta-feira, 15 de novembro de 2017

A estrelícia do teu olhar


Imagem da net.




Uma flor desponta
no seio do teu olhar.

Vislumbro um mar enorme
por onde navegam os sonhos
e o murmúrio da voz do mundo.

Um sumido eco audível
exulta suavemente a alegria
outrora escondida.

Há um sorriso transparente
no horizonte da tua face
e o teu interior rejubila, intensamente.

A estrelícia do teu encanto
assume-se sem algemas descabidas
numa relevância impune
em simples sublimação.

 
António MR Martins

domingo, 12 de novembro de 2017

Reerguer


Imagem da net.




Partes na manhã adormecida
ante o tremor
das doridas pernas da razão.

Balão de soro
para a tua perspicácia.

A dormência do teu corpo
já não se faz sentir.

Pelo caminho se fará a vida.

 
António MR Martins




sábado, 11 de novembro de 2017

Dalila Moura Baião


Dalila Moura Baião, imagem da net.




ENTRE NÓS E O INFINITO

Amamo-nos assim
entre as palavras e a melodia.
Entre o espasmo dos dias
e a brancura da noite.
Soltam-se os fios de luar e tecemos
a cama e o fogo.
Incendiamos as horas – num único momento –
E toda a labareda alastra como furacão
com olho no mar.
Um barco. Um cais deserto.
Duas mãos que remam num toque de sal
que escorrega no corpo e no silêncio.
As palavras não fazem falta.
A ausência é o local onde nos encontramos.
O verde propaga-se entre os olhos e os limos.
Tudo é mar! Toda a nudez se veste de espuma.
E carícia.
Amamo-nos assim: entre o mel e o silêncio.
Entre nós e o infinito.

 
Dalila Moura Baião, in “Quando o mar corre no peito”, página 34, edições El Taller del Poeta S. L., Pontevedra (Espanha), 2014.

terça-feira, 7 de novembro de 2017

Esquadria poética


Imagem da net.




Abraçam-se em importantes sentidos,
na plenitude de cada poema.

Os esquemas são desavindos
neste caminhar profundo
e de benfazejo fortalecimento.

As linhas endireitam-se
e o percurso curvilíneo
deixou de o ser.

A linha única
passou a ser o nosso caminho.

 
António MR Martins

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

Licínia Quitério


Licínia Quitério, imagem da net.




[Nada demais, amigo]

Nada demais, amigo.

Tudo cabe nas nossas águas.

Miragens, dizes, e eu digo torres, tão altas, tão fundas, tão
iguais ao giz com que as traçámos.

Nos nossos sonhos, poderão nadar todos os peixes, nascidos
das conversas adiadas.

Tudo cabe, tudo vive, tudo se move, nos mil andares dos
velhos mitos.

Nas nossas mãos, nada toca, nada mancha, nada fere, nada
queima, nada.

Intacta a carne que o fogo alimenta e não devora.

Tudo acontece na outra face dos nossos lagos.

 
Licínia Quitério, in “O Livro dos Cansaços”, página 38, edição da Autora, Fevereiro de 2015.

sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Brindar à (im)perfeição


Em Carvalhal-Miúdo, Góis. Foto de António Martins.



Sede de um vinho já desfeito
alvo propósito indefinido,
secura, desempenho sem jeito,
rumo ao paladar pretendido.

No golpe desferido, mansinho,
seja lá de quem for o proveito,
brindemos com um superior vinho
pelos simples moldes do preceito.

No proteger das vinhas e bagos
dos sublimes sabores, tão vagos,
por onde fervem grandes ilusões.

O suco das uvas de eleição
envolve-nos, assim, na perdição,
aquecendo múltiplos corações.

 
António MR Martins

quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Fátima Guimarães


Fátima Guimarães, imagem da net.





 
Não, não quero ser musa, nem ninfa, nem sereia.
Não quero ser palavra calada
nem sonho à margem do desejo.

Quero ser em ti mulher inteira,
aquecer a alvura fria dos lençóis.
Quero ser em ti o sol
duma amena tarde de outono.

Quero-te antes que os sonhos morram,
antes que hibernem em si mesmos.
Quero-te, agora, ao entardecer,
na urgência de quem teme não amanhecer.

 
Fátima Guimarães, in “a voz do nó”, página 58, edição da Autora, Novembro de 2014.     

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Renascer ou simplesmente viver


Imagem da net.




Há uma frieza
espontânea,
que antecede
a estática conformação,
num apelo indelével
no começo de cada verso.

Estreita
o muro que nos separa,
na nossa fragilidade
do ser.

Não mais seremos como fomos,
e o futuro
será a surpresa
de cada amanhecer.

 
António MR Martins

sábado, 28 de outubro de 2017

Henrique Levy


Henrique Levy, imagem da net.




OS BRAÇOS

rapazes chegaram
mãos erguidas espigas entre os dedos
rosas brancas nos cabelos

chegaram rapazes
trigueiros morenos
alvas almas de pétalas

nuvens formam o chão

chegaram juntos unidos pelos dedos
que não traziam espigas
os corpos sumidos
suavam mel
com eles vinham abelhas

os rapazes chegaram
chegaram espigas
rosas brancas
abelhas

o trabalho chegou
braços esguios erguendo
pedras constroem caminhos
de pétalas brancas
espigas e mel

piso as rosas brancas
como pão
como mel
os rapazes partiram…

 
Henrique Levy, in “Noivos do Mar”, páginas 25 e 26, edições Labirinto, 25 de Abril de 2017.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Carlos Frias de Carvalho


Carlos Frias de Carvalho, imagem da net.




escrevo nos teus olhos

pelo teu corpo subo
como o fogo
e desço
como um rio
galgando açudes

escrevo nos teus olhos

mas só na tua alma
iluminada
sou a estrela
que adormece

 
Carlos Frias de Carvalho, in “ luz da água”, página 120, edições arcádia, 2010.

sábado, 21 de outubro de 2017

Connosco, mediocridades valorosas / With us, valorous mediocrity


Imagem da net / picture of the net.



Connosco, mediocridades valorosas

Connosco o arrastar
dos caminhos da insegurança
dorida, pela persistência
nas tangentes ao prumo da vida.

Connosco a envolvência,
rebuscada de temores,
galardoada com medalhas de latão,
que brilham, douradamente,
a cada manhã.

Connosco o espraiar desmedido
perante a avidez das ondas desfeitas,
que espumam por todos os sentidos
perdidos.

Connosco as margens inacabadas
onde as águas se tornam desleixadas
e profundas,
pelo leito que as acolhe,
rumando ao sal de tantas outras águas.

Connosco o caule que nos sustenta
e fortalece,
da árvore, que mesmo ardida,  nos impele
à reforçada busca da liberdade.

Eis a felicidade, porventura suprema,
que nos alimenta o âmago,
a cada nova manhã de nossas vidas,
exposta a tanto olhar matreiro,
quiçá invejoso, neste encantamento.

António MR Martins

(Português /portuguese)


 
With us, valorous mediocrity

With us or drag
of the ways of insecurity
painful, persistent
in tangents to the plumb of life.

With us,
full of fears,
awarded with medals of brass,
which glow, golden,
every morning.

With us the overstretching
before the greed of the waves undone,
that foams by all the senses
lost.

With us the unfinished margins
where the waters become sloppy
and deep,
by the bed’s water that receives them,
leading to the salt of so many other waters.

With us the stem that sustains us
and strengthens,
of the tree, which even burns, impels us
the pursuit of freedom.

This is the happiness, perhaps supreme,
which feeds us the core,
with each new morning of our lives,
exposed to both looking sly,
perhaps envious, in this enchantment.

António MR Martins

(Inglês / english)

(com alguma ajuda do tradutor “Google”)

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Pelos meus livros


Imagem da net.




Se enformam estes versos
pura mensagem secreta,
entre sentires dispersos
dalgum simples “Ser Poeta”.

Por vezes palavras duras,
outras de trato mais fino,
pelas suaves canduras
em “Quase do Feminino”.

Diversos temas sociais
revisitando a vida,
as sentenças são vendavais
entre cada “Foz Sentida”.

Pressentimentos à vista
com carinho e doçura,
enleio que nos assista
pelas “Águas de Ternura”.

Criações imagéticas
seguem enredo que seduz,
as linhas estratégicas
em qualquer “Máscara da Luz”.

Os poemas caminhando
sempre ávidos de crescer,
as palavras saltitando
nas folhas de “Margem do Ser”.

Dos mistérios por polir
nas dificuldades não caio,
impera o simples pedir
tudo passa “De Soslaio”.

Cada vida, sua distância,
rebuscado desatino,
na partida tanta ânsia:
- há um “Severo Destino”!

Mesmo que tudo termine
da maneira mais incerta,
há tanto que se aspire
p’la “Porta Entreaberta”.

Ao trejeito patético
onde tanto se desbrava,
faltando chão poético
“Empresta-me a Palavra”.

 
António MR Martins