“Júlio Chuva devia o apelido ao pai, madeireiro da zona de Vez. Homem corpulento, capaz de com duas machadadas deitar abaixo um pinheiro.”
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“Júlio Chuva desde menino que se habituara a que a casa fosse um corrupio de gente, uns amparados aos outros, com pernas e braços estropiados, mais aqueles de olhar esgazeado, rodeados de velhas de xaile preto na cabeça, soturnas e estranhas.
Muitas vezes o rapaz assistiu à expulsão dos demónios dos corpos. E foram tantas as vezes, que isso era já coisa normal na sua vida. Razão do dia se sobrepor à noite e causa.”
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“Era filho da floresta, de tantas vezes se embrenhar nela para levar o almoço ao pai, ou para o ajudar na lide, logo que os braços se tornaram mais fortes e rijos.
Mas também era filho de Zeza Miranda, e isso viria a revelar-se nele a cada dia da sua vida.
Tudo começou num dia em que sem razão aparente, Júlio, já homem feito, começou a cantar uma canção desconhecida, numa língua completamente estranha, feita quase só de sons nasalados.”
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“O mais fantástico, é que era tão suave aquele cantar, e tão prolongado aquele transe, que as pessoas começaram a procurar Júlio para o ouvir sempre que o fenómeno acontecia, como que encantadas, envolvidas nas sonoridades que extraía da alma e que ecoavam pelo vale como nevoeiro musical.
Nem a perspectiva de poderem ser o próximo a descer à terra os demovia. Autênticas peregrinações de gente, faziam o caminho íngreme que conduzia até aquela simpática casa amarela no cimo do monte, para ouvir o cântico do além.”
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“Nunca mais foi o mesmo. Fechou-se num silêncio de rezas, sempre junto da mãe, que com o decorrer dos anos foi perdendo visão, até ficar completamente cega e dependente de si.
Viviam os dois numa comunhão plena, deixando também progressivamente de receber pessoas, a cada dia mais donos do seu espaço, que os da aldeia desconfiavam ser o mundo.
Este e o outro.”
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“Observou o contraste na face pálida da bela rapariga. Tocou a sua pele para lhe levantar as pálpebras. Juntou o ouvido ao seu peito quente, sentindo um coração em ligeiro bater. Algo como nunca havia experimentado nos seus trinta anos de vida. Era como se aquele coração quisesse cantar com ele a melodia. No tom mais suave de sempre, numa quase escala de sonho.”
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“Um puxador abre devagar a porta do quarto, atrás de si uma estranha melodia que ainda ninguém tinha ouvido por aquelas bandas. Era Vera quem a cantava, etérea na sua camisa de linho branco. Os pés descalços.
Todos correram para ela, mas os olhos de Vera pertenciam a Júlio, doces e eternos. E só se desviaram porque este procurou a sua mãe na habitação, encontrando-a recostada na sua cadeira de baloiço, sem vida, mas com um sorriso nos lábios e um cheiro a flores do campo por todo o lado.”
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José Ilídio Torres
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José Ilídio Torres oferece-nos mais um delicioso livro de contos “Para além do tempo”, que nos surge sob a chancela da Temas Originais. José um amigo que vou estabelecendo com o decorrer do tempo. Um homem decisivo e empolgante no seu estar, uma proeminência na palavra, alias com as palavras. Elas saem-lhe de todas as maneiras e com elas ele conta-nos as mais belas estórias. Umas humoradas, outras socializadas e muitas outras que nos fazem movimentar tirando-nos do sério questionando o nosso interior. Ele não tem receio de utilizar esta ou aquela palavra, mesmo que com ela possa ferir susceptibilidades, sem ele o querer. Com o José Ilídio Torres nada fica por dizer. É também um poeta. Mas este escritor que no seu anterior livro nos maravilhou com um excelente romance “Diário de Maria Cura”, é, para mim, um extraordinário contista. No entanto, ele é, sobretudo, um homem da palavra (no plural). As palavras, ele as trata por tu e sempre de uma nobre maneira. Aconselho, vivamente, a leitura da sua obra e dos seus textos, com relevância para este seu último título “Para além do tempo”. Leiam-no sem receios, valerá, certamente, a pena…
António MR Martins
José Ilídio Torres oferece-nos mais um delicioso livro de contos “Para além do tempo”, que nos surge sob a chancela da Temas Originais. José um amigo que vou estabelecendo com o decorrer do tempo. Um homem decisivo e empolgante no seu estar, uma proeminência na palavra, alias com as palavras. Elas saem-lhe de todas as maneiras e com elas ele conta-nos as mais belas estórias. Umas humoradas, outras socializadas e muitas outras que nos fazem movimentar tirando-nos do sério questionando o nosso interior. Ele não tem receio de utilizar esta ou aquela palavra, mesmo que com ela possa ferir susceptibilidades, sem ele o querer. Com o José Ilídio Torres nada fica por dizer. É também um poeta. Mas este escritor que no seu anterior livro nos maravilhou com um excelente romance “Diário de Maria Cura”, é, para mim, um extraordinário contista. No entanto, ele é, sobretudo, um homem da palavra (no plural). As palavras, ele as trata por tu e sempre de uma nobre maneira. Aconselho, vivamente, a leitura da sua obra e dos seus textos, com relevância para este seu último título “Para além do tempo”. Leiam-no sem receios, valerá, certamente, a pena…
António MR Martins
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