sexta-feira, 27 de maio de 2011

Apresentação do meu novo livro de poesia "Águas de Ternura", em Ansião, dia 12 de Junho, pelas 16 horas


O Presidente da Câmara Municipal de Ansião, Rui Alexandre Novo e Rocha, o
autor, António MR Martins, e a Temas Originais têm o prazer de
o convidar a estar presente na sessão de apresentação do livro “Águas de
Ternura
”, no âmbito da 15.ª Feira do Livro, a ter lugar no Centro de
Negócios de Ansião, sito no Parque Empresarial do Camporês, Chão de Couce,
Ansião, no próximo dia 12 de Junho, pelas 16:00. Obra e autor serão apresentados
pela Dr.ª Teresa Leonor Falcão Ramos e esta sessão contará com um momento
musical a cargo do maestro António Simões.


[a cada momento]


a cada momento
nos furtamos às palavras
que se protegem no tempo,

os dias completamente abertos
diante de nós,

e os pés ajustando-se
ao caminho de volta

Prisca Agustoni

Escrever na tela

No pincel da doçura
pela tinta que espreme
se enreda uma bela tela

Nos guaches coloridos
ou nos óleos da perfeição
se saboreia a roupagem

No pastel incorporado
ou na china que é tinta
se envolvem os condimentos

Nas colagens mais propícias
e nos cortes que as rodeiam
se enfeitam as virtudes

Nas aguarelas espontâneas
e no contexto do papel
se deliciam os resultados

Nos horizontes perdidos
nos vales rios e montes
se envolve a inspiração

Há sempre um olhar diferente
um postal que sempre inspira
um novo pensamento da mente
um motivo onde se suspira

Há sempre um sentir profundo
um quadro de todo o desejo
um mártir assaz moribundo
uma imagem de sensual beijo

Há sempre o retrato da guerra
o covil da mais rude miséria
o abraço que envolve a terra
o delinear de tanta matéria

Há sempre tanta informação
o retrato para todo o sempre
o rigor ou ténue imaginação
o dar à luz de qualquer ventre

Há a pintura perfeita
a tela que é desfeita
o trabalho que se rejeita
e tanta mente tão estreita

Mas na tela que perdura
fica o registo que corta
de uma batalha tão dura
ou de uma natureza morta

Poeta eu escrevo palavras
neste ou naquele contexto
e tu que pintas tu lavras
em cada tela o maior texto

E quando em jeito comum
sílaba e pincelada são sintonia
elevam sua força a dois em um
se concretiza a mais-valia

António MR Martins

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Camões


Camões, grande Camões, quão semelhante
Acho teu fado ao meu, quando os cotejo!
Igual causa nos fez, perdendo o Tejo,
Arrostar co'o sacrílego gigante;

Como tu, junto ao Ganges sussurrante,
Da penúria cruel no horror me vejo;
Como tu, gostos vãos, que em vão desejo,
Também carpindo estou, saudoso amante.

Ludíbrio, como tu, da Sorte dura
Meu fim demando ao Céu, pela certeza
De que só terei paz na sepultura.

Modelo meu tu és, mas... oh, tristeza!...
Se te imito nos transes da Ventura,
Não te imito nos dons da Natureza.

Manuel Maria Barbosa du Bocage

Sempre do mesmo


Restam as palmilhas suadas
de tantos percursos trilhados,
pelas gentes entusiasmadas
entre seus sonhos apagados.

Tanta mente inconformada
sem resposta deste efeito,
que vai sofrendo na calada
não encontrando outro jeito.

O tempo assim vai morrendo
sem recurso noutra imagem,
por aquelas que se vão vendo.

E continua a vil pilhagem
dos que discursam ofendendo
pela sua regular mensagem.

António MR Martins

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Inscrição


Quem se deleita em tornar minha vida impossível
por todos os lados?
Certamente estás rindo de longe,
ó encoberto adversário!

Mas a minha paciência é mais firme
que todas as sanhas da sorte:
mais longa que a vida, mais clara
que a luz no horizonte.

Passeio no gume de estradas tão graves
que afligem o próprio inimigo.
A mim, que me importam espécies de instantes,
se existo infinita?

Cecília Meireles, in 'Retrato Natural'

Fados e guitarradas


Nas cordas dessa guitarra
trinam melodias do fado,
junto a vozes com garra
na portuguesa tocado.

Em acordes nas suas notas
por entre baixos e altos,
nos graves das tuas botas
e agudos sobressaltos.

São gemidos da coerência
musicados com robustez
na maior eloquência.

Pelos versos de sensatez
e fadistas de saliência
se sente o fado de vez.

António MR Martins

António Paiva, escritor e amigo, lança seu novo livro no próximo dia 28 de Maio, pelas 16H30, na LEYA BARATA, em Lisboa (Av. de Roma)


O autor, António Paiva, e a Temas Originais têm o prazer de
o convidar a estar presente na sessão de lançamento do livro “À Conversa
Com Alves Redol
” a ter lugar na Livraria LeYa na Barata, sita na
Avenida de Roma, 11-A, em Lisboa, no próximo dia 28 de Maio, pelas 16:30. Obra e
autor serão apresentados pela escritora Cristina Carvalho.

FADO

Música triste
desenganado
canto nocturno
a pouco e pouco
vai penetrando
meu coração

Nocturna prece
ou pesadelo
não sei que sombra
aquele canto
em mim deixou.

Febre ou cansaço?
Não sei! Nem quero.
lúgubre pranto
de roucas vozes
não tem beleza
- só emoção.

É como um eco
de noites mortas
de vidas gastas
ao deus dará.

Mas eu o recebo
dentro de mim.
Entendo. Choro.
Eu o recebo
Como um irmão.

Adolfo Casais Monteiro

Rio


Do rio correm as águas
que me vão lavar o pranto...
limpando as velhas mágoas
e aumentando seu manto!...

António MR Martins

terça-feira, 17 de maio de 2011

inferno

na suave asa do grito reflecte-se o lume
comestível do tempo - a mão transformada
em polvo sacode a erva seca no sangue
da manhã

eis o mundo feérico das feridas incuráveis
o inferno
mesmo quando dormes gemes abandonado
ao estertor da chuva na vidraça e ao vento
que dança na persiana

não saberás nunca da tua metamorfose
em pantera aérea - vou proibir que te passeies
por cima dos sentimentos e dos móveis

e que te vingues
do hábil sedutor de feras

Al Berto, in livro "Horto de Incêndio", página 20, edições Assírio & Alvim

Degraus da vida

Na escadaria da vida
há um degrau bem direito,
desde a nossa partida
e sempre ao nosso jeito.

Vendo o degrau quebrado
tem de se ter mais cuidado,
no outro arredondado
escorregar é um dado.

Há outro mais inclinado
ainda outro desfeito,
um pisar precipitado
pode roubar um direito.

Tanto degrau tem a vida
de diferentes feitios,
que tem de ser decidida
nos seus múltiplos desafios.

Degraus às vezes difíceis
em qualquer sua subida,
mas não sendo mais fáceis
no momento da descida.

Nos obstáculos da vida
os degraus têm seus preceitos,
subir ou descê-los melhor
é ao que somos sujeitos.


António MR Martins

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Soneto do amigo

Enfim, depois de tanto erro passado
Tantas retaliações, tanto perigo
Eis que ressurge noutro o velho amigo
Nunca perdido, sempre reencontrado.

É bom sentá-lo novamente ao lado
Com olhos que contêm o olhar antigo
Sempre comigo um pouco atribulado
E como sempre singular comigo.

Um bicho igual a mim, simples e humano
Sabendo se mover e comover
E a disfarçar com o meu próprio engano.

O amigo: um ser que a vida não explica
Que só se vai ao ver outro nascer
E o espelho de minha alma multiplica...


Vinicius de Moraes

impossível retorno

no ínfimo toque da flor
o murchar em simulacro da raiz
pelo caule do porvir adormecido
onde cada folha polvilha o impasse
por cada certeira razão

ao rubro no devorar de cada mar
a imperfeição de cada conquista
pelo tempo comum a cada vida
onde os amantes acontecem
por cada persistente demora

a derrota será um destino
do caminhar simples a sós
onde morarão os abrigos
dos gestos que apertam
a obscura seiva de cada desenlace
sem retorno calculado


António MR Martins

domingo, 15 de maio de 2011

Trova do vento que passa

Pergunto ao vento que passa
notícias do meu país
e o vento cala a desgraça
o vento nada me diz.

Pergunto aos rios que levam
tanto sonho à flor das águas
e os rios não me sossegam
levam sonhos deixam mágoas.

Levam sonhos deixam mágoas
ai rios do meu país
minha pátria à flor das águas
para onde vais? Ninguém diz.

Se o verde trevo desfolhas
pede notícias e diz
ao trevo de quatro folhas
que morro por meu país.

Pergunto à gente que passa
por que vai de olhos no chão.
Silêncio — é tudo o que tem
quem vive na servidão.

Vi florir os verdes ramos
direitos e ao céu voltados.
E a quem gosta de ter amos
vi sempre os ombros curvados.

E o vento não me diz nada
ninguém diz nada de novo.
Vi minha pátria pregada
nos braços em cruz do povo.

Vi minha pátria na margem
dos rios que vão pró mar
como quem ama a viagem
mas tem sempre de ficar.

Vi navios a partir
(minha pátria à flor das águas)
vi minha pátria florir
(verdes folhas verdes mágoas).

Há quem te queira ignorada
e fale pátria em teu nome.
Eu vi-te crucificada
nos braços negros da fome.

E o vento não me diz nada
só o silêncio persiste.
Vi minha pátria parada
à beira de um rio triste.

Ninguém diz nada de novo
se notícias vou pedindo
nas mãos vazias do povo
vi minha pátria florindo.

E a noite cresce por dentro
dos homens do meu país.
Peço notícias ao vento
e o vento nada me diz.

Quatro folhas tem o trevo
liberdade quatro sílabas.
Não sabem ler é verdade
aqueles pra quem eu escrevo.

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça
há sempre alguém que semeia
canções no vento que passa.

Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não.

Manuel Alegre

sábado, 14 de maio de 2011

As lágrimas de muitas mães



Choram as mães o suceder de tanta desgraça no choro de cada esperança. Choram pelos filhos que partem em busca da sobrevivência. Choram os matrimónios dos nados de si com a lágrima da saudade e do orgulho. Choram o tempo que passa sem a noção efectiva da sua existência. Choram a saúde nas pautas valorizadas por cada corpo que a tanto instante clama pelo seu nome. Choram a angústia pelo passado na aflição de cada presente.
Choram os filhos que morrem no tempo que deveria ser o seu. Choram os pedaços cortantes de cada dor por elas sofrida. Choram as nuances de carinho que gostariam de dar e receber eternamente. Choram os retalhos da vida por tudo o que de bom e mau contêm. Choram também o sorriso por onde salpica o puro amor. Choram a sua superior força que lhes permite resistir até à próxima alegria. Choram finalmente a grandeza de serem simplesmente mulheres.


António MR Martins


 


sexta-feira, 13 de maio de 2011

Canção do dia de sempre

Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...

Mário Quintana

Aquela era a casa



Na velha casa a parede do silêncio absorve os sons inaudíveis. A sombra das árvores resta lá fora à espera de um novo tempo. A memória estende-se no soalho inerte e vazio. O pó é um dos poucos habitantes daquele espaço. As rachas se ramificam em desenhos semelhantes aos das veias sanguíneas nas paredes da sua dimensão. As teias de aranha também lá moram. Há o gemido do postigo da velha janela donde se avistava uma bela paisagem sobre o rio que passava à sua frente. Agora a vegetação crescida sem mordaça nada deixa ver para além do que dela se encerra. O cheiro a bafio sustenta o aroma que ora ali se respira. As ervas já crescem nas prumadas e no telhado até silvas germinam. A ousadia da memória tudo tenta recordar em brancas eloquências. Apenas a saudade resta do tempo que ali já não existe.

António MR Martins


quinta-feira, 12 de maio de 2011

Cidadania

Buquê de ruídos úteis
o dia. O tom mais púrpura
do avião sobressai
locomovida rosa pública.

Entre os edifícios a acácia
de antigamente ainda ousa
trazer ao cimo a folhagem
sua dor de apertada coisa.

Um solo de saxofone excresce
mensagem que a morte adia
aflito pássaro que enrouquece
a garganta da telefonia.

Em cada bolso do cimento
uma lenta aranha de gás
manipula o dividendo
de um suicídio lilás.

Natália Correia, in "O Vinho e a Lira"

luzes reflexivas

1.

a luz partida
se entorna
na face a descoberto

a intensa luminosidade
se desvaneceu
recriando contrastes

as imagens
se transfiguram
em similares conteúdos


2.

a luz não é só
o tempero do dia

é também
a razão de tanta vida
e da existência comum


António MR Martins

quarta-feira, 11 de maio de 2011

deixa-me ser árvore

deixa-me ser árvore
haste da liana
uma estrela acesa
no cimo da rama

deixa-me ser ave
asa de vento
canto que adivinha
a linha do tempo

deixa-me ser apenas
a pena ou um bago
gota de orvalho
onda do lago


carlos frias de carvalho

in livro "luz da água", página 87, edições arcádia

A agulha e companhia

Um dedal se aconchega
num dedo de sua mão
e à agulha dá a achega
duma humilde opinião.

No alinhavar consome
pela linha do pesponto;
no cruzar onde se dorme
de um coser assaz tonto

Entrelinhas paralelas
e outras assimétricas,
num segurar tão robusto.

Se mexem por entre elas
no enquadrar estéticas
em movimentado susto.

António MR Martins

PASSOS DA CRUZ - V

Ténue, roçando sedas pelas horas,
Teu vulto ciciante passa e esquece,
E dia a dia adias para prece
O rito cujo ritmo só decoras...

Um mar longínquo e próximo humedece
Teus lábios onde, mais que em ti, descoras...
E, alada, leve, sobre a dor que choras,
Sem qu'rer saber de ti a tarde desce...

Erra no anteluar a voz dos tanques...
Na quinta imensa gorgolejam águas,
Na treva vaga ao meu ter dor estanques...

Meu império é das horas desiguais,
E dei meu gesto lasso às algas mágoas
Que há para além de sermos outonais...

Fernando Pessoa

quimera

tanta cegueira
em busca da coisa amada
tantas horas
fizeram as amarras da perdição

trilhos sinuosos no prurido da ventania
das mãos abertas
ouço a voz

o crepúsculo nos corta o âmago
nos erectos pêlos da consistência
o teatro de quase todas as vidas
esconde-se a cada anoitecer

mais triste não é o cego mas quem não quer ver
no tormento de tantas insónias

o adormecer anseia
que a bruma não disperse
o sentir de cada sonho

no alcance de cada infinito

as queixas dominam
a insensatez de cada acordar aflito
no crepitar de cada lume

sulcam-se estreitos
onde a prisão de todas as vozes
tonteia
e a quimera de cada incêndio
estabelece o queimar do nosso interior mais profundo


António MR Martins

P. S. - Muitas das imagens deste blogue são retiradas da net.

Que Bem Sabe o Amor Constante

Até no carro te canto,
Fala a fala, seio a seio,
Espantado de um encanto
Que mais parece receio

De te perder à partida
Pra te ganhar à chegada,
Pois tu és a minha vida
Na ida e volta arriscada.

Vai o Godinho ao volante
Com seu ar de conde antigo
Que bem sabe o amor constante
Que me aparelha contigo.

Poupado na gasolina,
Discreto na confidência,
Navegador à bolina
Dos rumos da nossa ausência.

Leva-me à Embaixada, ao almoço:
Travou, mas não sei que tenho:
Um resto de ardor de moço
Contigo no meu canhenho.

Vitorino Nemésio, in "Caderno de Caligraphia e outros Poemas a Marga"

Súbito sonhar

No tardar
Do tempo fora
Se desvanece a ideia

Entardecendo
Na demora
Do esperar pela ceia

Tão tarde
Se pôs lá fora
Construindo-se a escuridão

Tardiamente
A noite implora
Pela sua imensidão

Tardando
A resposta aflora
O que se faz prenunciar

Urge
Acordar agora
Deste prematuro sonhar

António MR Martins

Fogo Sagrado

A nossa alma fala devagar
E a palavra é tão precipitada!...
Fala-se e a dor ainda vem no ar;
Por isso é que a palavra não diz nada.

Fora a dor ninguém se pode dar,
Só por ela a palavra é orquestrada;
Forma, ideia, emoção, tudo anda a par
Nela e só dela sai eternizada.

Mas que fazemos nós? Por nós apenas
Damos tudo o que abrange o nosso olhar,
Nada visto através das nossas penas...

E é preciso que a dor, por mais singela,
Em nós viva e progrida até falar,
Ela e não nós, porque o poeta é ela!

Fausto Guedes Teixeira (1871-1940)

Noite ao rubro

No calor de cada noite
se afaga o rosto quente,
como quem dá um açoite
numa listagem pendente.

Acalmia do nocturno
envolve eloquências,
alvo olhar taciturno
altera as saliências.

Há um gesto de carinho
que medeia as intenções,
do calor vindo do vinho.

Um brinde pelas sensações
orienta o caminho
e empolga os corações.

António MR Martins

terça-feira, 10 de maio de 2011

SONETO DO TRABALHO

Das prensas  dos martelos  das bigornas
das foices  dos arados  das charruas
das alfaias  dos cascos e das dornas
é que nasce a canção que anda nas ruas.

Um povo não é livre em águas mornas
não se abre a liberdade com gazuas
à força do teu braço é que transformas
as fábricas e as terras que são tuas.

Abre os olhos e vê. Sê vigilante
a reacção não passará diante
do teu punho fechado contra o medo.

Levanta-te meu Povo. Não é tarde.
Agora é que o mar canta é que o sol arde
pois quando o povo acorda é sempre cedo.

Ary dos Santos

A poesia é a bandeira

Em cada verso escrito
se toma uma leitura,
em cada teor proscrito
se alivia a ditadura.

Um verso em cada frente
por cada rude batalha,
onde a poesia presente
muitos tanto atrapalha.

A palavra é sentido
do gesto à igualdade
pelo seu pronto prurido.

Carril da fraternidade
pelo clamor escondido
que leva à liberdade.

António MR Martins

Os Amantes de Novembro

Ruas e ruas dos amantes
Sem um quarto para o amor
Amantes são sempre extravagantes
E ao frio também faz calor

Pobres amantes escorraçados
Dum tempo sem amor nenhum
Coitados tão engalfinhados
Que sendo dois parecem um

De pé imóveis transportados
Como uma estátua erguida num
Jardim votado ao abandono
De amor juncado e de outono.

Alexandre O'Neill

in "No Reino da Dinamarca"

Fruta de tantas épocas

No fruto tanto esplendor
se degusta no paladar,
na magia intenso sabor
ressoa o verbo amar.

Há então suco contido
no gostoso interior,
onde se está perdido
por entre tamanho calor.

Na polpa não se ampara
a vitamina dormente
que de si manifestara.

Num preparo eminente,
onde gente consolara
seu sentido resistente.


António MR Martins

segunda-feira, 9 de maio de 2011

CONTRASTE

Vem sobre mim tugindo às ameaças
Da Barra o temporal que é uma peste!
E nem galho há de secular cipreste
Que em sua rijidez lhe louve as graças.

A planície varrida encrespa a estio:
Dá ermos líbicos, evoca areais!
Desgrenhados, de bruços para o Rio,
Agitam-se os sanguíneos salgueirais.

No longe alguém que fala; um ou outro ralha.
(O alto falar do povo é como um gume,
As vozes lembram pontas de navalha).

Ala-se o vento; agride ramo em ramo.
Só eu, criança de brincar com o lume,
Sofro por ti, e mais te quero, e amo.

Afonso Duarte

Dedilhando

No caule de uma flor
a mão que a empertiga;
onde um gesto de amor
adorna como espiga.

Aroma dos seus encantos
se envolve consonância
e aviltam tantos cantos
inspirados na fragrância.

E nesse dedilhar solto,
da mão que tanto acolhe
se esconde mar revolto.

Que em todos dedos tolhe
num manipular envolto
e tanto amor recolhe.


António MR Martins

COMO UMA FLOR VERMELHA


À sua passagem a noite é vermelha,
E a vida que temos parece
Exausta, inútil, alheia.

Ninguém sabe onde vai nem donde vem,
Mas o eco dos seus passos
Enche o ar de caminhos e de espaços
E acorda as ruas mortas.

Então o mistério das coisas estremece
E o desconhecido cresce
Como uma flor vermelha.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Memórias de afectos

No rugido do esplendor
se enobrece o carinho,
desfraldando tanto amor
em abraços de mansinho.

Tocam as vias perfeitas
pelos enredos sensuais,
na memória das receitas
entre doces conventuais.

Nos anais da história
se retiram as ilações
dos afectos saliência.

Ecoam gritos vitória
extenuadas seduções,
paixões em envolvência.

António MR Martins

domingo, 8 de maio de 2011

.tenho paixão.


.conheço. "a cabra cega dos corações miseráveis" de ana c. sei que em algum lugar escondo essa tristeza. não é "uma tristeza difícil" é a "tristeza de saudade" que clarice escrevia. todos os lugares me doem por serem esses. queria eu que fossem outros. mais distantes. que em certos sonhos me visitam. posso dizer pagú que vou contigo. porque também “eu quero ir bem alto, bem alto... é que do outro lado do muro tem uma coisa que eu quero espiar”.quero encontrar outros lugares. estes não me servem. tão longos são os dias. tão curtas noites me dão. que desassossego. trago comigo a gritar no peito esta certeza. "falta apenas o golpe da graça - que se chama paixão" não é clarice? sorris. também era teu. também. o desconforto de ter um coração tão grande e tão doente. mas "não meu bem, não adianta bancar o distante lá vem o amor nos dilacerar de novo".caio.

à minha amiga patrícia lino

esse génio.

mar.

(Margarete da Silva)

Efeitos da sedução

Sentem teus olhos o pairar
dum leve traço desejo,
que o caminho ultimar
no descortinar do beijo.

As meninas sendo deles
ruborizam o momento
e fazem lembrar por eles
todo um contentamento.

As nuances prevaricam,
eloquências do sentir
onde se geram carícias.

Gestos então se arriscam
perante sedutor sorrir
no despertar das delícias.

António MR Martins

sábado, 7 de maio de 2011

Apresentação do livro "Águas de Ternura", em Aveiro, no Hotel Moliceiro, dia 6 de Maio de 2011, pelas 21H30.

A apresentação do livro de poesia "Águas de Ternura", em Aveiro, ocorreu a 6 de Maio num local pelo qual tenho imenso apreço e considero apelativo para estes eventos, o Hotel Moliceiro.
Há a registar o agradecimento contínuo à Drª. Cristina Durães, directora do Hotel Moliceiro, que sabe proporcionar amáveis recepções para quem anda nestas lides da promoção da sua palavra, sempre em difíceis percursos.
A sessão decorreu de forma magnífica, ante a empatia geral de quem se disponibilizou a estar presente, perdendo um pouco do seu tempo livre.
A escritora Isabel Rosete fez uma apresentação minuciosa da obra, sempre envolvida num calor da palavra e de toda a sua força.
À editora Temas Originais, pela pessoa do seu gerente Pedro Baptista, o também poeta Xavier Zarco, o meu agradecimento pelo regular acompanhamento. A sua presença foi uma mais-valia para a sessão. Isabel Rosete e Xavier Zarco foram autênticos focos de aprendizagem viva para todos os presentes.
Depois a minha palavra de gratidão para todos quantos se predispuseram a ler alguns poemas do "Águas de Ternura".
Finalmente as palavras dedicadas a quem adquiriu o livro, com o respectivo autógrafo.
Foi mais uma sessão que levarei, para o meu sempre, em minhas memórias.
A minha gratidão!...



A mesa de honra.
Da esquerda para a direita: A escritora Isabel Rosete, que apresentou obra e autor, o autor António MR Martins e Pedro Baptista, ou o poeta Xavier Zarco, como se pretenda, pela editora Temas Originais.


Um aspecto da plateia.


Isabel Rosete faz a sua apresentação e, como lhe é peculiar, fá-lo deambulando pela sala.


Desta feita, Isabel Rosete lê um poema do livro "Águas de Ternura".


António MR Martins no uso da palavra, perante a atenção dos restantes membros da mesa.


A poetisa Vanda Paz lê um texto da obra.


É a vez do poeta Xavier Zarco.


Mais um dos presentes que se disponibilizou a ler um poema da obra em apresentação.


Sérgio Azeredo lê "Águas de Ternura".


A ocasião dos autógrafos.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Gasto

Olhei o espelho.
Nenhuma admiração, estou velho.
Reparei nos cabelos brancos ou nos outros que caem,
por entre os dedos, enquanto me lamento.
Ainda ontem tinha menos um dia.
Hoje sinto-me acabado, gasto e preso
numa corrente de equívocos que não sei decifrar.
Passo os dedos pela face.
Descubro a agrura da pele seca e da barba por fazer.
Desleixo ou simplesmente medo pelo amanhã?
Gastei-me de tanto me ver.
Virei a face.
Responde-me espelho, estarei velho?

Gonçalo Lobo Pinheiro