sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Conceição Bernardino, em 3 versões





Hei-de arrancar as palavras com os dentes

Hei-de arrancar as palavras com os dentes
espremê-las, uma a uma com a saliva que me
resta
hei-de suportá-las mesmo que me cortem a língua
e a sirvam aos cães pródigos da benevolência, a
ira

Saberei à mesma escrevê-las
nas flores de Maio, em pleno inverno,
antes do romper da frígida madrugada
em punhos feitos de mármore escarlate

Hei-de desenhar nos escarros desta liberdade
os nomes a carvão, onde Auschwitz calou os seus

Hei-de levantar a voz, engolir a palavra em seco
e vomitá-la onde a surdez cala, corrupta

Conceição Bernardino

 
Onde as minhas mãos se arrastam

A noite cerca-nos, devora-nos,
Sem que saibamos o nome um do outro.
Procuro o rosto com os dedos,
Como o pólen que respiro da tua boca.

Já não sei ouvir o mar sem encostar
O ouvido ao teu peito,
Nem olhar o céu sem que me emprestes
Os teus olhos dormentes.

Resta-me o sujo dos lençóis
Onde as minhas mãos se arrastam
Dentro desta loucura precoce.

Carlos Val

 
Onde a luz e as sombras se encontram

Tropecei nos silêncios de pedras calcinadas
defronte a uma esquina de vidro, ao longe a
coluna dorsal do mar dobrava-se em delicadas
vértebras, lambendo as sequelas enraizadas de
salitre na “Vesperata” onde a luz e as sombras se
encontram.
Quis sentir-lhes o sabor…saboreei o primeiro trago
na inocência – a ilusão – o segundo o despotismo
enfadava a razão, o terceiro trago servia para
sustentar qualquer condição.
A vida é tão estúpida que estupidez alguma a
reconhece quando no lamaçal a morte se finge
acordada.

Mathilde Gonzalez  

In “identidades”, página 10 (Conceição Bernardino), página 75 (Carlos Val) e página 115 (Mathilde Gonzalez), edições Lavra… boletim de poesia, Vila Nova de Gaia, 2013.

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