segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Manuel António Pina






Luz

Talvez que noutro mundo, noutro livro,
tu não tenhas morrido
e talvez nesse livro não escrito
nem tu nem eu tenhamos existido

e tenham sido outros dois aqueles
que a morte separou e um deles
escreva agora isto como se
acordasse de um sonho que

um outro sonhasse (talvez eu),
e talvez então tu, eu, esta impressão
de estranhidão, de que tudo perdeu
de súbito existência e dimensão,

e peso, e se ausentou,
seja um sonho suspenso que sonhou
alguém que despertou a paira agora
como uma luz algures do lado de fora.

Manuel António Pina (1943-2012), in “Os Livros”, página 32, edições Assírio & Alvim, Novembro, 2003.

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