Luz
Talvez
que noutro mundo, noutro livro,
tu
não tenhas morridoe talvez nesse livro não escrito
nem tu nem eu tenhamos existido
e
tenham sido outros dois aqueles
que
a morte separou e um delesescreva agora isto como se
acordasse de um sonho que
um
outro sonhasse (talvez eu),
e
talvez então tu, eu, esta impressãode estranhidão, de que tudo perdeu
de súbito existência e dimensão,
e
peso, e se ausentou,
seja
um sonho suspenso que sonhoualguém que despertou a paira agora
como uma luz algures do lado de fora.
Manuel António Pina (1943-2012), in “Os Livros”, página 32, edições Assírio &
Alvim, Novembro, 2003.
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