domingo, 11 de agosto de 2013

Joaquim Pessoa




POEMA SEXTO

 
Doce é o sacrifício dos frutos, fraterna
a luz dos pássaros. A terra canta, exibe agora
o esplendor dos vulcões, para acender na noite
o imenso candelabro do universo.

Ofereço a mim todas as vidas, todos os segredos
por detrás da aurora. Amo todo o silêncio,
toda a dor redonda de cada um dos dias.

O que vejo, o que sinto, é a respiração
das palavras, hálito doloroso das colinas da tarde,
a curva da fala que se demora na ternura das mãos
e de onde tomba o oiro dos relâmpagos ou
se debruça a luz fria das primeiras horas.

Escreve-me como se ainda me amasses.
E eu guardarei o fogo. Dar-te-ei o sol. Talharei o sílex
para o coração azul do pássaro. E o tecido dos beijos
para vestir a pele das coisas mais agrestes.

Dividirei com a tua boca o feroz vinho da juventude
e cantarei contigo todos os salmos da paixão.
Por fim, esperar-te-ei no rio, junto à margem. Onde
as romãzeiras se despedem do verão.

E onde, agonizante, caminha para o sol
o animal que aos poucos morre de tristeza.

 
Joaquim Pessoa, in “Guardar o Fogo”, página 32, Edições Esgotadas, 2013.     

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